A floresta secreta no recreio solitário

Ninguém em casa sabia que a menina tinha problemas de amizade na escola. Sua solidão no recreio ela guardava para ela.

Claudia Nina | 29 de Agosto de 2021 às 10:00

MNStudio/iStock -

Claro que era segredo. Ninguém em casa sabia que a menina tinha problemas de amizade na escola. Ela evitava levar esse “problemão”, primeiro porque a mãe estava sempre às voltas com o irmão menor. O pai era inacessível a seu modo e só chegava em casa de noite. A quem recorrer? Melhor silenciar. A menina tampouco saberia explicar o que ocorria. Quase nunca era convidada para festas de aniversário. A desculpa talvez fosse porque ela morava longe e não poderia ir. O que os colegas não tiveram interesse em saber era que o fusquinha do pai estaria a postos para cruzar a cidade se fosse o caso.

A verdade era que gostava de ficar sozinha. Nem sempre os outros entendiam seu modo de brincar. Ela gostava de fantasiar a partir da realidade. Por exemplo: tinha um monte de terra batida com árvores no meio do pátio. A menina passava o recreio inteiro ali como se tivesse sido a única sobrevivente de um naufrágio e aquele pequeno pedaço de terra fosse uma ilha. As meninas da idade dela não estavam interessadas nessa “aventura” – queriam falar de outros assuntos os quais ela não alcançava, não faziam parte do seu mundo de curiosidade.

Um dia, uma garota chegou perto dela e falou:

– Tá fazendo o que aí em cima?

– Oi, estou só aqui… lanchando.

A menina não teve coragem de dizer que brincava. Aos 12 anos não poderia mais brincar, pois não era o combinado – as pessoas deveriam agir todas do mesmo modo.

E, como já era quase uma adolescente e não mais uma criança, brincar no recreio era proibido.

Então mentiu.

Mas a mentira não serviu de nada. A garota saiu dizendo: “Que menina mais estranha. Onde já se viu subir no monte para lanchar?”

A frase foi entreouvida. Naquele instante, a menina “estranha” teve a certeza de que não importava o que fizesse na vida, que tentasse agradar a uns e outros, imitando um grupo. Para alguns, ela seria sempre “estranha”. E isso não era de todo mau.

Continuou onde estava. Um dia, quem sabe, encontraria alguém com quem dividir suas estranhezas…

POR CLAUDIA NINA – claudia.nina@selecoes.com.br

Ouça o episódio mais novo do podcast da Claudia Nina:
O segredo da mulher de 100 anos no meio da rua.

Conheça também a página oficial da autora.