Por acaso, Bali

Confira esse relato de viagem surpreendente sobre uma visita não planejada à Bali, exótica ilha indonésia cheia de surpresas.

Julia Monsores | 1 de Janeiro de 2021 às 14:01

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Empoleirada na traseira da motoneta que meu marido lutava para manter ereta na lama, bati a palma da mão nas costas dele e comuniquei em seu ouvido: “Vou descer.” Era o único jeito. Jules fez que sim e desacelerou por alguns segundos para eu pular e começar a correr atrás dele.

Não pude deixar de rir do ridículo da situação. O sulco macio onde eu corria, com um arrozal à direita e a selva à esquerda, não era mais largo do que um pneu, e eu tinha de acompanhar Jules, porque havia uma fila de pacientes pilotos de motoneta acelerando atrás de mim sem espaço para ultrapassar. Não escorregue!, disse a mim mesma, mas as sandálias Birkenstock não foram feitas para esse tipo de coisa.

Bem-vindos à minha véspera de Ano-novo de 2019 em Bali. Em março.
Bali. Ambos achamos que não gostaríamos. Pensamos que seria como Veneza, Santorini ou Paris: lugares bonitos prejudicados pelo turismo excessivo. Ouvimos falar que havia um número imenso de australianos festeiros enchendo as praias e boates de Bali. Como isso não fazia nosso gênero, pretendíamos pular essa ilha indonésia e visitar outros lugares do país. Mas aí descobrimos que Bali seria uma escala conveniente para nosso próximo destino, a Austrália.

Acabou sendo um acaso feliz, porque descobrimos que Bali, única ilha predominantemente hinduísta no maior país muçulmano do mundo, é luxuriante e tranquila, com belas flores coloridas onde quer que se olhe.
E cheia de muito mais surpresas. A maioria delas, agradável.

A erupção do Monte Agung em 2017. Ele também soltou vapor durante a visita da autora em 2019.

Uma aconteceu assim que nos aproximamos de Amed, na ponta leste da ilha, longe da área das boates, onde planejávamos passar alguns dias. Contratamos um táxi para a viagem de duas horas a partir da capital Denpasar. Amed tinha uma única estrada boa para entrar e sair, que passa perto do Monte Agung, o maior vulcão de Bali. O pico assomava bem acima dessa parte da ilha, e, quando nos aproximamos, achei que ele… fumegava. Muito.

– Parece que o Monte Agung está em erupção – brinquei com o motorista.

– Pois é – respondeu ele com um sorriso. – Está no alerta nível três.

Hum… Em Hong Kong, os sinais de alerta de tufão iam até 10, pelo que
me lembrava do tempo que passei lá. Três não devia ser muita coisa.

– Qual é o nível mais alto? – perguntei só para garantir.

– Quatro – respondeu ele, ainda sorrindo.

– Mas não se preocupe, não vai entrar em erupção.

Não entendemos direito como ele podia saber disso. Também não entendemos como sairíamos de Amed se o vulcão entrasse em erupção nos
próximos dias, pois a lava derretida provavelmente cobriria nossa única
rota de escape.

– Tudo bem – disse Jules para me tranquilizar. – Vai dar tudo certo.
O que eu poderia fazer além de tirar isso da cabeça?

Amed é uma série de pequenas praias e enseadas que dão para o Mar
de Bali e a Ilha de Lombok. Encontramos nossa pousada três estrelas na
Baía de Jemeluk e adoramos, embora chovesse tanto que, na primeira tarde,
a água entrou sob nossa porta e inundou o quarto. Rãs e caramujos foram
atraídos pelo minipântano no banheiro. Assim, nos mudamos para um dos novos prédios do estabelecimento, ao lado da piscina, e foi perfeito.

Canoas tradicionais de madeira numa praia perto de Amed.

No segundo dia, andamos horas pela estrada costeira e passamos por povoadinhos ao longo do litoral montanhoso. As enseadas eram salpicadas de jukungs, as canoas de pesca balinesas pintadas de cores vivas, com estabilizadores arqueados.

Para almoçar, paramos num warung (pequeno café) de beira de praia para comer mie goreng, o macarrão frito indonésio, e satay de frango com leite de coco. Durante a caminhada quente e cheia de ladeiras de volta a nossas acomodações, paramos para descansar num lugar na encosta batizado adequadamente de Joli Best View Cafe: o alegre café da melhor vista, com seu grupinho de mesas dando para o mar que rugia lá embaixo.

Tomamos coquetéis arak madu, feitos com aguardente local, suco fresco de limão e mel. Não tínhamos visto muitos turistas até então, mas no café conversamos com um americano e um norueguês, igualmente apaixonados pelo lugar.

Quando me lembro, parece estranho que ninguém com quem conversamos, nem mesmo o pessoal de nosso hotel que só aceitava dinheiro vivo, mencionou que o período de seis dias do Ano-novo balinês estava em pleno andamento e que os caixas eletrônicos não funcionavam durante parte dele.

Suponho que achassem que sabíamos, mas a informação não estava em nossos guias. Só soubemos no dia seguinte à longa caminhada, quando, depois de alugar uma motoneta e percorrer trechos mais longos da costa, percebemos que precisávamos de mais dinheiro. Tínhamos visto alguns caixas eletrônicos numa área à beira-mar com lojinhas e fomos até lá.

O primeiro caixa que tentamos não estava funcionando. Nem o segundo. Fomos mais adiante até o terceiro: também não funcionava. Isso estava ficando estranho. Perguntamos a uma moradora se ela poderia nos dizer onde havia outro caixa eletrônico. “Hoje não funciona”, disse ela. “Nyepi amanhã.”

Não fazíamos ideia do que isso significava. Já passava do meio-dia, e paramos no Joli Best View para perguntar a outro grupo de turistas se sabiam alguma coisa sobre esse tal Nyepi.

“Vocês estão aqui na melhor época!”, esclareceu uma britânica. “Ano-novo balinês!”

Ela explicou que os caixas eletrônicos não tinham permissão de funcionar durante dois dias e que a internet seria praticamente desligada em toda a Ilha de Bali no dia seguinte: Nyepi, ou Dia do Ano-novo. Ela também nos contou que naquela noite, em Culik, uma cidade a 4 quilômetros no interior, haveria a festa da véspera de Ano-novo, com um desfile de ogoh-
-ogohs gigantes. Saberíamos o que eram quando víssemos, disse. Esses desfiles aconteciam em toda a ilha.

Só uma vez por ano e só em Bali? Não poderíamos perder

O sol estava se pondo, e o desfile logo começaria. Pulamos na motoneta e nos juntamos a todo mundo que ia naquela direção. Foi tudo tranquilo até chegarmos a um bloqueio humano diante de um templo.

A cena era linda: umas 100 pessoas – os homens com seus melhores sarongues e udengs (chapéus balineses), as mulheres com kebayas brancos cerimoniais (um vestido trespassado e rendado) – sentadas de pernas cruzadas na estrada com cestos de vime cheios de flores frescas como oferendas aos deuses hinduístas.

Bom, aquilo foi inesperado. Era a única estrada para Culik. A polícia
indicava a todas as motonetas que se aproximavam que teriam de achar
outro caminho.

Assim, seguimos os moradores, e foi quando me vi pulando e correndo naquela “entrada dos fundos” enlameada com a mesma velocidade que a fila de motonetas à frente e atrás. Eu tinha de acompanhar o ritmo, pois não sabia como chegar a Culik.

Mas chegamos à cidade, achamos um meio-fio para nos sentar com uma
família local e assistir ao chamado desfile de Ngrupuk. Foi muito interessante. Os ogoh-ogohs são bonecos de papel-machê com 3 a 5 metros de altura que representam divindades e demônios hinduístas. São construídos  durante várias semanas por grupos de jovens das comunidades próximas.

Em plataformas de bambu, os vários grupos levam seus ogoh-ogohs coloridos pela cidade; no total, eram provavelmente uns 20. De vez em quando, eles corriam em círculos, em uníssono, e viravam a efígie para que o público pudesse ver todos os lados.

O desfile seguia para a praia de Amed, onde os ogoh-ogohs seriam
queimados numa fogueira gigantesca a fim de repelir os maus espíritos, mas decidimos sair antes da multidão e voltar para a pousada.

O dia seguinte era o Dia de Ano-novo ou “Dia do Silêncio”, como é
chamado em Bali. Descobrimos isso quando voltamos do desfile. Em toda
a ilha, ninguém tem permissão de sair de seus aposentos, a menos que seja
uma urgência de saúde. Não se pode acender a luz nem tocar música alta.
Nem, como mencionei, é possível usar a internet, embora serviços essenciais como os hospitais fiquem isentos, assim como alguns hotéis (não o nosso).

Os moradores jejuam, mas não obrigam os turistas a jejuar também, e
fizemos nossas refeições na pousada. Por sorte, o gerente não se importou
de esperar o pagamento até o dia seguinte, quando poderíamos sacar dinheiro em algum caixa eletrônico que funcionasse.

Passamos o Dia do Silêncio lendo, e também escrevi uma carta longuíssima
a meus pais e irmãos no Canadá, contando-lhes tudo sobre as revelações
surpreendentes e prazerosas de Bali. Enquanto escrevia, percebi que ser forçada a ficar sem internet e fisicamente num lugar só criara essa inesperada oportunidade de uma conexão mais significativa para a qual eu talvez achasse que não tinha tempo.

No dia seguinte, chegou a hora de partir; pegaríamos o avião para Adelaide à noite. Enquanto o táxi nos levava de Amed rumo ao fim de nossa estada em Bali, o Monte Agung cuspia uma coluna de cinza vulcânica com cerca de 3.500 metros de altura. Graças ao tempo nublado, não soubemos na hora o que acontecia – e fico bem contente por isso, mesmo que a coluna não fosse de fato um perigo.

Houve uma virada final em nossa visita. A meio caminho de Denpasar, nosso motorista parou inesperadamente numa selva cheia de casas nas árvores para que experimentássemos um tipo famoso e bizarro de café indonésio.

Eu só sabia que o kopi luwak é considerado uma iguaria. E estava prestes a descobrir por quê: aquele lugar produzia o café luwak.
Mas antes o jovem proprietário nos mostrou uma sonolenta criatura parecida com um gato num grande cercado. Chamado de luwak em Bali, a civeta não é um felino; é aparentada com o mangusto.

O que esse animal noturno tem a ver com café? Bom, pois é. Enquanto perambulam à noite, as civetas adoram comer os frutos dos cafeeiros da área. Por fim, elas os evacuam. Os moradores catam as fezes no chão da selva e limpam as sementes parcialmente digeridas – ou seja, os grãos de café. O café feito com essa “iguaria” é caro: 30 dólares ou mais a xícara.
A gente aprende alguma coisa nova todos os dias.

Numa das casas na árvore, Jules e eu recebemos duas xícaras tamanho expresso: uma com café “java” comum (é claro que Java é o nome da ilha principal da Indonésia, um dos maiores produtores de café do mundo) e uma com kopi – ou seja, “café” – luwak. Havia uma diferença clara no gosto: o kopi luwak era mais rico. (E se quiser saber o aroma, era puro cheiro de café.) Gostei bastante.

Mas já estava bem contente com a variedade colhida à moda convencional, por isso me recusei a comprar grãos de kopi luwak.

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A escolha foi facilitada pelo preço exorbitante, e ainda bem que tive essa desculpa para não comprar. Mais tarde, li que, em certas regiões da Indonésia, a produção de kopi luwak foi industrializada, com os animais criados engaiolados e em péssimas condições.

À noite, quando pegamos o avião para a Austrália, pensei na sorte que tivemos de ver essa ilha indonésia com toda a sua linda peculiaridade. Reclinei a poltrona e, enquanto aguardava o sono, meus pensamentos dançaram por nossa aventura em Bali, reprisando um acontecimento atrás do outro. Embora o inesperado nem sempre seja bem-vindo nas viagens, esta foi puro prazer e nos deixou uma vida inteira de lembranças.

por Bonnie Munday