Bruxas de Salem: descubra a verdade por trás das acusações de feitiçaria

Os fatos por trás da história das Bruxas de Salem revelam uma trama que mistura fanatismo religioso, busca pelo poder e vinganças familiares. 

Redação | 13 de Abril de 2022 às 13:00

RockingStock/iStock -

A história das Bruxas de Salem é o caso mais famoso de caça às bruxas. O acontecimento inspirou muitas lendas, filmes e livros, mas os fatos por trás da história revelam uma trama que mistura fanatismo religioso, a busca pelo poder e vinganças familiares. 

O início da perseguição

Em 19 de agosto de 1692, uma carroça partiu da aldeia de Salem, em Massachussetts, então ainda uma colônia inglesa. Levava cinco prisioneiros para uma colina a leste do povoamento, onde os mesmos seriam executados. Um deles era um líder da comunidade – George Burroughs, ex-pastor e feiticeiro condenado. 

Ao ser levado para a forca, Burroughs declarou inocência. O historiador Robert Calef escreveu em 1700 que o discurso de Burroughs foi “proferido com tanta compostura e fervor de espírito que muito comoveu vários dos presentes e arrancou lágrimas de diversos deles”. Porém, a eloquência do pastor e sua impecável recitação da Oração do Senhor foram em vão. O magistrado supremo, Cotton Mather, avançou e declarou que “o diabo foi muitas vezes transformado num anjo de luz”, e Burroughs acabou enforcado.

Leia também: Descubra como morreu Napoleão Bonaparte

A caça às bruxas de Salem começou com um jogo inofensivo de adivinhação. Betty Parris, filha do vigário da aldeia de Salem, Samuel Parris, brincava com algumas amigas. As jovens despejaram claras de ovo numa panela com água e tentavam ler as imagens que se formavam. Tituba, a criada antilhana dos Parris, ensinara o jogo às meninas para matar o tempo nas noites frias de inverno. Uma delas julgou ter visto um caixão, o que assustou o grupo – todas começaram a gritar e a tremer de medo.

O reverendo Parris procurou a ajuda do médico da aldeia, William Griggs, que examinou as jovens. Parecendo dominadas pela histeria, elas gritavam obscenidades. Sem uma explicação médica para aquele comportamento bizarro, Griggs suspeitou de feitiçaria.

Passou-se um mês e o estado das garotas não melhorou. Na verdade, os estranhos “destemperos” pareciam ter contaminado outras jovens da aldeia.

Sob intenso interrogatório, as jovens atormentadas disseram-se enfeitiçadas. Denunciaram três mulheres locais: Sarah Osborne, Sarah Good e a criada Tituba.

Provas espectrais

As três suspeitas não tinham prestígio social para refutar as acusações. Sarah Osborne não ia à igreja com frequência e não era muito benquista; Sarah Good era mendiga; Tituba, uma serviçal estrangeira, estava no nível mais baixo da escala social.

Em 29 de fevereiro, as três mulheres acusadas de bruxaria foram presas, mas isso não acabou com a caça às bruxas. Numa atmosfera de crescente histeria, o estranho comportamento das garotas continuou. Algumas gritavam ao ter visões, outras se levantavam na igreja para zombar dos sermões. Ao mesmo tempo, faziam cada vez mais acusações de bruxaria. Em maio de 1692, o governador de Massachusetts instituiu um tribunal superior para julgar os casos.

As sessões do tribunal foram caóticas e profundamente sinistras. As jovens afetadas se contorciam e gritavam ao encarar os acusados. As testemunhas de acusação basearam-se em “provas espectrais”, nas quais o espectro do réu supostamente aparecia diante das garotas transtornadas e as machucava. O dono da pousada local, Nathaniel Ingersoll, depôs durante o julgamento de uma certa Sarah Wilds que “se ela fechasse as mãos ou virasse a cabeça para o lado, as pessoas enfermas… eram… torturadas”.

O próprio diabo fazia aparições regulares: o armador Philip English foi visto por Susannah Sheldon com “um negro tendo na cabeça uma coroa alta e nas mãos um livro”.

De todos os julgamentos, o de Rebecca Nurse foi o que causou mais confusão. Aos 71 anos, mãe de oito filhos e respeitada na comunidade, Rebecca foi acusada por membros da família Putnam de “ter feito muito mal” a Anne Putnam, de oito anos, e a sua mãe, também chamada Anne.

A enfermeira foi absolvida pelo tribunal, só para as jovens recomeçarem os gritos de dor. Solicitados a rever o veredicto, os juízes declararam a senhora culpada. 

A acusação contra Rebecca Nurse causou indignação. Um abaixo assinado de 41 aldeões declarava: “… nós a conhecemos há muitos anos… e nunca tivemos motivos para suspeitar do que a acusam.” De nada adiantou. Rebecca foi enforcada em 19 de julho de 1692.

A verdade vem à tona

Os julgamentos seguiram por quatro meses. Mais de vinte pessoas foram executadas ou morreram na prisão. A aldeia jamais se recuperou do trauma.

Com o passar dos anos, muitas explicações foram apresentadas para o ápice de violência que se apoderou daquela pequena comunidade temente a Deus. Algumas afirmavam que as visões eram sintomas de histeria em massa causada por repressão freudiana; outras, que um fungo chamado cravagem, que se formava no trigo local, causava alucinações nas pessoas. Outra teoria sugeria que a aldeia sofrera de uma epidemia de doença do sono virótica, a encefalite letárgica, doença altamente infecciosa e potencialmente fatal, marcada por febre alta.

Hoje investigações dão uma explicação menos exótica, e foi um mapa que ofereceu a primeira pista. Em 1867, Charles W. Upham fez um mapa de Salem como a cidade era em 1692, demarcando as casas de todos os participantes dos julgamentos. 

O mapa mostra que quase todas as acusações foram dirigidas contra os que moravam na metade leste da aldeia pelos que moravam na parte oeste. Das 14 pessoas declaradas culpadas de feitiçaria, 12 eram da metade leste, e 30 dos 32 acusadores eram do oeste. Além disso, 24 dos 29 “céticos”, ou seja, os defensores dos que eram julgados, também eram do leste. Se o diabo realmente foi a Salem, ele foi meticuloso com as casas que visitou.

A curiosa divisão da aldeia em “bruxos” do leste e acusadores do oeste levou dois estudiosos a examinar o passado de Salem.

Colina contra vale

Usando o mapa de Salem de 1692, de Charles W. Upham, os acadêmicos norte-americanos Paul Boyer e Stephen Nissenbaum localizaram os endereços de supostas bruxas e das testemunhas-chave nos julgamentos de feitiçaria. Havia uma clara divisão leste – oeste entre os dois grupos. Os moradores das colinas a oeste, que frequentavam os templos puritanos no centro da aldeia, fizeram acusações contra os habitantes mais ricos do leste, que haviam feito campanha para a substituição do pastor. Acusados e acusadores podiam ser identificados quase apenas com base na divisão geográfica.

Leste contra oeste

Em 1626 construiu-se perto de Salem um ancoradouro que atraiu mercadores e criou um próspero centro mercantil, diferente da antiga área rural da aldeia de Salem.

A súbita expansão econômica da cidade provocou uma divisão na aldeia vizinha. A metade leste prosperou, pois ficava a curta distância da cidade pela estrada de Ipswich e dispunha de prados para cultivar. Vários dos que ali viviam adotaram novas profissões, tornando-se sapateiros, hospedeiros e ceramistas. Em contraposição, os da porção oeste da aldeia se dispersaram em torno de uma pobre área de cultivo, onde a vida era menos rentável.

Embora famílias como os Ingersoll e os Putnam possam ter se envolvido intensamente com a política da aldeia, do ponto de vista econômico e social eles eram cidadãos de segunda classe. Da década de 1660 em diante, eles passaram a pleitear que a aldeia de Salem se desligasse da cidade de Salem e se tornasse autônoma. 

Temendo que tal medida desse fim a sua prosperidade, a parte leste da aldeia combateu a perspectiva de uma separação. O aldeão Jeremiah Watts descreve a atmosfera em 1682:

“Irmão está contra irmão e vizinho contra vizinho, todos brigando uns com os outros.”

Essas brigas da política aldeã tinham uma base religiosa. Como vários dos imigrantes que haviam se assentado em Massachusetts após a década de 1660, os da parte oeste eram puritanos, ou seja, seguiam um código religioso estrito e austero que evitava luxos. Em contraste, os empresários da cidade de Salem eram vistos pelos puritanos como gente que dedicava a vida à busca pelo lucro pecaminoso.

Na tentativa de se distanciarem dos capitalistas, os puritanos pressionaram o governo da cidade de Salem para terem seu próprio templo. Seu pedido foi concedido em 1672, mas a questão de quem deveria ser designado pastor só provocou mais atrito na aldeia.

Em 1689, após uma sucessão de titulares efêmeros, assumiu o reverendo Samuel Parris, sob cuja liderança o templo passou a ser dominado pelos puritanos. A família Putnam formava mais da metade da congregação, enquanto os da região leste da aldeia boicotavam as assembléias e lutavam para conseguir a remoção de Parris.

As linhas de batalha – sociais, econômicas e religiosas – estavam traçadas, e prevaleceram durante todos os julgamentos, definindo o padrão de acusação e defesa.

Nos estágios finais da caça às bruxas, foi como se todos os que moravam na parte leste da aldeia pudessem se ver rotulados como feiticeiros; alguns dos que foram a julgamento se viram acusados por “atormentados” do oeste que sequer puderam identificá-los no tribunal. 

Especialmente chocante foi o testemunho de crianças, que, sem qualquer prova física, podiam fazer acusações como esta:

“Sarah Good abaixou minha cabeça para trás de um baú com muita violência, amarrou minhas mãos com um aro de roda e me sufocou até quase me matar.”

A histeria infantil é mais compreensível à luz das relações hostis entre as famílias na aldeia. É possível que o alvo das acusações de uma criança tenha sido uma pessoa conhecida e detestada pelos pais. 

Brigas de vizinhos

Alguns dos “feiticeiros” tinham-se envolvido em discórdias de longa data com seus acusadores. John, o marido de Sarah Wilds, fazia parte de um comitê que resolvia disputas de terra. Ao demarcar uma linha divisória entre Salem e a vizinha Topsfield, fizera inimigos, ficando a favor da última.

Leia também: 17 mulheres que marcaram a história do Brasil

O reverendo executado George Burroughs não morava em Salem em 1692; ele partira em 1683, após desentender-se com os irmãos Putnam por dinheiro. Em 1681, Burroughs tomara em empréstimo uma quantia do capitão John Putnam para pagar o enterro da esposa. Para resgatar a dívida, Putnam emitira um mandado para sua prisão. Embora a questão tivesse sido resolvida fora do tribunal, a animosidade continuou. 

Nove anos depois, George Burroughs foi levado de Maine, Nova Jersey, de volta a Salem, a fim de enfrentar acusações de feitiçaria. Durante seu julgamento, a jovem Anne Putnam depôs:

“Quase fui sufocada por ele, que ainda tentou me convencer a escrever em seu livro.” 

Aos oito anos, Anne seguia à risca os preconceitos da família. Ela fez 21 acusações formais durante os julgamentos, muito mais do que qualquer outro depoente individual. Oito outros membros de sua família, porém, também depuseram, entre eles o pai e a mãe. Além disso, das 141 acusações formais de feitiçaria, 46 vieram deles. É muito improvável que a jovem Anne desconhecesse a antiga rixa da família contra os Burroughs, e a disputa entre os Putnam e os Wilds.

Anne Putnam depôs durante o julgamento de George Jacobs que acreditava que ele fosse um “terrível feiticeiro”. Jacobs foi enforcado aos 72 anos – um dos primeiros homens executados por bruxaria em Salem. Sua neta Margaret estava entre os que prestaram testemunho contra ele no tribunal.

Anos depois ela se arrependeu do papel que desempenhou, atribuindo suas ações a “um grande delírio de Satanás”. Aparentemente Satanás conhecia bem mais as “vítimas” do que os réus. Apesar de toda a histeria e retórica, os julgamentos de Salem não foram mais do que o fruto de uma vingativa disputa social.