Conversar mais e digitar menos faz bem à saúde

Descubra por que conversar mais e usar menos o celular são atitudes que podem ser benéficas aos relacionamentos e à saúde mental.

Raquel Zampil | 26 de Abril de 2020 às 19:00

Kluva/iStock -

Todos dizem que conversar mais e dar menos atenção para o celular são bons para o relacionamento e a saúde emocional. Mas essa afirmação está comprovada?

A autora e editora Lisa Fields relata sua experiência e o resultado de suas pesquisas:

Não faz muito tempo, quando parentes de outras cidades vinham passar o fim de semana comigo, minha parte favorita da visita era depois que as crianças iam dormir. Abríamos um vinho e conversávamos até quase meia-noite, rindo de antigas lembranças e contando novas histórias.

Hoje a dinâmica é completamente diferente. O primeiro adulto que volta depois de pôr as crianças para dormir não estende a mão para a taça de vinho; ele se instala no sofá e estende a mão para o celular. Só até os outros aparecerem, diz a si mesmo.

Todos se reúnem, mas há silêncio em vez de risos, pois todos verificam as mensagens, o Facebook.

Podemos acabar tomando um vinho e conversando, mas todos mantêm o celular no colo a noite inteira. E a conversa costuma ser interrompida por um alerta de que alguém em algum lugar tem algo (melhor?) a dizer. Sempre que isso acontece, sinto saudade de quando concentrávamos toda a nossa atenção uns nos outros e realmente nos relacionávamos.

Metade da população do mundo tem smartphones

Em muitos lugares, há mais contas de celular do que habitantes, e os aparelhos estão mesmo por toda parte.

O uso de celulares é tão generalizado que pessoas que valorizam a conversa de qualidade se resignaram com o fato de que, às vezes, nossos companheiros preferem seus aparelhos a se envolver conosco. O estilo de vida de hoje, com gratificação instantânea e pouca capacidade de atenção, treinou as pessoas a buscar novas informações a cada momento, e, para muita gente, os encontros não são tão envolventes quanto os celulares. E os relacionamentos estão sofrendo.

“O celular virou um elemento de conforto; sempre que há um possível momento de tédio, as pessoas recorrem a ele”, diz Daria Kuss, professora da Universidade Nottingham Trent, que estuda o uso de celulares. “Desde o desenvolvimento dos primeiros smartphones, há uns quinze anos, esse comportamento se normalizou. Todo mundo tem um aparelho desses.”

Distração constante na hora de conversar

Como podem produzir uma série interminável de coisas interessantes para olhar, os smartphones rivalizam com os companheiros da vida real. “Os celulares se comunicam por si sós”, afirma Oliver Bilke-Hentsch, psiquiatra de Zurique que estuda o vício em internet. “Não é preciso que ninguém telefone. O próprio aparelho lhe mostra informações novas. É preciso se controlar para só olhar.”

Nicole Gommers, 38 anos, moradora de Haia, Holanda, se cansou de competir com o celular pela atenção do parceiro.

“É difícil conversar porque ele se distrai constantemente com o telefone”, explica ela. “Quando lhe pergunto alguma coisa, ele responde, mas dá para ver que sua cabeça está longe. Sempre há alguém mandando uma mensagem, e isso significa o fim da nossa conversa. Por algum tempo, ele ficou totalmente viciado em Wordfeud, um jogo de palavras cruzadas que é possível jogar com anônimos. Assim que começava uma partida, ninguém mais podia falar, senão ele perdia a concentração.”

Como cresceram muito expostos à tecnologia, os mais jovens têm mais probabilidade do que os mais velhos de usar o celular em ambiente social e muito mais probabilidade de sentar-se calados com um grupo de colegas, cada um fitando seu aparelho. Isso causa impacto na capacidade de comunicação dessa geração.

“Os jovens acham dificílimo falar com os outros e prestar atenção a eles sem o celular”, diz Kuss. “Podem ter dificuldade em conversas da vida real, do tipo a que nós, de gerações anteriores, estamos acostumados, em que nos ligamos aos outros e nos envolvemos numa troca de ideias profunda e significativa.”

Uma força silenciosa que inibe a conversa profunda

Os celulares são tão influentes que podem ter poder sobre a conversa mesmo quando não estão em uso. Os pesquisadores descobriram que, quando um celular é posto sobre a mesa, mesmo que seu dono não o use ativamente, a profundidade da conversa despenca. “Nosso estudo constatou que, quando o telefone estava à vista de um ou ambos interlocutores, os participantes declaravam qualidade mais baixa da conversa e nível inferior de trocas empáticas”, diz Shalini Misra, professora assistente de Questões Urbanas da Universidade de Tecnologia da Virgínia, nos EUA. “Em vez de ser um objeto benigno no cenário, o celular à vista distrai os indivíduos de seu contexto pessoal.”

Como percebem que podem ser interrompidas, as pessoas têm menos probabilidade de se envolver em conversas sobre sentimentos ou problemas e tendem à conversa superficial. “As conversas significativas exigem participantes atentos”, diz Misra. “Precisamos escutar as palavras, o tom de voz e as pausas, observar as expressões faciais e os movimentos do corpo e pensar sobre o que estamos ouvindo para entender o que significa e responder de forma adequada. É uma tarefa complexa que exige muitos recursos cognitivos. Quando nossa atenção se divide, as tarefas complexas como as conversas sofrem. E a visibilidade do celular nos leva a direcionar os pensamentos para outras coisas.”

Influência negativa para a juventude

Pesquisas constataram que os universitários de 2009 tinham nível mais baixo de empatia do que universitários de trinta anos antes. Entre outros fatores, os pesquisadores levaram em conta o efeito da tecnologia e das mídias sociais sobre esse déficit de empatia, mas não tiraram conclusões sobre a causa da queda. “Não sei se há indícios agora de que celulares ou mídias sociais provoquem perda de empatia”, diz Sara Konrath, autora do estudo e professora da Universidade de Indiana. “Provavelmente há várias razões para a mudança, como alterações da dinâmica e do tamanho das famílias, das atividades políticas.”

Outras pesquisas verificaram que os adultos jovens têm o nível mais baixo de empatia, enquanto as mulheres de meia-idade têm o mais alto. Por quê? As mulheres de meia-idade talvez tenham mais oportunidade de exercitar seus “músculos empáticos”: cuidam dos filhos, cuidam dos pais idosos e treinam colegas mais jovens. Felizmente, Konrath diz que é possível elevar  a empatia com prática – e deixar o celular fora da equação pode ajudar. “Somos preparados para reagir cara a cara; nossos ancestrais não tinham celular”, observa Konrath. “É bom treinar a empatia pessoalmente. Temos a capacidade de ver as expressões faciais e ouvir o tom de voz. Há mais sinais sobre como o outro está, e é possível sintonizar melhor.”

Alimenta o vício que dá a sensação de recompensa

Como os celulares são tão bons para nos distrair, as pessoas se preocupam com eles em toda parte, até no trabalho. Fabien Guasco, 43 anos, de Saint-Pathus, na França, se irrita quando o celular atrapalha suas reuniões. “Os outros se concentram nas mensagens que chegam à sua caixa de entrada em vez de escutar o que está sendo dito”, diz ele. “Por isso eu adotei o hábito de rapidamente me calar se alguém da equipe toca a tela do celular. Em consequência, todos prestam atenção!”

Os pesquisadores descobriram por que é difícil largar esses aparelhos: eles alimentam uma natureza propensa à dependência. “Toda vez que recebemos uma ‘curtida’ nas mídias sociais ou uma recompensa num jogo”, diz Bilke-Hentsch, “temos uma pequena injeção de dopamina no centro de recompensa do cérebro. E queremos mais. É como fumar um cigarro ou comer um doce. Talvez você não receba essas recompensas de seu cônjuge.”

Veja também: 13 maneiras que o celular afeta a saúde e a mente

Esperança de solução para você ter atenção

Se você estiver cansado de ser preterido em razão do celular, experimente estas ideias:

• Detalhe suas necessidades.

Explique o que quer – sem celular às refeições, talvez, ou sem responder a mensagens enquanto estiver conversando –, mas fale com calma e não acuse nem culpe. “Use mais frases com ‘eu’ do que com ‘você’”, diz Kuss. “Diga ‘Eu gostaria de passar mais tempo com você’ em vez de ‘Você passa todo o seu tempo com a tecnologia’.”

• Negocie menos notificações.

Seu parceiro não olha o celular só quando quer; o celular o avisa para olhar sempre que algo acontece nas mídias sociais ou em seus jogos favoritos. Se ele desabilitar as notificações, usará menos o celular. “Essas notificações aumentam o uso real do celular”, diz Joël Billieux, professor da Universidade de Luxemburgo que estuda o vício das tecnologias de comunicação. “A pesquisa indica que, quando recebemos notificações, geralmente verificamos outros aplicativos além daquele que enviou a notificação.”

• Seja “pró-bolso”.

Incentive seu parceiro a deixar o celular sem uso no bolso, e não na mesa. “Quando está à vista, o celular chama a atenção da pessoa, mesmo que ela não perceba”, diz Misra. “Longe dos olhos” pode muito bem significar “longe do coração”.

• Cite estatísticas de uso.

Seu parceiro talvez não perceba quanto tempo passa ao celular. Mas o aparelho acompanha quanto tempo ele fica em cada aplicativo. Peça-lhe que verifique os números. “Eles nos ajudam a perceber quanto tempo passamos ao celular”, diz Kuss. “Ver isso pode reduzir seu uso.”

• Dê um relógio de presente.

Ele não terá de pegar o celular para ver as horas quando quiser saber se o jantar está próximo. Billieux diz que “um estudo recente mostrou que pessoas com relógio reduziram o tempo passado ao celular”.

Por LISA FIELDS