Outro dia de (quase) praia

Na praia, em um momento que deveria ser de total felicidade – a realização de um sonho –, a menina se vê presa nas garras de um medo irracional.

Redação | 12 de Maio de 2019 às 09:00

demachi/iStock -

Para as minhas filhas, Anne e Amelie,
porque ser mãe é uma mistura linda de medo e coragem.

As férias contariam o dobro da alegria se tivessem como destino a tão sonhada praia com mar calmo e verde. Ela tinha visto no folder da agência de turismo e, desde então, implorado para a mãe o roteiro, até que ganharam, a menina e a irmã, o presente – a viagem era de Natal. Meses de preparação, porque a tal praia sonhada ficava longe, muito longe. Nada poderia atrapalhar os planos: aos 10 anos, nadar em um mar que parecia uma piscina era o maior sonho da vida até aquele momento.

Tudo pronto, partida, chegada.

Lá estavam no hotel, a poucos metros da praia. Ela chegaria até o mar praguejando cada centímetro da areia que odiava; mas valeria a pena o sacrifício de chegar ao mar calmo. Odiava as ondas da praia de sua cidade. E também a cor escura. Aquele era o pedaço do oceano que ela queria que existisse no quintal da sua casa, para mergulhar todos os dias, mesmo quando fizesse sol.

A irmã, que nem estava tão animada assim, foi a primeira a correr para a água. Mergulhou, livre e feliz. A outra, porém.

Veio munida de tanto sonho.

Tinha a certeza de que seriam as melhores férias do mundo.

Queria muito entrar naquele mar lindo e macio, o mesmo da revista.

Estava de pé, depois de atravessar o martírio da areia, de cara para o oceano.

Só que, naquele momento, alguma coisa transformou seus pés em pedras.

A menina não podia seguir.

Segundos antes de se lembrar de que nunca antes fora tão feliz, ela teve um medo-monstro.

– Não, não posso. Não posso entrar na água – disse com voz trêmula.

– Mas por que não? – quis saber a irmã.

– Porque vai acontecer um tsunami.

A irmã a princípio achou engraçado, mas depois começou a sentir pena da menina que, relutante, não conseguia dar um passo na direção da alegria maior. E ali, diante do oceano, seus sonhos se desmancharam.

Não adiantou ninguém tentar convencê-la de que aquela não era época do ano para tsunamis. A menina tinha sempre uma resposta mais aguda.

– Eu sei que vai ter.

Todos os registros da viagem foram assim: uma das irmãs dentro da água, tentando aproveitar sozinha, mas triste porque só sabia ser feliz em dupla. A menina, que tinha se preparado tanto para o mar calmo e verde, rondando a beira, mas sem coragem de esquecer o medo inventado. A felicidade custosa, difícil, medrosa, ela precisava destruir com a força de uma tempestade. E por quê?

Era pequena e já tão cheia de perguntas.

POR CLAUDIA NINA – claudia.nina@selecoes.com.br

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