A interessante tarefa de guiar o ônibus escolar

Mais de duas décadas atrás, quando me mudei para o interior da Austrália, arranjei um emprego temporário de motorista de ônibus escolar para cobrir uma Motoristas de ônibus escolar precisam manter um olho na rua, outro no espelho, para observar o que os queridinhos estão fazendo nos fundos.

Redação | 20 de Outubro de 2018 às 09:00

viafilms/iStock -

Mais de duas décadas atrás, quando me mudei para o interior da Austrália, arranjei um emprego temporário de motorista de ônibus escolar para cobrir uma vaga. Nunca sonhei em levar e trazer da escola crianças da roça, mas, anos depois, eu ainda estava na folha de pagamento.

E há muitas razões para eu ter ficado no emprego. Mas, em primeiro lugar, a variedade de conversas a que tive acesso. Vi meninos de 7 anos disputarem qual pai fora o melhor no primeiro dia da temporada de caça aos patos; pequenos candidatos a caçador descreverem, com ar de júbilo, como o vovô expulsou com a espingarda um gato selvagem que urinara no depósito de lenha.

Eu escutava com atenção enquanto seguia a estrada morro abaixo rumo ao cruzamento, e uma bala de espingarda 303 vinha rolando pelo corredor para me encontrar. Sinceramente, já levei até cordeiros e ratos de estimação para a escola.

Os fora da lei

Ainda me lembro da primeira viagem. Tinha de buscar quatro irmãos conhecidos como “os fora da lei”. Tinham feito chorar a motorista anterior, e todos queriam ver como eu lidaria com eles. Sem dúvida, logo começaram a aprontar: um cortou o rabo de cavalo da menina sentada na frente dele; outro correu atrás do irmão pelo corredor com uma faca na mão enquanto o quarto irmão o instigava. Então, parei o ônibus com uma freada arrepiante e confisquei a arma. O contraventor teve a cara de pau de pedi-la de volta quando chegamos à escola.

Quando outro fora da lei se comportou mal, ameacei dizer ao ônibus inteiro que ele fazia xixi na cama; isso resultou em quinze dias de comportamento angelical. Ainda bem que nunca sofri demais com as travessuras dos garotos, talvez por ser a tia favorita deles!

O topo do mundo

Uma das minhas viagens me fazia subir quatro quilômetros por uma estrada de terra com paisagens magníficas, mais inspiradoras ainda nas manhãs de neblina, em que ficávamos sob o sol brilhante acima da névoa espessa. Costumava perguntar aos garotos se percebiam como era maravilhoso morar “no topo do mundo”.

Nosso ônibus sempre passava por um sítio que tinha um rebanho de alpacas no cercado da frente. O pequeno Michael ficava curioso e, empolgado, gritava do seu lugar, sempre na hora certa: “Olhe, motorista! Veja os camelos!” Ele tinha a tendência de espremer a cabeça pela janelinha lateral sempre que gritava. Porém, quando lhe avisei que uma abelha poderia entrar narina adentro se ele não tomasse cuidado, o menino foi esperto e largou o hábito.

Pisando no acelerador

Noutra ocasião, tínhamos acabado de sair da escola primária e esperávamos num cruzamento. Uma voz miúda vinda lá de trás me perguntou se ia chegar em casa na hora. Um pouco mais adiante, o menino perguntou de novo, e afirmei que ele não chegaria tarde em casa. Perguntei por que a pressa. Então, pulando num pé e noutro, ele me informou que precisava fazer cocô e perguntou se eu não poderia ir mais depressa. Dali a três paradas, ele saiu correndo pela porta antes que eu freasse completamente na frente da casa, uma das mãos segurando a pasta, a outra os fundilhos do short.

Segredos de família

Também passei a conhecer todos os segredos familiares e sofri com os novatos que ficavam assustados ou empolgados com o início numa nova escola. Tenho um ursinho de pelúcia que era um grande consolo para os pequenos. As crianças tinham de cuidar do “Sr. Harris” na viagem para a escola, e ele esperava com paciência que entrassem no ônibus para a viagem de volta para casa.

Certa manhã, uma menininha subiu no ônibus, caiu em lágrimas e chorou bem alto até a escola. Chegamos ao portão e, enquanto ela esperava na fila para descer do ônibus, abraçou o meu pescoço e disse, entre soluços, que o avô tinha morrido na noite anterior.

A turma maior

Alguns motoristas têm medo de levar para a escola os garotos mais velhos, mas também gostei muito dos adolescentes. Em geral, durante a viagem ficam sentados e quietos, ouvindo os seus tocadores de MP3. Mas já houve ocasiões em que tive de separar casais com intenções amorosas no banco de trás e confiscar o cobertor. Também já farejei álcool na garrafa d’água no último dia de aula. E já observei a reação de uma “contraventora” depois que lhe informei que era melhor usar vodca da próxima vez, porque não deixa cheiro. Um rapaz cheio de espinhas achou divertidíssimo se jogar para fora da janela e gritar: “sua mãe tem pênis”. É, faz parte…

Motoristas de ônibus escolar têm de manter um olho na rua, outro no espelho, para observar o que os queridinhos estão fazendo lá nos fundos. Todo dia, a minha frase típica era que ia “levar os monstrinhos de volta para a mamãe”.

Agora, é emocionante pensar por quantas vidas já fui responsável. Além disso, quantos quilômetros percorri para levar em segurança até a casa todos os que ficaram aos meus cuidados.

Levei crianças para a escola na década de 1980; acabei transportando também os filhos dessas crianças! Na maior parte, gostei. Mas, depois de 26 anos já era hora de estacionar para sempre o meu meio de transporte. Vida longa ao motorista de ônibus escolar!

Krista Fletcher