Em alguns dos estados, leitos de UTI contra o coronavírus são insuficientes no SUS. Mesmo nos estados que têm UTIs, não atendem a recomendação da OMS.
Elen Ribera | 15 de Março de 2020 às 16:24
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A maioria dos estados brasileiros está despreparada para atender, na rede pública, casos graves de pacientes infectados pelo coronavírus; cujo destino principal são as Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) com equipamentos de respiração para ventilação mecânica.
As piores situações estão nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, as mais pobres e mais dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS). No Sul e no Sudeste, o Rio de Janeiro é o único estado precário nesse ponto.
Nos municípios, menos de 10% têm leitos de UTI, públicos ou privados, e os pacientes terão de ser encaminhados a hospitais de referência regionais em seus estados.
Na média nacional o SUS cumpre, no limite, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de ter o mínimo de um leito de UTI para cada 10 mil habitantes. Dois terços deles (17 dos 27 estados) não chegam a isso, segundo dados do Conselho Federal de Medicina com base em números do MS e do IBGE.
Nos epicentros mundiais da epidemia, a demanda chegou a 2,4 leitos de UTI por 10 mil habitantes, segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). É mais que o dobro da média disponível no setor público brasileiro.
Veja também quanto tempo você pode ficar afastado do trabalho devido ao coronavírus.
Um atenuante, na comparação entre Brasil e Itália, por exemplo, é o menor percentual entre a população daqui de pessoas mais velhas. Elas são os principais afetadas pela doença.
No total, contando UTIs do SUS e privadas, o Brasil tem cerca de 47 mil leitos, divididos meio a meio em cada sistema. Somando os dois, a média sobe para 2,1 a cada 10 mil pessoas, abaixo da necessidade que vem sendo observada nos países mais afetados.
O problema é que 75% dos brasileiros usam o SUS e só 25% têm plano de saúde – que atendem com folga os parâmetros da OMS em todos os estados, com média de 4,8 leitos por 10 mil segurados.
Antes do início da epidemia no país, a taxa de ocupação das UTIs para adultos na rede pública já era de 95%. Isso mantém sistematicamente os hospitais ligados ao SUS sob pressão. No setor privado, com mais leitos, a taxa é de 80%, segundo a Amib.
Nos casos graves de infecção pelo coronavírus, a experiência internacional mostra que os pacientes precisam de internação em UTIs por entre 14 a 21 dias. Que é o dobro ou o triplo do tempo médio na rede pública em situações normais.
Nos outros casos, muito semelhantes a gripes, sequer é necessária a permanência em leito hospitalar, o que torna as UTIs o principal gargalo.
Outro complicador importante é que mais de 30% dos leitos de UTI são para crianças. Eles teriam de ser adaptados para adultos durante a crise da Covid-19.
“A questão é a distribuição desses leitos, levando em conta os dois sistemas [público e privado] e as disparidades regionais”, diz Ederlon Rezende, ex-presidente e membro do conselho consultivo da Amib.
No Nordeste, apenas 2 dos 7 estados (Pernambuco e Sergipe) cumprem, no SUS, o mínimo recomendado pela OMS. Nos sete do Norte, só Rondônia. Nos quatro do Centro-Oeste, apenas Goiás.
A expectativa é que o clima mais quente impeça a propagação do vírus nessas regiões. Mas isso não está demonstrado ainda, embora a maioria dos casos no Brasil ainda se concentre no Sul e no Sudeste.
O Rio de Janeiro é o único estado nessas duas regiões onde o sistema público está abaixo da meta. O estado tem 0,97 leito de UTI para cada 10 mil pessoas. Mas é o terceiro do país com mais leitos privados em proporção aos beneficiários dos planos (8,7 por 10 mil).
Depois de assistir ao impacto do coronavírus na Itália, o Ministério da Saúde agora promete aumentar de 1.000 para 2.000 a instalação de novos leitos de UTI na rede pública; o que ainda não cobriria as recomendações da OMS.
Procurado pela reportagem, o ministério não respondeu aos questionamentos encaminhados na sexta (13).
Mais leitos hospitalares comuns e de UTI, para pacientes graves, já estão no horizonte nos planos dos governos estaduais. Caso avance e se agrave a pandemia causada pelo novo coronavírus.
Alguns estados já preparam planos com leitos exclusivos para pacientes graves com Covid-19 ou preveem o uso da rede privada.
Segundo Rezende, da Amib, a montagem de um leito básico de UTI custa R$ 100 mil. Sua manutenção, sobretudo com gasto destinado a pessoal, cerca de R$ 2.000 mensais.
“Não há dúvida de que vamos ter um gargalo, o que vai exigir o bloqueio de cirurgias agendadas e a ampliação do tempo de trabalho de profissionais de UTIs”, diz Rodrigo Olmos, professor do departamento de Clínica Médica da USP e médico assistente do Hospital Universitário (HU).
No HU da USP, onde a procura por atendimento dobrou na última semana por suspeitas de infecção pelo covid-19, há apenas 12 leitos de UTI funcionando. Outros oito, para tratamento semi-intensivo, estão parados por falta de recursos.
Outra recomendação para abrir espaço nas UTIs seria adotar tratamentos paliativos para doentes terminais, e fora dessas unidades. Como alternativa às UTIs para casos graves pela Covid-19, também é possível usar outros espaços onde há equipamentos de respiração, como salas de cirurgia e pós-operatório.
Para Gustavo Gusso, professor do Departamento de Clínica Médica da USP, a vantagem do Brasil sobre os Estados Unidos, por exemplo, é ter um sistema de saúde integrado pelo SUS. “Mas as prefeituras terão de se organizar rapidamente para indicar o que fazer com os doentes graves. E também para quais hospitais devem ser enviados sem expô-los muito a outras pessoas”, afirma. “Será preciso também segurar doentes menos graves para que não ocupem o lugar de outras pessoas nas UTIs.”