A insuficiência hepática que quase tirou a vida de dois irmãos

Com 16 semanas, Logan Hampson teve insuficiência hepática. Quatro anos depois, a irmã caçula, Alyson, apresentou os mesmos sintomas.

Redação | 31 de Maio de 2019 às 19:00

Chalabala/iStock -

No inverno de 2008, ao ver pela primeira vez o tom amarelado nos olhos do filho de 4 meses, Lynn e Jason Hampson não deram muita importância àquilo. Os jovens pais acharam que era icterícia, um problema comum que passaria após algum tempo sob as lâmpadas do hospital. Mas a cor se espalhou. No fim da semana, Jason diz, o corpo inteiro de Logan estava “tão amarelo quanto a cor da pele dos personagens da família Simpson”. Além disso, o bebê tinha a barriga inchada.

O exame de sangue de Logan revelou que ele estava com insuficiência hepática, mas os médicos não sabiam por quê.

Quando começaram a fazer exames em Logan, estes nada revelaram e em três semanas Logan estava se recuperando. A energia voltou e a doença pareceu sumir tão misteriosamente quanto aparecera.

Um ano depois, em janeiro de 2009, Logan adoeceu de novo. Foi novamente transferido do hospital local para o 6A. Ali recuperou-se rapidamente, mas logo adoeceu de novo. Em março, a barriga se encheu drasticamente de líquido. Dessa vez, os médicos intensificaram os exames. Logan foi submetido a eletrocardiogramas, ecocardiogramas, ultrassonografias e ressonâncias magnéticas.

De tantos em tantos dias, os médicos faziam exames, suspeitando de novas doenças com nomes assustadores. Lynn punha o filho para dormir e depois navegava na Internet atrás dos sintomas. Ligava para Jason no dia seguinte e lhe revelava seus temores. “Estão fazendo exames para a doença de Niemann-Pick”, dizia. “Fatal aos 3 anos.”

“Na pediatria, às vezes lidamos com doenças que não foram totalmente descritas.”

Ainda assim, os médicos estavam perplexos. “Na pediatria, às vezes lidamos com doenças que não foram totalmente descritas”, diz Yaron Avitzur, membro da equipe de gastroenterologia do SickKids, que trabalhou no caso dos Hampsons. Mas já era claro que Logan tinha algo grave. “Eles diziam ter medo que a próxima virose fosse fatal”, explica Lynn.

Foi então que os médicos disseram a Lynn e Jason o que os pais mais temiam: o menino de 1 ano e meio precisaria de um transplante de fígado.

Criado em 1986, o programa de transplante de fígado do SickKids, o maior do Canadá, realiza de 12 a 20 transplantes por ano. Como o tempo de espera de um órgão compatível de doador falecido varia de um mês a três anos, no caso de crianças com insuficiência hepática, é mais fácil encontrar um doador vivo.

Embora as mortes sejam raras, o transplante de fígado é uma cirurgia de grande porte. Assim que a ideia de transplante surgiu, Lynn imediatamente se apresentou como voluntária. Por ter trazido Logan ao mundo, ela se achava culpada de suas doenças. Por mais irracional que fosse, a culpa facilitou a decisão.

Embora as mortes sejam raras, o transplante de fígado é uma cirurgia de grande porte.

Nas duas semanas seguintes, Lynn passou pelos exames necessários para assegurar que seu fígado podia ser seccionado sem problemas.

Na véspera da operação, Lynn e Logan tiveram dificuldade para dormir no quartinho da ala 6A. Às três da madrugada, desistiram de tentar. Lynn levou Logan pelo corredor até o quarto de brinquedos e empurrou carrinhos pelo chão com ele até o sol brilhar nas torres de vidro fora da janela. Então Lynn atravessou a rua até o Hospital Geral de Toronto. Os médicos cortaram um pequeno lobo do seu fígado, embalaram-no numa solução e o levaram para Logan no SickKids. Lá, outra equipe operou Logan, removeu o órgão adoecido e o substituiu pelo fígado saudável da mãe.

Na sala de espera, Jason tentava não pensar que poderia perder as duas pessoas que mais amava no mundo.

Embora Logan se recuperasse, o mistério da doença continuava.

Uma semana depois, Logan tinha um fígado e uma vida totalmente novos. O transplante funcionara com perfeição e o menininho estava cheio de energia. Enquanto Lynn se recuperava da cirurgia, Logan corria de um lado para outro e pulava da escadinha do quarto de brinquedos. “Jay, faça ele parar!”, gritava Lynn. “Ele está bem”, dizia Jason. E, por incrível que pareça, estava mesmo. O garoto era um torvelinho: punha a casa abaixo e exigia que os pais jogassem hóquei com ele.

Mas, embora Logan se recuperasse, o mistério da doença continuava.
Biópsias e amostras de sangue foram enviadas a cientistas do mundo inteiro, sem nenhum resultado conclusivo. Após dezenas de exames, as principais doenças genéticas foram descartadas. Alguns meses depois, quando os Hampsons quiseram saber se era arriscado terem um segundo filho, os médicos responderam que não havia nada a temer.

Em 25 de maio de 2011, nasceu Alyson Hampson, uma coisinha pálida de cabelo louro e grandes olhos verdes. Em novembro, quando tinha apenas 6 meses, Alyson teve febre. Lynn e Jason a levaram ao hospital local de Hamilton e os médicos disseram que era uma virose respiratória: uma doença comum que quase todos os bebês têm, e, no fim da semana, Alyson pareceu melhorar. Quando a família se preparava para voltar para casa, Jason examinou os olhos da filha e viu o que mais temia: um leve tom amarelado.

A doença misteriosa que atacara Logan estava atrás da irmã.

Lynn não quis acreditar. Quando veio o resultado dos exames, não houve dúvida: a taxa de enzimas do fígado de Alyson estava alta e subia mais a cada dia, sinal conhecido de problemas hepáticos. A doença misteriosa que atacara Logan estava atrás da irmã.

O problema de Alyson se parecia com o de Logan, só que mais acelerado. Em três dias, Alyson fez todos os exames que Logan levara um ano e meio para fazer. Em 12 de dezembro, os médicos disseram o que a família já desconfiava: Alyson, como Logan, precisaria de um transplante de fígado.

Agora o papel dos pais se inverteu. Uma pessoa só pode ser doadora de fígado uma vez, então Jason passou pelos exames para verificar se era um candidato saudável e adequado. Precisavam agir depressa. Lynn e Jason observaram o amarelado dos olhos de Alyson se acentuar. 

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No fim de dezembro, enquanto prosseguiam os preparativos para a cirurgia, os médicos foram francos: o estado de Alyson era crítico. Sem um transplante bem-sucedido, não viveria muito tempo. A filha era tão pequena que os Hampsons só a tinham ouvido rir uma vez. O som sumiu depois que ela adoeceu. Agora os médicos diziam que talvez nunca mais voltassem a ouvi-lo.

Dezembro passou como um pesadelo. Enquanto Alyson e Lynn ficavam na ala 6A, Logan e Jason se mudaram para a vizinha Casa Ronald McDonald, que abriga famílias em tratamento de doenças graves. Dois dias antes do Natal, Jason pegou o vírus Norwalk e desorganizou todo o cronograma enquanto os médicos o mantinham de quarentena, aguardando que se recuperasse. Se Jason não fosse um candidato adequado – se sua saúde não estivesse boa ou se houvesse algum problema em seu fígado –, a probabilidade de encontrar outro doador a tempo era mínima. De cama, ele se preocupava porque, a cada dia, a filha ficava um passo mais perto da morte.

Era um tipo de alquimia: pega-se uma vida e, com engenhosidade, criam-se duas.

Em 26 de dezembro, Jason se recuperou do vírus o suficiente para visitar o hospital, onde a família inteira comemorou o Natal atrasado. O presente do casal veio mais tarde, dado pelos médicos: Jason estava bem. O transplante podia ser feito, mas Alyson estava tão enfraquecida que a cirurgia precisava ser feita em, no máximo, 48 horas.

Às sete da manhã, hora da cirurgia, Jason estava tão nervoso que não conseguia responder a perguntas básicas. “Eu estava um caco”, diz ele. “Estava a ponto de desmoronar.”

“Em bebês muito pequenos, a cirurgia é mais complexa”, diz Yaron Avitzur. O procedimento é meticuloso. “É preciso ligar os dutos da bile, os vasos sanguíneos.” Com o tempo, boa parte do fígado de Jason se regeneraria. No corpo de Alyson, o órgão de Jason, se tudo corresse como esperado, passaria a fazer parte da filha e cresceria com ela da infância até a velhice. Era um tipo de alquimia: pega-se uma vida e, com engenhosidade, criam-se duas.

É uma daquelas coisas que fazem a gente dizer: ‘Uau!’.”

Jason se lembra de ser levado de maca para a sala de cirurgia e transferido para a mesa, com aço inoxidável por toda parte. Depois a máscara, seguida pela contagem. E, então, se lembra de acordar na sala de recuperação, com um pensamento fixo povoando sua mente: Ela está bem?

Duas semanas depois, em 9 de janeiro, Alyson pôde sair da UTI e voltar à ala 6A. Foi lá, na enfermaria familiar, que Lynn finalmente escutou o som suave do riso da filha. “Foi a coisa mais maravilhosa que já ouvi”, diz ela. 

Os médicos do SickKids já fizeram muitos transplantes, mas nunca viram uma família como os Hampsons, em que ambos os pais doaram um órgão para salvar seus filhos.

“Para os doadores, há riscos e desafios”, diz Avitzur. “Não é uma decisão simples. E o fato de ambos se disporem a isso sem hesitar para salvar a vida dos filhos é admirável. É uma daquelas coisas que fazem a gente dizer: ‘Uau!’.”

Por Nicholas Hune-brown

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