“Me empresta umas palavras?”

Um homem, que aprecia uma boa conversa, sofre um AVC e se vê sem palavras. A ajuda vem do amor de uma pessoa que ele ajudou a formar.

Redação | 21 de Outubro de 2018 às 08:13

LightFieldStudios/iStock -

Aos 85 anos, a vida lhe preparou uma surpresa: um dia, pela manhã bem cedo, quando costumava se levantar e andar a esmo no Centro da cidade à procura de quinquilharias sem nenhuma serventia, mas que eram lindas e mereciam o afago da compra, as palavras lhe sumiram.

Ele não conseguia encontrá-las em lugar algum.

Procurou debaixo da língua, entre os dentes, na garganta lá no fundo, pescoço abaixo, no topo da cabeça e nada – sumiram. Quem logo percebeu o sumiço foi o porteiro, a quem o senhor sempre dirigia a primeira palavra. Naquela manhã, a voz não saía. Ele estava falando ar. O porteiro tratou de levá-lo ao hospital mais próximo, que ficava na esquina. Menos mal, foi atendido a tempo. Diagnóstico: AVC.

Ficou sob os cuidados de uma boa equipe médica. Mas, logo lhe avisaram, as palavras poderiam demorar a voltar.

Ele precisaria ter muita paciência.

O senhor foi para a casa desanimado, tentando em vão procurar as palavras perdidas. Logo ele, que se gabava do vocabulário farto e fazia pouco de quem tinha pouco a dizer. Era impiedoso com a burrice e a ignorância e sempre confundia ambos porque achava que quem não se interessava pelo conhecimento nascera sem curiosidade.

O fato é que agora só tinham lhe sobrado as palavras mais simples, e mesmo assim depois de algum esforço. Teria que reaprender do começo.

Para isso, pensou que o melhor caminho seria percorrer o aprendizado ao lado da neta de 10 anos.

Foi ao encontro dela como quem procura a salvação.

– Me empresta umas palavras? – ele chegou na casa da neta, tirando o boné, como se mendigasse vocabulário.

E não foi fácil soltar a pergunta. Só depois de um tempo ele conseguiu juntar as quatro palavras e formular o pedido.

A neta soube do acontecido e estava pronta para ajudar. Tinha consciência da nobreza da sua tarefa. Ela, com seus parcos recursos, tinha mais palavras à disposição do que o avô sabichão, que, por algum motivo desconhecido, havia escondido sua imensidão de palavras. A menina estava preparada para a missão. Foi ao quarto e pegou alguns de seus livros.

– Vamos ler! A gente não aprende nada de verdade se não for pela leitura. – E começou a ler para o avô.

Ele se emocionou. A menina estava repetindo as palavras dele, que sempre foi o grande incentivador do amor pelos livros na família.

Sentou-se ao lado da neta para ouvir as palavras que a menina, a partir daquele momento, iria lhe emprestar. Nunca é tarde para aprender.

Por Claudia Nina – claudia.nina@selecoes.com.br
Jornalista e escritora – autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)

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