A literatura tem de ser um direito básico do ser humano

Em tempos de discussão sobre taxação dos livros, vale lembrar que a literatura é, ou deveria ser, um direito básico do ser humano.

Lucas Rocha | 4 de Maio de 2021 às 15:00

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Tem gente por aí dizendo que só rico lê. Que livros são uma coisa elitista, que não pertencem a todos, e que, por isso, deveriam continuar onde estão: na mão de quem tem dinheiro. Mas não é bem assim que as coisas funcionam. A literatura é para todos. Em abril, comemoramos o mês do livro e da leitura. Então, por que não pensarmos em como garantir esse direito?

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Meu amor por livros começou em um sebo. Todos os dias, quando eu voltava da escola, passava por uma banquinha que ficava em uma travessa. Nela, um senhorzinho organizava sua pilha de livros a preços módicos, empilhando-os uns sobre os outros de uma forma que poderia até parecer caótica, mas que fazia algum sentido.

Aquela pequena banca acabou se tornando o meu refúgio: juntava o dinheiro que sobrava do lanche, e uma vez por semana ia lá, à procura de um ou dois livros amarelados na esperança de encontrar histórias incríveis prontas para serem descobertas. E assim comecei a montar minha biblioteca particular.

Mas minha história não é a história da maioria das pessoas que cresceu ao meu redor. Na cidade onde cresci, a biblioteca pública não tinha muitos títulos de ficção. E, na minha escola, a biblioteca era daquelas onde você tinha que pedir pelo título e esperar que ele existisse, o que me impossibilitava de percorrer as estantes e ter aquele sentimento de encontrar um livro que eu nem sabia que existia.

Garantir acesso aos livros ainda é um desafio no Brasil

Imagem: dolgachov/iStock

O meu interesse pela leitura partia de um lugar muito particular e não era incentivado pelos que me rodeavam. Mas consegui, apesar de tudo isso, me tornar um leitor ávido por mais livros. Diferente de muitos dos meus amigos.

A questão é: se houvesse mais do que uma pequena banca com livros amarelados, será que não haveria amigos leitores com os quais eu pudesse conversar?

Estou dizendo tudo isso porque existem algumas pessoas insistindo em dizer que só rico lê no Brasil. Que, por isso, a melhor maneira de lidar com essa situação é o de aumentar o preço dos livros, e não diminuir para que possam atingir outras parcelas da população. Um grande contrassenso, por muitos motivos.

Em primeiro lugar, porque a literatura é um direito de todos, e cabe ao Estado fornecer meios para que as pessoas tenham acesso aos livros. E, segundo, porque essa história de que só rico lê parte de uma premissa falsa: a pesquisa Retratos de Leitura no Brasil aponta que a maior parcela leitora do Brasil está nas classes C e D e E.

Eu vejo isso o tempo todo quando converso com leitores: todos falam que, se os livros tivessem uma oferta mais acessível e diversa, leriam mais. E, por outro lado, essa possível taxação colocaria em risco o mercado editorial, que faz malabarismos para manter os livros em um preço acessível ao mesmo tempo que preza pela qualidade tanto física (o material com o qual o livro é feito) quanto intelectual (o que é publicado).

Mas, tendo em vista que o livro é considerado caro e não está na lista de prioridades de quem mal consegue pagar as contas com o que ganha no mês, como garantir acesso à leitura em um país tão desigual como o Brasil?

A literatura tem de ser um direito básico

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É aí que entra o papel do Estado. Para o crítico Antonio Callado, a literatura é, ou ao menos deveria ser, um direito básico do ser humano, pois a ficção/fabulação atua no caráter e na formação dos sujeitos.

E, para garantir que esse direito seja efetivo, devemos lutar pela elaboração de políticas públicas que garantam acesso à leitura, através de incentivos econômicos para bibliotecas já existentes e a criação de novas; para a capacitação de profissionais que atuem na cadeia do livro e, principalmente, para a formação de uma sociedade leitora, que encontra nos livros a possibilidade de mudar o mundo através da educação.

O Estado não deveria taxar livros, mas garantir que sejam mais baratos. Se só rico lê, como alguns tentam nos convencer, deveríamos nos movimentar para que essa realidade mude, e não para que seja mantida.

Porque, se já é mágico explorar livros antigos e amarelados em busca de novas histórias, imagina onde poderíamos chegar se explorássemos acervos ricos, novos e bem equipados, recheados de mundos do possível e do impossível para nos perdermos (ou nos encontrarmos)?