Elsa teve sua primeira aula de inglês com um prisioneiro de guerra

Suas primeiras palavras em um idioma estrangeiro foram ensinadas por um soldado durante a Segunda Guerra Mundial e guardadas por toda a vida.

Redação | 27 de Novembro de 2018 às 20:00

Ilustrado por Gerard Dubois/Revista Seleções -

Conheça a história de Elsa, que conheceu um soldado americano, prisioneiro, no fim da Segunda Guerra Mundial, e aprendeu com ele uma canção em inglês. Foram as primeiras palavras que ela e a amiga aprenderam, quando moravam em uma cidadezinha nas montanhas da Baviera, na Alemanha.

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Quando eu estava no segundo ano, minha amiga Resi e eu caminhávamos juntas para a escola todas as manhãs. Nossas casas ficavam na mesma rua, uma de cada lado da calçada, em uma cidadezinha nas montanhas da Baviera, na Alemanha. Deveríamos caminhar até certa esquina e nos juntar a algumas das outras crianças da cidade. O ano era 1945, e suponho que essa fosse uma medida de segurança por causa da guerra.

Na maioria das manhãs seguíamos as instruções à risca, mas às vezes Resi e eu pegávamos um atalho, uma pequena trilha através de uma campina. Certo dia, em um desses desvios, vimos um jovem, um desconhecido, no quintal de uma casa. Ele estava cortando lenha e assobiando. Paramos e ficamos observando, depois nos afastamos rapidamente, nos perguntando quem era aquele sujeito.

Ele era de outro mundo?

Na manhã seguinte, propositalmente pegamos o atalho secreto para a escola, curiosas para ver se o assobiador estaria naquele local outra vez. E lá estava ele. O sujeito não pareceu nos notar, embora estivéssemos a poucos metros de distância, do outro lado de uma pequena cerca que circundava o quintal. Novamente nós o observamos, e então fugimos. Nunca tínhamos visto um estrangeiro antes. Para nós, o rapaz parecia um ser do espaço sideral.

“Você acha que ele é um daqueles americanos?”, perguntou Resi. Tínhamos ouvido os adultos falarem de um pequeno grupo de americanos que estava sendo mantido em uma casa desocupada na cidade. Durante o dia, os homens executavam tarefas braçais, visto que a maior parte da população masculina local tinha partido para a guerra. E toda noite um guarda os pegava e os levava de volta para a casa. A irmã mais velha de Resi disse a ela que os homens eram prisioneiros de guerra que tinham sido capturados pelo exército alemão e que estavam aguardando para se juntar aos Aliados no fim da guerra, que era iminente.

“Provavelmente”, respondi. “Vamos continuar andando ou nos atrasaremos para a escola.”

Curiosidade de criança

Nós não estávamos com medo, apenas curiosas. Resi continuou falando. “Ele se parece com todo mundo”, comentou. O homem era alto e tinha cabelos loiros que se espalhavam por toda parte, com um grande cacho que lhe caía nos olhos. Era bonito. Tinha um rosto amigável e sorria o tempo todo, menos quando assoviava.

“Bem”, falei, “as pessoas parecem iguais em todo lugar, você não acha?”

Como num pacto tácito, Resi e eu passamos a pegar o atalho todos os dias. Mas não contamos isso a ninguém. Aquele era o nosso segredo.


“Você é meu raio de sol”, cantava  ele várias vezes, até conseguirmos repetir.


Oi e tchau

Certa manhã, depois de cerca de uma semana que passávamos ali andando, ficávamos observando e fugíamos, o americano enfim ergueu os olhos da pilha de lenha. Ele sorriu e disse: “Oi.”

Ele estava falando com a gente?, nós nos perguntamos. O que ele disse? Não fazíamos ideia; pois não entendíamos nada de inglês. Então, como de costume, fugimos.

Inesperadamente, na manhã seguinte, Resi me cumprimentou com o misterioso “Oi”, e eu respondi com a mesma saudação. Nós começamos a rir e seguimos em nosso caminho. A partir de então, sempre que passávamos pela casa, encontrávamos o americano trabalhando no quintal, quase como se ele estivesse esperando por nós. Todos os dias, ele acenava e repetia seu “Oi”. Nós acenávamos de volta e também respondíamos com um “Oi”.

Passada mais uma semana, quando nos viramos para ir embora a caminho da escola, ele acenou e disse: “Tchau.” Outra misteriosa palavra em inglês. Nós rimos e repetimos: “Tchau.”

Falei para Resi: “Talvez devêssemos seguir de novo pelo outro caminho.” Mas, na verdade, não era o que eu queria. Aliás, nós já tínhamos nos acostumado a passar por ali. Manter aquele nosso segredinho fazia com que nos sentíssemos especiais.

Frankie

Até que um dia o homem aproximou-se um pouco mais da cerca, apontou para o próprio peito e disse: “Frankie.”

“Frankie”, repetimos. Aquele era o seu nome? Ele riu e voltou ao trabalho. Chegamos à conclusão de que Frankie era um cara muito legal.

A autora em 1945, na época em que conheceu Frankie. Cortesia de Elsa K. Hummel.

Cada um desses encontros durou apenas um minuto ou dois antes que Resi e eu nos apressássemos para a escola, atrevidas estudantes do segundo ano que éramos, aprendendo palavras de uma língua estrangeira com um prisioneiro de guerra americano. Não deveríamos falar com estranhos, e minha mãe certamente teria nos acompanhado até a escola daquele dia em diante se descobrisse nosso segredo. Eu era filha única e ela era muito protetora, ainda mais desde que meu pai tinha partido para a guerra. Ele havia sido convocado, e nós ainda não sabíamos disso na época, mas ele também tinha sido capturado como prisioneiro de guerra e estava sendo mantido preso pelos russos. Não mencionei esses encontros com o americano nem mesmo depois que meu pai voltou para casa.

Raio de sol

Resi e eu passamos a nos sentir à vontade com a nossa rotina matinal, que incluía “Oi, Frankie; tchau, Frankie”. Às vezes ele cantava, e nós duas ficávamos hipnotizadas, ouvindo aquele estranho idioma. “Você é meu raio de sol…”, cantava ele várias vezes, lentamente, até que conseguíssemos repetir.

Aprendemos um verso após o outro e logo sabíamos cantar a música inteira, sem entender o significado da letra, mas sem nos importar com isso.

Certa manhã, Resi e eu passamos pela casa, mas Frankie não estava lá. Ficamos de pé na trilha ao lado da cerca, imaginando se ele estava lá dentro. Nenhum sinal de Frankie. Nunca mais o vimos. Alguém disse que os homens tinham se reintegrado às forças americanas, que avançavam pelo território e, em poucos dias, haviam ocupado aquela parte da Alemanha. Dessa forma, nós ficamos tristes, mas continuamos cantando nossa música.

O tempo passou

Entretanto, Resi e eu sempre falávamos sobre Frankie, na esperança de que ele estivesse bem. Eu gostaria de ter sabido mais sobre ele, principalmente depois que minha família se mudou para Denver, no Colorado, quando eu tinha 15 anos. Enfim, de onde ele era? Aliás, será que ele tinha uma irmã, talvez da nossa idade, ou até mesmo uma filhinha? Eu nunca vou saber, mas Frankie deixou para mim e para Resi um legado maravilhoso: nossa primeira aula de inglês e algumas lembranças felizes.

Portanto, anos depois, em um piquenique com nossos parentes americanos, alguém começou a cantar: “Você é meu raio de sol…” certamente eu me lembrei daquelas palavras e alegremente comecei a cantar junto. Minha mãe olhou para mim, surpresa. Então contei a ela sobre Frankie. E até hoje me lembro do soldado americano sempre que ouço a música que ele nos ensinou.

POR ELSA K. HUMMEL