No meio da rua tinha um saxofonista

A mãe se emociona com o pedido de ajuda do saxofonista e ainda mais ao perceber que uma das filhas é capaz de agir diante desse pedido.

Claudia Nina | 25 de Abril de 2021 às 10:34

Askolds/iStock -

Mais um dia abafado e comum nos tempos de isolamento. A mãe tirava a roupa da corda, as filhas estudavam, nada de novo sob o sol. Não que um saxofonista na calçada fosse um acontecimento novo, vez ou outra se vê músicos improvisados tentando passar o chapéu, mas o aparecimento daquele homem no meio da tarde silenciosa funcionou como um evento, e quem estava nas varandas parecia estar em uma espécie de camarote.

Ele tocava músicas desconhecidas, sons que escalavam as janelas, cresciam pela tubulação, pendiam dos fios elétricos. Em pouco tempo, toda a rua ecoava a tentativa de música que o homem tirava do saxofone. Alguns poucos moradores ficaram mais tempo em seus camarotes, a maioria saía logo depois de identificar de onde vinham os sons. Entre uma música e outra, o saxofonista dizia: “Me ajudem a sustentar minha família.”

Um pedido de socorro sem mendicância.

Ele oferecia a música, um show, não queria esmola. Era um trabalho. Ali, no meio do asfalto, tirava com dificuldade o som do instrumento e, além disso, fazia algo próximo da música. A mãe aplaudiu. Uma das filhas aplaudiu junto. A mãe chorou, porque sempre chora, no vento, no sol, na chuva, no silêncio ou na tarde musical, a mãe chora.

 A filha que aplaudia entendeu o choro da mãe e disse:

– Vou descer.

Antes de a mãe perguntar alguma coisa ou até pedir que a irmã mais velha a acompanhasse, ela desceu.

A mãe viu da janela o trajeto da filha menor, que atravessou a rua e estendeu ao saxofonista uma nota de R$ 100.

Assim que chegou, a irmã perguntou:

– Você deu R$ 100 para ele? – era a indignação de quem jamais faria o mesmo.

Ela respondeu:

– Era a única nota que eu tinha.

O dinheiro tinha sido presente de Natal da avó.

Depois ela voltou a estudar, naturalmente, como se não tivesse feito nada além de sua obrigação. A mãe chorou mais uma vez. Naquela tarde musical, em que nada de novo parecia acontecer, entre mudas de roupa e trabalho acumulado, uma revelação: naquele instante, ela percebeu que ao menos uma das filhas não era indiferente a um pedido de socorro vindo do asfalto. Isso não era pouco.

Talvez o mundo ainda tivesse alguma esperança.

POR CLAUDIA NINA – claudia.nina@selecoes.com.br

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