Mistério médico: Qual foi o gatilho?

Alguns casos intrigam até mesmo os médicos mais experientes. Confira mais um mistério médico e surpreenda-se!

Douglas Ferreira | 1 de Fevereiro de 2021 às 01:01

Victor Wang -

Alguns casos intrigam até mesmo os médicos mais experientes. O caso médico abaixo certamente está nessa lista de mistérios médicos que intrigam os especialistas.

PACIENTE: Martin Taylor (nome alterado para preservar a identidade), engenheiro de software de 42 anos.
SINTOMAS:
Forte falta de ar e tontura.
MÉDICO: Dr. Owen Dempsey, pneumologista da Aberdeen Royal Infirmary, na Escócia.

Martin Taylor trabalha como engenheiro de software durante o dia e é o guitarrista principal de um grupo musical de Aberdeen, na Escócia. Em setembro de 2016, enquanto ajudava os colegas do grupo a descarregar equipamento pesado antes de um show, ele se sentiu tonto de repente. Não deu importância, mas a sensação piorou nas semanas seguintes. Naquele outono, Martin se sentiu cada vez mais cansado e sem fôlego. Enquanto isso, seu apetite diminuía. E, embora tentasse dormir bem, era frequente acordar no meio da noite com tontura.

Numa noite de novembro, enquanto montava o equipamento do grupo para um casamento, Martin sentiu uma tontura forte. “Quase desmaiei”, recorda ele. Um dos colegas do grupo o segurou antes que caísse. Finalmente, ele marcou uma consulta numa clínica nas redondezas.

As primeiras suspeitas

O médico achou que Martin tinha uma pequena infecção pulmonar que logo passaria, mas nos dias seguintes Martin se sentiu cada vez pior. Ele voltou e consultou outro médico, que pediu uma radiografia de tórax para procurar problemas como bronquite, pneumonia ou até um tumor. O resultado veio normal.

Em dezembro, Martin estava tão mal que parou de trabalhar e de tocar com o grupo. Dormia o dia inteiro e ficava sem ar ao mínimo esforço. Subir a escada levava um tempo enorme. “Galgava alguns degraus e ficava totalmente sem fôlego”, diz ele. À noite, ele se sentia sufocar e não conseguia inspirar ar suficiente no pulmão. Pela manhã, depois que sua mulher saía para trabalhar, a filha pequena levava o chá com torradas para ele na cama. Pesaroso, Martin explica: “Como pai, eu não esperava receber cuidados de minha filha de 8 anos.”

Ao mesmo tempo, por causa da falta de apetite, Martin perdeu uns 7 quilos. Desesperado, marcou outra consulta com um terceiro médico da mesma clínica. Este pediu que ele andasse rapidamente pelo corredor. Martin ficou ofegante. O médico prendeu um oxímetro no dedo dele para medir a quantidade de oxigênio no sangue. O nível normal fica acima de 95%; o de Taylor estava abaixo de 80%.

O médico telefonou para o colega Dr. Owen Dempsey, pneumologista da Aberdeen Royal Infirmary, e lhe mandou por e-mail a radiografia supostamente normal de Taylor. “Cliquei na imagem enquanto conversávamos”, conta Dempsey. “Eu me lembro de dizer que aquilo não era normal. Era sutilmente anormal.” O pulmão de Taylor tinha uma leve sombra cinzenta, como se coberto por um véu. Um radiologista facilmente confundiria aquilo com uma imagem um pouco subexposta. Dempsey percebeu que o ar podia ter sido substituído por outra coisa, como um líquido inflamatório.

Pneumonite por hipersensibilidade (PH)

São várias as causas de inflamação pulmonar, como pneumonia ou alguma doença autoimune. Às vezes, é um sinal de pneumonite por hipersensibilidade (PH) ou alveolite alérgica extrínseca, uma reação alérgica a algo inalado repetidamente, como substâncias químicas industriais, mofo e outros irritantes. A PH é relatada em cerca de duas em cada 100 mil pessoas, mas os pesquisadores acham que, com certeza, é subdiagnosticada. Dempsey explica: “O pulmão filtra milhares de litros de ar por dia. De certa forma, é surpreendente não termos mais reações às coisas do ambiente.”

Dempsey ligou para Taylor. No meio da conversa, Taylor precisou desligar o fogão; quando voltou da cozinha, estava tão sem fôlego que mal conseguia falar. Dempsey ficou impressionado. “Um homem da idade dele não deveria respirar como se tivesse corrido uma maratona só porque andou até a cozinha.”

O médico o crivou de perguntas. Há centenas de alérgenos capazes de provocar PH, em geral obscuros, como mofo invisível dentro de um instrumento de sopro ou poeira de pipoca nas fábricas que a produzem – e não há como testar todos eles. “Em muitos casos, não conseguimos identificar o gatilho”, diz Dempsey. “É decepcionante, porque o tratamento da doença é eliminar o gatilho.” Ele perguntou a Taylor sobre contato com aves, porque um tipo comum de PH é a reação ao revestimento ceroso das penas, que repele a água. O problema é encontrado principalmente em criadores de pombos e donos de periquitos de estimação. Taylor não tinha nenhum pássaro. Mas Dempsey foi além e perguntou sobre edredons.

Foi aí que Taylor mencionou o edredom e os travesseiros novos com que dormia desde o fim do verão. Embora ele e a mulher usassem edredons de penas havia anos, era a primeira vez que o travesseiro também era recheado delas. “Durmo de bruços, e fico com o rosto enterrado no travesseiro”, relata ele.

Dempsey recomendou que ele substituísse os itens imediatamente. Também receitou esteroides para reduzir a inflamação. Taylor estava disposto a tentar qualquer coisa. “Eu vinha me sentindo cada vez pior havia muito tempo, sem ver o fim do sofrimento.”

Bastaram algumas noites com o travesseiro novo para Taylor se sentir um pouco menos mal. Uma semana depois, começou a tomar os esteroides e, em dois dias, os sintomas sumiram completamente. “Fiquei eufórico”, recorda ele. “Eu me senti novo em folha outra vez.” A tomografia do pulmão confirmou a presença daquelas áreas cinzentas, e exames de sangue mostraram uma exposição elevada a proteínas de ave. Se continuasse usando o travesseiro de penas, Taylor poderia ficar com cicatrizes permanentes no pulmão.

Taylor, que já parou de tomar os esteroides, admite que levou algum tempo para entender como sua experiência era incomum. “O Dr. Dempsey diz que sou seu caso especial. Durante muito tempo, achei que ele dizia isso a todos os pacientes para que sentissem que estavam em boas mãos!”

POR LISA BENDALL