O perfume-joia no bolso do casaco

Intimidada pela grandiosidade e pelo luxo da loja de departamentos, a mulher se refugia no encantamento da seção de perfume.

Claudia Nina | 15 de Novembro de 2020 às 10:00

Luda311/iStock -

A loja era grande, chique e assustadora. Talvez não fosse assustadora para as mulheres de sobretudo que entravam com pressa e sem reticências. Ela temia a imponência daquele prédio antigo, com ares de palácio restaurado. Metiam-lhe medo as escadarias que davam para as seções, tão brilhantes, iluminadas e cheias de coisas que ela nunca na vida imaginaria poder comprar, ainda mais naqueles tempos.

Subiu as cinco escadas uma única vez, olhou tudo rapidamente e depois desceu. Ficou arrepiada. No primeiro andar, no lado direito da porta principal, ficava a seção que não lhe dava medo nem arrepios, mas lhe causava um brilho indisfarçável do coração – a seção de perfumes. Dava voltas e voltas na arena de vidro, dentro da qual tinha sempre uma mulher que parecia ser a princesa dos vidros de tão imponente, mesmo que o salário dela não pagasse um vaporizador. Ela, do lado de fora, sem coragem de perguntar o preço ou qualquer outra coisa, esperava um minuto em que a mulher não estivesse com olhar de guarda noturno para borrifar um pouco de um dos perfumes que tinha o vidro bonito, que ela guardaria pela eternidade, parecia uma joia.

Borrifava e saía, as mãos no bolso do casaco bege, o perfume-joia grudado na pele.

Um dia, depois disso, ela não quis ir embora. Sentiu que precisava ter alguma coisa a mais daquele mundo para carregar. Foi para o outro lado do andar térreo, onde ficavam as meias. Tinha sempre uma parte onde estavam as promoções. Era uma caixa enorme. Meteu as mãos lá dentro e tentou achar um par que servisse. Demorou. Por fim, encontrou meias vermelhas com riscos brancos. O preço ainda seria algo que lhe faria falta, mas ela resolveu levar.

Foi ao caixa e pediu que embrulhasse para presente. Não temos papel, só sacola. A moça do caixa lhe deu uma sacola colorida da loja, mas pequena, suficiente para caber as meias. Ela não quis. Me vê a sacola grande, por favor.

Então, ela saiu da loja com um ar de vencedora – perfumada e com uma sacola grande. Voltaria de novo e de novo. Não para comprar as meias, o que ficaria caro, mesmo sendo promoção, mas para provar o perfume-joia que ela nunca esqueceu.

O perfume se chamava Poema.

POR CLAUDIA NINA – claudia.nina@selecoes.com.br

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