O aniversário esquecido no supermercado

Qual o tamanho da sua solidão se somente um estabelecimento comercial comemora o seu aniversário, quando até mesmo você o esquece?

Claudia Nina | 27 de Junho de 2021 às 10:31

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Nos últimos anos passou a acordar muito cedo e, pouco depois das 5, já estava de pé, pronta para ver o dia nascer. Não que estivesse cheia de animação, era apenas uma insônia matinal que já havia sido incorporada à corrente sanguínea e, portanto, ela envelhecia como um ser madrugador, a contragosto.

Resolveu incluir nas manhãs atividades intensas, como ir a feiras, mercados e compras diversas, mesmo que não precisasse, para que os dias não ficassem tão longos e vazios. Morava sozinha, era aposentada, a janela não dava para nenhum horizonte, mas ela não se considerava infeliz. Apenas não tinha feito muitos amigos ao longo da vida, um erro de cálculo. Agora talvez fosse tarde, a menos que ela tentasse entrar em alguma atividade além da ioga, o que não seria má ideia. Só que ela arrastava as decisões.

Era mais uma manhã como as demais, sacola na mão, rumo ao mercado. Encheu a cesta e foi ao caixa.

– A senhora vai querer retirar o presente agora?

– Presente? Como assim?

– De aniversário. A senhora ganhou um café da manhã aqui no mercado.

Foi então que o alarme soou. Não era apenas o mês do aniversário, como o dia…

Ela tinha se esquecido de si mesma. Ninguém a lembrou porque ninguém lhe deu os parabéns.

Era até aquele momento um dia qualquer.

Aceitou o presente e se dirigiu até os fundos do mercado, onde ficava o restaurante e ela seria servida com seu brinde-café. Tinha bolo, queijo e torradas. Um presentão. Comeu com calma, feliz. Era uma festa, tinha que saborear o momento, celebrar mesmo.

Depois voltou para casa e para a rotina dos dias iguais. Jornais, TV, livros, ioga.

Antes de dormir, para não se esquecer dela mesma de novo no próximo ano, escreveu o dia do seu aniversário com caneta vermelha em um papel que colou na geladeira. Se o mercado não oferecesse um brinde de surpresa, ela teria de encontrar outra forma de comemorar aquele dia que, só por um detalhe, não seria um dia qualquer. Pelo menos um dia do ano era tempo de celebrar, ainda que não houvesse ninguém ao redor.

POR CLAUDIA NINA – claudia.nina@selecoes.com.br

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