Amor aquático: uma lição para sempre
Ela queria dominar as águas para voar. Para essa lição, porém, era preciso um inesperado professor.
Claudia Nina
RedatorDepois da sentença do pai de que só poderia ir aos passeios da escola se aprendesse a nadar, ela logo se prontificou a obedecer a detestável rotina de acordar cedo e, junto com a mãe, pegar dois ônibus para estar de pé na fila do professor Januário, às 8. Tinha medo de cair na piscina e ainda estar dormindo. Desde sempre, o processo de acordar era lento, e ela nunca aprenderia com os pássaros o segredo das manhãs.
Pensou que o aprendizado teria que ser rápido.
Mas como fazer para se sentir acordada o suficiente para não afundar? Bater pernas e braços na velocidade capaz de produzir algum equilíbrio antiafundamento era um esforço gigantesco. Talvez ela não conseguisse e aí estariam eliminadas todas as possibilidades de passeio em sítios, fazendas, clubes e similares.
Já estava quase resignada a perder o jogo para aquela água toda – não conseguiria sequer boiar. Foi quando o professor Januário percebeu e se aproximou para ajudar. Na imaginação da menina de 9 anos, aquele professor era a primeira figura masculina diferente do seu pai ou do seu avô. Era um homem de verdade que simbolizaria para ela o que talvez ela encontraria no futuro.
Claro que ele nunca suspeitou de seus pensamentos perversos.
A menina era quieta, e os colegas da natação nunca se transformaram em amigos. Ela só queria mesmo era aprender a nadar e sair logo dali, o que seria uma tarefa que talvez levasse uns dez anos. Ela fazia os exercícios, usava as boias de braço, seguia sem rebeldia o método do professor. Até o momento em que sentiu que precisava chamar a atenção de Januário para tentar transformar o tedioso aprendizado em um processo mais desafiador.
Começou a se posicionar no primeiro lugar da fila e a fazer perguntas como se não tivesse escutado direito ou entendido. Januário começou a chamá-la pelo nome. Na imaginação da menina, em seu mundo mágico e estrelar, ela estava sendo amada. Ele era quase um príncipe aquático dos mares perdidos.
Então o que parecia impossível aconteceu.
Chegou o dia em que todos foram convocados a se atirarem na piscina olímpica sem boia. Ela estava com medo, mas não poderia demonstrar isso de jeito nenhum diante da sua primeira paixão.
Tentou disfarçar o pavor de se atirar na fundura. Januário percebeu. E a chamou pelo nome, mas sem nenhum paparico. Era apenas a convocação para que ela fizesse o que deveria: mergulhar e sair nadando.
Na imaginação da menina, o seu nome mais uma vez dito pelo príncipe das águas seria a força de que precisava para confiar na sua capacidade de agir. Mergulhou e nadou com coragem. Assim que chegou na outra ponta da piscina, ela finalmente celebrou a vitória que antes parecia impossível.
Só muito mais tarde entendeu que o amor secreto e platônico – o primeiro de muitos – foi o incentivo de que precisava para ajudá-la no intento. E depois, quando descobriu o amor real, percebeu que só seria capaz de verdadeiramente se apaixonar por quem a levasse a mergulhar em águas profundas.
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora, autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)
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