Drama da vida real: a pescaria que virou um pesadelo

Tempestade, barco naufragado, ondas gigantes e até um infarto: a história de como uma pescaria virou um pesadelo.

Redação | 9 de Janeiro de 2019 às 21:00

COLIN ANDERSON/GETTY IMAGES -

Conheça a história de dois pescadores que passaram por momento aterrorizantes após partirem para uma simples pescaria no mar:

Relâmpagos cortaram o céu, e Raymond Jacik soube que seu colega de pescaria estava morto.

Com a chuva e o granizo, Jacik não conseguia ver Michael Watkins, mas o raio caíra bem onde ele estava, agarrado a um poço de petróleo na baía de Galveston, no Texas, a seis quilômetros e meio da costa. “Mike!”, gritou Jacik. Mas, com o vento e o barulho das ondas, seu grito foi inútil.

Jacik não teve tempo de se lamentar. As ondas continuavam a arrastá-lo do duto de petróleo onde estava, a algumas centenas de metros de Watkins. O cano enferrujado ferira seus pés descalços, mas era o que o mantinha fora d’água. Durante horas, ondas de dois metros caíram sobre ele sem parar, jogando-o no mar revolto. Na água, ele se debatia loucamente e se esforçava para subir outra vez. Para Jacik, era como ser surrado até a morte. A tempestade, que já durava duas horas, não mostrava sinais de ceder.

Ele rezou.

Segunda-feira.

Jacik, 49 anos, e Watkins, 52, não verificaram a previsão do tempo antes de zarpar da marina de San Leon, no Texas. Os amigos pescavam juntos várias vezes por semana, e nos últimos dias o céu de abril estava limpo e o mar, calmo. Às oito da manhã daquele dia de primavera de 2016, ao partir na lancha de seis metros de Watkins, eles só pensavam em vermelhos, linguados, cações e corvinas.

Dez minutos depois de zarpar, Jacik e Watkins encontraram ondas de até um metro. Não era um problema para Jacik. A lancha conseguia aguentar algumas ondas. Os homens continuaram avançando rumo à Árvore de Natal, apelido de um de seus pontos de pesca favoritos. A seis quilômetros da costa, a Árvore de Natal era um recife feito de restos de um antigo poço de petróleo; subia do fundo da baía e, para Jacik, lembrava um pinheiro decorado, com seus ramos de válvulas, manoplas e volantes.

Os antigos equipamentos de petróleo e gás se espalham por trechos de quase dois quilômetros da baía de Galveston, e boa parte dos destroços está pouco acima ou pouco abaixo da superfície. Parecia um grande depósito de lixo, mas era lá que ficavam os peixes. Eles continuaram avançando para mar aberto, com ondas se chocando contra o casco.

Na Árvore de Natal, os problemas começaram quase imediatamente. Primeiro, o motor externo engasgou. Watkins lançou a âncora para inspecionar o problema, mas o cabo da âncora partiu. Ele amarrou o barco a um pilar próximo enquanto Jacik ligava o motor, e nenhum deles notou as ondas maiores que se aproximavam. Com a proa voltada para o vento e as ondas pequenas que chegavam, não viram necessidade de ficar atentos.

Então uma onda de dois metros se chocou com a popa.

A água lavou o convés, inundando o barco. Uma segunda onda os atingiu. Eles não tiveram tempo de pôr os coletes salva-vidas nem de pegar o estojo de primeiros socorros, comida, água ou sinalizadores. Não tiveram tempo de pensar antes que uma terceira onda virasse o barco, jogando-os no mar.

Jacik emergiu e chamou o amigo.

“Não sei nadar!”, respondeu Watkins, lutando para ficar acima da água. Nesse instante, veio o primeiro golpe de sorte: a caixa térmica Igloo de 50 litros de Watkins subiu à superfície. Ele se lançou em sua direção, e o isopor manteve à tona seus 160 quilos.

Watkins foi batendo as pernas rumo à Árvore de Natal, e Jacik ajudou a puxá-lo para cima. Lá, em pé sobre uma grade de 1,2 × 1,8 metro que cercava o antigo poço cerca de meio metro acima da superfície, os homens olharam o outro lado da baía. O vento rugia. Ondas de mais de um metro, com a crista branca, passavam velozes. A quilômetros de distância eles viam San Leon, mas horas se passariam antes que alguém desse pela falta deles. Ambos se agarraram à Árvore de Natal, temendo que outra onda renegada os varresse para a morte.

Os dois torciam para que Mahlea, a filha de 14 anos de Jacik, ou Sherry, a mulher de Watkins, desconfiassem de algo errado e avisassem as autoridades – antes que a chuva caísse.

Horas se passaram.

Agarrados à Árvore de Natal, Jacik e Watkins falaram do resgate, de suas famílias e do equipamento destruído, mas logo se recolheram aos próprios pensamentos. Eram amigos havia poucos anos e não sabiam muito um do outro além das pescarias.

Watkins, operário aposentado da construção civil, crescera na área, enquanto Jacik, motorista de caminhão aposentado, morava em San Leon havia quatro anos. Depois do fim do segundo casamento, Jacik se sentiu perdido no Meio-Oeste. O oceano o atraiu ao litoral, com as tardes quentes de pescaria. Ele e Mahlea, que ele criara sozinho, se instalaram numa casa perto da baía, na sonolenta aldeia de pescadores.

Agora, enquanto tentava descansar contra a Árvore de Natal, Mahlea não lhe saía da cabeça. Ele só pensava em voltar para sua menininha em casa.

Enquanto isso, Watkins encarava a perda do barco. Mesmo que conseguissem voltar a San Leon, sua vida já havia mudado. Ele se imaginava preso à terra para sempre.

A escuridão se instalou. Jacik perguntou a Watkins:

– Acha que sua mulher já telefonou?

– É melhor que já tenha ligado – disse Watkins. Então, como se quisesse se tranquilizar, repetiu: – É melhor que já tenha ligado.

Watkins (à esquerda) e Jacik (à direita) costumavam pescar juntos.

Terça-feira foi uma noite fria.

Os dois homens não dormiram nada. As primeiras luzes da manhã de terça-feira trouxeram pouco alívio do vento e das ondas. Eles tentaram descansar encostando-se na Árvore de Natal sempre que as ondas não ameaçavam se quebrar sobre eles, mas não havia onde se sentar. Além disso, a grade áspera e serrilhada onde estavam cortou os pés descalços de Jacik, que tinham amolecido com a água salgada. Os pés estavam feridos e inchados.

Eles não viam sinal de auxílio, somente as nuvens carregadas a distância.

Estamos ferrados, pensou Jacik. Ele sabia que precisavam sair dali, pois não podiam contar com socorristas para buscá-los na tempestade – supondo que os socorristas tivessem iniciado a busca. O barco virado se afastara flutuando.

Como é que vamos ficar aqui, esperando a tempestade?, pensou ele. Na baía, a um quilômetro e meio dali, havia uma grande plataforma de petróleo com alojamento para trabalhadores. Lá talvez encontrassem um rádio ou telefone. Caso contrário, pelo menos teriam abrigo.

Entre a plataforma e a Árvore de Natal havia um trecho de tubos e pilares arrebentados. Eles poderiam usar a caixa térmica para se manter à tona enquanto nadavam de um poço de petróleo a outro até chegar à plataforma grande. Os dois sabiam que pular de volta na água era arriscado, mas Jacik acreditava que quanto mais ficassem ali, menor seria sua chance de resgate.

A tempestade se aproximava.

Watkins se demorou na borda da grade, agarrado a uma alça da caixa térmica; Jacik segurava a outra. A água se agitava sob eles, e o uivo do vento passando pelos poços dominava os sentidos de Watkins. Ele sabia que, se soltasse a caixa, não teria como se manter acima da superfície nem como lutar contra a corrente. Levara quase a vida toda pescando na baía de Galveston, mas ela nunca lhe exigira tanto. “Se vamos fazer isso, temos de ir agora”, disse Jacik a Watkins.

Eles ficaram na borda da grade. Inspiraram fundo. Então pularam. Assim que caíram na água, Watkins, num ataque de terror, voltou para a Árvore de Natal, soltando a caixa térmica.

A correnteza pegou Jacik, agarrado ao isopor. O fluxo tomou conta dele e o puxou para mar aberto, na direção oposta à plataforma que ele tinha esperança de alcançar e para longe do amigo. A água o levou rumo a outro poço de petróleo, mas ele não conseguiu se agarrar a ele. As ondas eram brutais. Sem controle, ele abraçou com força a caixa térmica. A fadiga se instalou, e ele engoliu bocados de água.

Quando não conseguiu alcançar o segundo poço, uma dor aguda ocupou o peito de Jacik, que mal pôde respirar. Estava tendo um infarto.

O pânico tomou conta dele. Jacik tentou subir na caixa térmica, mas não obteve sucesso. Também não conseguia desacelerar. Trinta metros à frente havia outro poço e, depois dele… só água. Seus pensamentos foram para a filha. Mahlea. Ele não podia abandoná-la. Sempre fomos só ela e eu, pensou ele. Depois de tudo o que passamos juntos, não posso morrer agora!

Ele tentou ignorar a dor no peito enquanto batia as pernas rumo ao poço, mal conseguindo manter a cabeça acima das ondas. Quando chegou a três metros, mergulhou na direção do cano. Se errasse, sabia que seria o fim. Ele se afogaria. A mão se apertou no metal enferrujado. Ele se segurou com firmeza e ficou balançando na correnteza.

A água arrastara Jacik algumas centenas de metros. Quando olhou para trás, ele ficou aliviado ao ver que o amigo estava vivo e voltara à segurança da Árvore de Natal.

O poço de petróleo onde Jacik estava agora media cerca de 30 centímetros de largura e se erguia um metro e meio acima da superfície; um cano auxiliar horizontal corria lateralmente, cerca de meio metro acima da água. Quando Jacik subiu no poço, uma onda arrancou a caixa térmica debaixo dele e a levou embora. Ele continuou a escalar o cano, mas a superfície áspera e enferrujada feriu seus pés quando subiu nele e cortou seus ombros, costas e braços quando ele tentou se encostar na seção vertical. Seu corpo estava todo ferido, e ele sangrava muito. A dor no peito só piorava.

Na Árvore de Natal, conforme o dia se transformava em crepúsculo, as ondas ameaçavam puxar Watkins da grade, e ele enrolou o braço numa válvula.

As ondas lhe batiam no peito. Ele não fazia ideia do que acontecera a Jacik; tinha perdido os óculos quando o barco virou e não conseguia enxergar sem eles. Depois que se separaram, Watkins não esperava ver Jacik com vida.

A algumas centenas de metros, Jacik sabia que os socorristas estavam em ação. Desde a tarde, vira helicópteros sobrevoando a baía. Os aparelhos viravam para a direita ou para a esquerda antes de chegar até eles. Era de cortar o coração. Agora, no escuro, os holofotes dos helicópteros varriam a baía de Galveston, chegando a menos de um quilômetro dos pescadores.

O rufar do vento e as ondas que se quebravam abafavam todos os sons, e mais além relâmpagos cortavam o céu. Quando as nuvens se aproximaram e a temperatura caiu, ele não conseguiu parar de tremer. Cobriu a cabeça com a camisa e tentou jogar ar quente no peito. Mas só tremeu ainda mais.

Quarta-feira.

Por favor, Senhor, não deixe chover, rezou Jacik durante a madrugada. Misericordiosamente, houve uma calmaria. Tudo parou. Então o inferno explodiu.

Chuva e granizo engolfaram a baía. Jacik sentiu que o atingiam com um jato de areia. Um pedaço de corda pendia do topo do poço de petróleo, e ele o amarrou no punho. Quando as ondas sucessivas o tiravam do cano, a corda impedia que a corrente o levasse embora. Ele se agarrava ao cano e subia outra vez, só para aguentar outra barragem. Com tudo aquilo, tentava não pensar no pior. Só pensava em como conseguiria voltar para casa.

Então o relâmpago rachou o céu e atingiu a água perto da Árvore de Natal. Ele teve certeza de que Mike havia morrido. O raio caiu a metros de Watkins. Mas, de algum modo, não o matou e o deixou relativamente ileso, embora surdo durante algumas horas.

No meio da manhã, o tempo clareou.

Jacik não sabia como conseguira aguentar a tempestade. Ficou aliviado ao avistar Watkins. Mas estava hipotérmico, e a dor se irradiava em seu peito. Ele sabia que não duraria mais um dia, e duvidou que Watkins conseguisse. Pensou na filha e no que lhe aconteceria se ele não sobrevivesse.

Minutos depois, Jacik ouviu um motor sobrevoando. Um helicóptero da Guarda Costeira passava sobre a baía de Galveston. Jacik acenou freneticamente, mas o helicóptero mudou de curso e voltou na direção da margem, deixando para trás os poços de petróleo. Ele só baixou a cabeça.

Um momento depois, no entanto, o helicóptero fez uma curva e voou direto para Watkins, ainda agarrado à Árvore de Natal. O helicóptero parou no céu; Watkins ergueu os olhos para as hélices e acenou loucamente. O helicóptero voou na direção de Jacik, depois voltou a Watkins. Um nadador socorrista foi baixado até o mar.

Watkins foi tomado pelo alívio. Depois que a tripulação o tirou da água, o nadador foi ao encontro de Jacik. Ele estava sem energia. Tremia muito e latejava de dor. Mas agora estava salvo.

Mais tarde, os socorristas disseram aos dois homens que o helicóptero estava quase sem combustível; só lhes restavam 26 minutos antes de terminarem a busca.

A improbabilidade do resgate só foi compreendida por Jacik quando ele viu como a tripulação ficou espantada por ele e Watkins terem sobrevivido à tempestade. Foi então que sentiu vontade de chorar.

Os pescadores foram levados a hospitais da região e receberam tratamento para desidratação, hipotermia, exaustão, cortes e hematomas. Os médicos confirmaram que Jacik tivera um infarto, e ele só pôde ver Mahlea no dia seguinte. “Ela se fez de forte”, diz ele. “Mas, quando finalmente voltamos para casa e ficamos sozinhos, só nós dois, ela passou uma hora falando sem parar. Então, simplesmente apagou. Toda a preocupação a deixou exausta.”

Um helicóptero da Guarda Costeira encontrou o barco flutuando de borco a quase oito quilômetros de onde virara. Foi rebocado até a margem, mas estava muito avariado.

Nos meses seguintes ao naufrágio, Watkins e sua mulher foram embora de San Leon para morar mais perto da família em Freeport, no Texas.

Jacik continua em San Leon e pesca tanto quanto antes, mas a experiência ainda pesa sobre ele. “Até hoje, tenho dificuldade de dormir”, explica. Ele sonha com ondas e que está caindo na água. Acorda de repente, dali a instantes recobra-se e volta a dormir.

Watkins e Jacik agradecem aos socorristas da Guarda Costeira.
Por J. R. SULLIVAN da revista FIELD & STREAM