Empreendendo para brincar e transformar o mundo

Desde criança, a professora carioca Jaciana Melquiades, de 37 anos, se sentia incomodada com a inexistência de bonecas negras. Ela cresceu brincando com

Douglas Ferreira | 14 de Fevereiro de 2021 às 14:00

Divulgação -

Desde criança, a professora carioca Jaciana Melquiades, de 37 anos, se sentia incomodada com a inexistência de bonecas negras. Ela cresceu brincando com bonecasloiras e de cabelos lisos e sentia falta de representatividade.

“A falta de bonecas parecidas comigo deixou sequelas na formação da minha identidade. A representatividade é fundamental para o desenvolvimento infantil saudável. Minha experiência como mãe e professora me deu essa certeza”, diz Jaciana.

Em 2013, “eu fazia atividades sobre questões raciais com as crianças em uma escola pública”, conta ela. “E sempre precisava de elementos lúdicos nessas atividades. Então levava para a escola os bonecos negros que tinha feito para o meu filho Matias, nascido em 2011. Percebi que o interesse dos profissionais de educação em relação ao meu trabalho aumentava. E que comecei a vender esses itenspara eles, por encomenda”, explica a professora. Assim nascia a loja on-line Era Uma Vez o Mundo, que se tornou referência para quem procura bonecas negras – cheias de estilo, com direito a vestido, calça jeans, tênis e até cauda de sereia.

“Comecei a fazer esses bonecos e bonecas para que o meu filho tivesse brinquedos representativos. A empresa surgiu e cresceu de forma orgânica, sem planejamento no início. A adesão das pessoas promoveu nosso crescimento”, conta ela.

Em 2019 a Era Uma Vez o Mundo ganhou um espaço físico, no Rio de Janeiro, e hoje conta com duas lojas próprias, sete pontos de venda no Rio e um em São Paulo.

Diversidade

Se a boneca Dandara – batizada em homenagem a Dandara dos Palmares, companheira de Zumbi – é o principal produto para as meninas, o boneco Zambi (em homenagem a Zumbi) é o carro-chefe para os meninos. Mas a Era Uma Vez o Mundo traz no portfólio outros brinquedos educativos como livros de pano – chamados de livros-brinquedos – e camisetas de colorir.

A Dandara bailarina é um dos produtos vendidos na loja on-line. (Divulgação)

“A ideia da loja é mais do que vender bonecas; é estimular a interação entre as crianças. Nossas atividades estimulam a criança a brincar, correr e, ao mesmo tempo, aprender conceitos africanos que giram em torno da cooperação. Com isso, promovem contato, diálogo e diminuem o tempo de uso dos telefones celulares”, afirma Jaciana. “Possibilitar que as crianças se vejam representadas de forma positiva é maravilhoso, mas me leva à reflexão de que, se estou conseguindo fazer esse trabalho, as grandes empresas não o fazem por opção. Fico triste por viver em um mundo em que a falta de representatividade pode ser a escolha dos que poderiam fazer diferente”, diz.

Educação inclusiva

Pensando no papel que os brinquedos têm na formação, pois as crianças brincam com o mundo em que vivem e com as suas referências, a professora destaca que o seu trabalho possibilita que meninos e meninas projetem, através da imaginação, futuros possíveis.

“Se veem uma boneca médica ou um boneco que voa negros, isso garante à criança a possibilidade de se ver ocupando qualquer lugar na sociedade. O nosso objetivo principal é impactar a educação. Por isso, oferecemos para escolas públicas e oficinas os nossos brinquedos de forma gratuita, pois os vemos como ferramentas de transformação”, diz ela.

Questionada como se sente à frente dessa ideia transformadora, que vai além de vender brinquedos, ela reflete: “A Jaciana de sete anos ficaria muito feliz se pudesse ver naquela época cada passo que dei até hoje. É incrível ver tudo o que vem sendo construído até aqui e com a cooperação de tantas pessoas. Afinal, sozinha eu não conseguiria chegar a lugar nenhum.”