Mistério médico: sintomas estranhos

Em alguns casos médicos, os especialistas precisam ser detetives para descobrir o que aflige o paciente. É a história desse mistério médico.

Douglas Ferreira | 18 de Outubro de 2020 às 19:37

Wavebreakmedia/iStock -

Alguns casos intrigam até mesmo os médicos mais experientes. O caso abaixo é um mistério médico que desafiou vários especialistas antes de ser desvendado.

PACIENTE: Jeff (nome alterado para proteger a privacidade), professor do ensino médio de 36 anos
SINTOMAS: Febres recorrentes e delírios
MÉDICO: Dr. Volodko Bakowsky, reumatologista do Centro de Ciências da Saúde QEII, em Halifax, no Canadá.

Com 20 e tantos anos, Jeff, professor do ensino médio em Halifax, começou a ter resfriados fortes e infecções pulmonares várias vezes por ano, muitas delas com febre alta. “Parecia que eu não tinha mais a reação imunológica de sempre e não melhorava”, diz ele. Aos 30 e poucos anos, ele perdera massa muscular e, quase toda manhã, se sentia tão cansado que era difícil se levantar da cama. Também não conseguia se concentrar no trabalho. “Alguém me dizia alguma coisa e, dois minutos depois, eu tinha esquecido.”

Esses episódios foram administráveis até junho de 2007, quando uma das febres de Jeff foi acompanhada de alucinações. “Eu via abelhas e água pingando do teto”, recorda ele. Trôpego, apoiado na esposa, ele entrou no consultório médico e foi aconselhado a ir para o hospital.

Os exames na UTI não revelaram muita coisa. Os médicos acharam que Jeff tinha uma infecção cerebral de fonte desconhecida.

Uma falsa recuperação

Jeff se recuperou em poucos dias e pôde voltar para casa, mas as alucinações recomeçaram cinco meses depois, quando preparava o café da manhã. Ele não se sentia muito mal, mas parou de repente, fitou a frigideira e perguntou à mulher: “Você está vendo a cara de um chimpanzé na panqueca?” (Não, ela não estava.) Jeff passou uma semana internado.

Agora os médicos teorizaram que o cérebro não estava infeccionado, mas que reagia às febres recorrentes. Às vezes, pessoas idosas ou com pouca saúde têm delírios quando adoecem porque o cérebro frágil não aguenta esse fardo a mais. Mas os delírios são incomuns em pessoas mais jovens e, às vezes, podem indicar uma doença subjacente e perigosa.

Um especialista sugeriu que Jeff pudesse ter uma doença genética rara chamada TRAPS (síndrome periódica associada ao receptor do fator de necrose tumoral), que faz o sistema imunológico se comportar como se houvesse uma infecção e provoca febres frequentes. Jeff foi encaminhado ao reumatologista Dr. Volodko Bakowsky para exames.

O primeiro encontro com o Dr. Bakowsky

A primeira impressão que Bakowsky teve do novo paciente não foi boa. Jeff chegou tarde porque dormiu demais. “Eu tinha reservado um tempo extra para ele. Fiquei furioso!”, conta o médico. Hoje, ele ri ao se lembrar. “Às vezes, há pistas que a gente não percebe que são pistas. O fato de ele se atrasar para a consulta era um de seus sintomas.”

No meticuloso exame físico, Bakowsky notou uma leve redução da elasticidade da pele de Jeff e da flexibilidade das articulações. Então, como Jeff mencionara sinusite, o médico examinou os ouvidos de Jeff, algo que normalmente não inclui no exame físico, e ficou perplexo. “As orelhas dele eram de osso maciço”, recorda-se Bakowsky. “Fiquei chocado. Nunca vira aquilo.”

Jeff notara que as orelhas doíam quando dormia de lado, como se o travesseiro fosse duro demais, mas ele não fazia ideia de que, aos poucos, a cartilagem que normalmente existe sob a pele das orelhas estava se transformando em osso.

Bakowsky levou alguns dias para pesquisar a estranha coletânea de sintomas. “Para cada problema, a gente gera uma lista de possibilidades, e talvez as interseções nos deem o diagnóstico.” Ele acrescenta que pessoas mais velhas podem ter várias doenças ao mesmo tempo, mas não é assim em pessoas com a idade de Jeff. “Nos mais jovens, é provável que seja uma coisa só que provoca diversos sintomas.”

As causas mais conhecidas de orelhas ósseas estão ligadas ao sistema endócrino, que produz hormônios, e Bakowsky pediu exames de sangue para verificar os níveis de Jeff. Afinal, uma descoberta importante:

“Seu nível de cortisol estava baixíssimo. Quando vi isso, pensei: temos a resposta!”

O cortisol é um hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais para reagir ao estresse. Sem ele, o corpo tem dificuldade de combater doenças e infecções; por exemplo, não consegue controlar inflamações. (Não se sabe por que sua ausência também transforma cartilagem em osso.)

A solução do mistério médico

Outros exames revelaram que a causa era um transtorno no hipotálamo de Jeff, parte do cérebro que estimula a glândula suprarrenal. É uma causa tão rara de baixo cortisol que nenhum dos médicos que Jeff consultou pensou nisso. “Ele passou por baixo do radar”, conta Bakowsky.

A falta de cortisol explicava todos os sintomas. Além disso, sempre que se expunha a um micróbio que a maioria combateria com facilidade, Jeff caía com uma doença grave, porque seu corpo não conseguia lidar com o estresse adicional.

Jeff conseguiu repor o cortisol com um simples comprimido, que começou a tomar imediatamente. “Em um dia, me senti maravilhosamente bem”, diz ele. “Estou saudável desde então.”

Depois da recuperação, Jeff resolveu ajudar o hospital que transformou sua vida. Sempre que fazia uma consulta de acompanhamento, ele reservava um tempo para os alunos de medicina examinarem suas orelhas (as mudanças ósseas são permanentes).

Há cerca de três anos, Bakowsky selecionou o caso de Jeff para discussão numa conferência na Universidade Dalhousie, em Halifax. Em geral, os pacientes cujos casos são analisados nesses eventos já faleceram, mas, naquela ocasião, Jeff estava na plateia e até se levantou para dizer algumas palavras. “Foi um final feliz para ele”, lembra Bakowsky.

POR LISA BENDALL