Os animais que chegavam e partiam

Só quando cresceu a menina compreendeu por que o pai a incumbia de cuidar dos animais que trazia para casa e cuja vida era tão breve.

Claudia Nina | 15 de Agosto de 2021 às 15:36

tatyana_tomsickova/iStock -

Quando ainda não tinha um irmão e vivia a plenitude de uma casa onde só ela reinava, o pai não sabia o que fazer para enchê-la de mimos e cuidados. Entre as surpresas, estavam os bichos que de vez em quando ele trazia ao voltar do trabalho. A menina o esperava na janela porque sabia que suas mãos não estariam vazias.

O primeiro animal foi, na verdade, vários: uma caixa furadinha cheia de pintos. Precisavam estar muito quentinhos. A tarefa ingrata da menina seria a de velar pela saúde deles. Só que ela levou muito a sério a incumbência e passou a noite inteira acordada. O desespero foi quando ela descobriu que nem todos os seus préstimos seriam capazes de fazer com que eles resistissem por mais de uma semana: estavam doentes. Além disso, depois o pai lhe disse que aqueles animais precisavam de toda uma parafernália especial para mantê-los aquecidos e viventes – ela custou a aceitar. Imaginou que eles haviam morrido porque ela não cuidou deles como deveria. Era quase uma assassina.

O segundo animal foi uma tartaruga de aquário. Tão pequena e frágil… Por que o pai fazia aquilo com ela? Dava-lhe presentes que lhe custariam tempo e preparo emocional para lidar com o seu desparecimento repentino? Talvez ele apenas quisesse que ela tivesse a emoção de aprender a cuidar, já que era ela sempre quem recebia todos os cuidados da casa. Bom, mas não demorou muito e Arlete, a tartaruga de aquário, também faleceu.

Os próximos seriam dois peixes muito coloridos, mas igualmente frágeis.

Pareciam de papel. A menina notou que eles ficavam mais finos a cada dia e depois percebeu que era uma finura que anunciava um fim próximo – adoentaram-se.

Ela pensou que, novamente, a culpa foi dela, pois não soubera alimentar nem os peixes nem Arlete. Mais culpa na sua bagagem infantil.

O último animal foi um passarinho que resolveu batizar com o nome de família, dando-lhe seu sobrenome. A surpresa foi que o bichinho teve uma vida muito longa e morreu de velhice. Ela ficava horas olhando seu envelhecer e se preparava para o dia em que teria que se despedir dele. Ensaiava despedidas para sofrer menos quando tivesse que dar adeus a mais um ser vivente em sua casa.

Os animais foram uma forma de o pai lhe ensinar que tudo que chega um dia também vai embora…

POR CLAUDIA NINA – claudia.nina@selecoes.com.br

Ouça o episódio mais novo do podcast da Claudia Nina: Uma ceia de Natal inesquecível.

Conheça também a página oficial da autora.