O esforço para salvar coalas

Tracey passa de carro pelas áreas de mata de Campbelltown, no sudoeste da periferia de Sydney, recolhendo folhas de eucalipto. Ela faz isso de dois em

Redação | 1 de Maio de 2020 às 01:01

cortesia da wires -

Tracey passa de carro pelas áreas de mata de Campbelltown, no sudoeste da periferia de Sydney, recolhendo folhas de eucalipto. Ela faz isso de dois em dois dias quando está hospedando um coala. Hoje, ela não procura só as velhas folhas de eucalipto para alimentar esses animais; ela está atrás das pontas novinhas recém-brotadas, porque Modi, sua visitante peluda, se alimenta por dois. Dentro de sua bolsa, há um filhote.

Modi, que está sentada numa árvore improvisada no cercado de Tracey, construído exclusivamente para coalas, foi parar ali depois de se enfiar num quintal suburbano ocupado por dois cães. Felizmente, o dono deles reagiu antes que houvesse muito dano à coala.

“O dono trancou os cães dentro de casa e me chamou”, diz Tracey, que pediu que não usássemos seu sobrenome. “Acreditamos que Modi bateu com a cabeça quando foi perseguida pelos cães, porque estava jogando a cabeça para trás, um sintoma de concussão.”

Tracey, voluntária do Wildlife Information, Rescue and Education Service (WIRES – serviço de informação, educação e resgate de animais selvagens), levou o animal ao hospital veterinário da Universidade de Sydney para exames.

“Na verdade, é a segunda vez que Modi permanece sob meus cuidados”, conta Tracey. “Em outubro passado, ela foi encontrada num beco no subúrbio, a uma rua apenas de um shopping center. Todos os moradores da rua ficaram de olho nela até a capturarem, o que levou cerca de uma semana.

“Quando a levei ao hospital veterinário, descobrimos que ela estava com um filhote do tamanho de uma jujuba dentro da bolsa, e assim soubemos que acabara de dar à luz. As fêmeas gostam de ficar bem longe dos machos quando têm os filhotes para não serem importunadas.”

Uma doença destrutiva

Depois que o veterinário descobriu que ela estava saudável e sem clamídia, Modi foi libertada na mata perto de onde a encontraram.

A colônia de coalas de Campbelltown é a única população saudável da Bacia de Sydney. Em algumas regiões da Austrália acredita-se que até 90% da população de coalas esteja infectada pela clamídia, uma doença sexualmente transmitida que pode causar cegueira, infecções urinárias graves, infertilidade e morte. É uma cepa diferente da clamídia que infecta seres humanos.

Estima-se que, dos mil coalas tratados todo ano em hospitais de animais selvagens na Nova Gales do Sul e em Queensland, quase metade tem clamídia nos últimos estágios – que, além de não ser tratável, impede que os animais sejam devolvidos ao ambiente selvagem.

E como a colônia de Campbelltown evitou a doença? “Acho que foi pura sorte”, especula Robert Close, biólogo e professor aposentado de genética de marsupiais. E foi justamente ele, o professor Close, que criou um programa de pesquisas dessa população de coalas entre 1989 e 2016 e descobriu que, além de não ter clamídia, a colônia estava se expandindo.

“Leva tempo para construir uma colônia, principalmente quando se começa com um pequeno número, como no caso de Campbelltown”, explica ele. Na verdade, essa população de coalas só foi descoberta no início da década de 1980 quando eram pouquíssimos indivíduos. “Algumas colônias têm fêmeas que produzem três filhotes durante a vida inteira”, diz Close. “As nossas meninas vivem até dezessete anos e produzem quinze filhotes. É aí que se começa a ter o fator dos juros compostos.”

Hoje, ele estima que a população da colônia se aproxime de mil indivíduos.

Achados funestos

Os coalas são considerados uma espécie ameaçada, o que torna especialíssima uma colônia de coalas saudáveis em expansão.

De acordo com uma revisão com apoio da ONU publicada no ano passado, a natureza está declinando globalmente num ritmo sem precedentes na história humana. Um milhão de espécies de plantas e animais estão ameaçados de extinção, e o relatório avisa que isso terá impacto grave sobre os povos do mundo.

“A saúde dos ecossistemas dos quais nós e todas as outras espécies dependemos está se deteriorando mais depressa do que nunca”, avalia Sir Robert Watson, presidente da Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas, que produziu o relatório. “Estamos corroendo as próprias bases de nossa economia, meio de vida, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida no mundo inteiro.”

O relatório responsabiliza a expansão humana e a exploração do hábitat pelos achados funestos. No entanto, também diz que não é tarde demais para fazer diferença – desde que comecemos agora em todos os níveis, do local ao global. “Com mudanças transformadoras, a natureza ainda pode ser conservada, restaurada e usada de forma sustentável”, diz Sir Robert.

Ameaça ao hábitat

A necessidade de mudança transformadora está levando George Brticevic, defensor apaixonado dos coalas e prefeito de Campbelltown, a agir.

Ele incentiva os moradores próximos à colônia a plantar no quintal árvores de que os coalas gostam para ampliar seu hábitat natural. E, nos últimos três anos, ele vem promovendo dias de plantio de árvores. No ano passado, mais de 3 mil árvores, arbustos e capins benéficos aos coalas foram plantados numa reserva pública num subúrbio ao norte de Campbelltown.

“O corredor de vegetação existente em Campbelltown não tem largura suficiente para a colônia. Em consequência, os coalas estão chegando às áreas residenciais, onde correm risco de atropelamento e ataque de cães”, diz Brticevic. “A presença de coalas em número significativo em nossa região é um grande privilégio para todos os moradores, mas também traz a imensa responsabilidade de assegurar a sustentabilidade da colônia a longo prazo.”

Uma potencial ameaça a essa colônia é a proposta de um grande condomínio perto de um corredor para animais selvagens usado pelos coalas de Campbelltown.

O esforço dos grupos comunitários locais para impedir a obra falhou, e, com a taxa elevada de crescimento populacional de Sydney, o projeto parece inevitável.

“Se não pudermos impedir, precisamos torná-lo menos prejudicial aos coalas”, adverte Robert Close. “Minha sugestão é ter espécies pequenas de eucalipto, com três ou quatro metros, plantadas nos quintais do condomínio. Isso permitiria que os coalas se deslocassem livremente de um quintal a outro.”

O condomínio levará mais duas ameaças à região: cães e carros. “Se conseguirmos controlar os cães e a velocidade e aumentar o plantio, ajudaremos os coalas”, diz Close. “E tudo o que for feito pelos coalas ajudará os outros animais da região, que são menos conhecidos mas igualmente vulneráveis, como ornitorrincos, petauros, ratos-marsupiais, wallarus e wallabies-do-pântano.”

Enquanto isso, Modi dorme com seu filhote num galho do cercado de coalas de Tracey, alheia à batalha para salvar seu hábitat.


Por Diane Godley

Uma nova ameaça aos coalas: incêndios

Os incêndios florestais que atingiram a Austrália no fim de 2019 e início de 2020 causaram danos sem precedentes: queimaram 10 milhões de hectares – uma massa terrestre mais ou menos do tamanho da Islândia – e mataram cerca de 1 bilhão de animais, inclusive muitos milhares de coalas.

No meio da destruição veio uma boa notícia: a colônia de coalas de Campbelltown não foi afetada pelo fogo.

Os coalas vivem nos galhos mais altos dos eucaliptos, e isso os ajuda a sobreviver a incêndios florestais que ardem perto do chão. No entanto, os incêndios de 2019-2020 se deslocaram rapidamente pelo alto das copas, provocando “mortalidade significativa de animais nas árvores”, diz o ecologista Mark Graham.

Coalas com as almofadas das patas queimadas, unhas derretidas e problemas respiratórios provocados pela inalação de fumaça foram levados para hospitais de animais selvagens e entidades de proteção a animais, como o WIRES. Alguns tiveram de ser eutanasiados, mas outros foram tratados com sucesso e serão devolvidos ao ambiente selvagem.

Alguns animais talvez não possam retornar ao hábitat original. “As florestas de eucalipto estão adaptadas e rebrotam depois de incêndios, mas estamos vendo tempestades de fogo quentíssimas, capazes de matar árvores. No momento, ninguém sabe em que proporção as árvores vão rebrotar depois de queimadas”, diz Stuart Blanch, do WWF Australia.

Mas nem tudo está perdido. Numerosas pessoas e entidades se presentaram para ajudar.

“Esse evento catastrófico realmente poderia levar [a população de coalas] a uma situação limite”, diz Josey Sharrad, que luta pelos animais selvagens. “Cada indivíduo que salvarmos e devolvermos ao ambiente será fundamental.”

— Diane Godley