Já sentiu que a vida seria melhor se você tivesse escolhido um caminho diferente? Se tivesse procurado aquele emprego, terminado aquele relacionamento
Redação | 1 de Junho de 2020 às 01:01
Já sentiu que a vida seria melhor se você tivesse escolhido um caminho diferente? Se tivesse procurado aquele emprego, terminado aquele relacionamento mais cedo ou se mudado para outra cidade, tudo seria perfeito.
É da natureza humana entregar-se ao arrependimento. Sem controle, essa emoção pode se tornar uma fonte avassaladora de estresse e ansiedade.
Mas até emoções dolorosas como o arrependimento podem ser uma fonte potente de inspiração. É possível usar esses pensamentos do tipo “ah, se eu…” como alavanca para avançar.
Pesquisadores constataram que ficar obcecado pelo arrependimento tem impacto negativo sobre o sono e o estado de espírito, aumenta a impulsividade e pode ser fator de risco para comer e beber em excesso.
Como psicóloga clínica, ajudo os outros a levarem uma vida saudável, feliz e significativa, ensinando-os a controlar as emoções a partir de estratégias baseadas em evidências. Quando alguém se sente preso num “e se…” interminável, é possível se reajustar. Veja como fazer.
Muita gente tenta rechaçar as dores, mas a pesquisa mostra que suprimir as emoções pode diminuir a capacidade de sentir alegria, e as emoções suprimidas têm o potencial de se manifestar como dor física.
Um estudo de 2014 publicado na revista The Journal of General Psychology constatou que entregar-se ao arrependimento pode comprometer a capacidade de tomar decisões sábias e que concentrar-se em emoções negativas reduz o desempenho em tarefas simples.
Assim, em vez de ignorar o arrependimento ou ruminar sobre erros percebidos, pratique reconhecer a experiência. Comece desacelerando e observando seus pensamentos e sensações. Relaxe o rosto e as mãos e pense em aceitar o modo como se sente agora sem se preocupar se vai se sentir assim para sempre. Os pesquisadores também observaram que, quando encontra um lado bom no arrependimento, a pessoa consegue pensar com mais clareza.
“O truque é não ficar obcecado e tirar uma lição que possa ser aplicada a situações futuras”, aconselha Neal Roese, professor de marketing da Escola Kellogg de Administração da Universidade Northwestern que se concentra na psicologia da capacidade de julgamento e da tomada de decisões.
Reserve um tempo para observar como lidou com um arrependimento recente. Fingiu que era menos importante do que era? Ou caiu numa espiral de vergonha? Quando você descobre como se orienta nessas situações, pode usar as emoções a seu favor.
É importante aprender a interromper a espiral do arrependimento, porque pensar nele sem parar só garante que você se sentirá pior.
É bom desenvolver um conjunto de ações concretas para quando se sentir prestes a cair nessa espiral negativa. A meta é deter esse tipo de pensamento antes que ele consuma sua energia.
Você pode listar seus escritores favoritos em ordem alfabética. Quando está concentrada num projeto, é menos provável que sua mente saia dos trilhos. Outra ideia: quando sentir as garras de emoções fortes, mergulhe o rosto em água gelada. (É sério.)
“As pessoas passam a acreditar nessa estratégia depois de superar a estranheza de mergulhar de cabeça numa vasilha de água gelada”, disse a Dra. Kathryn Korslund, especialista em terapia comportamental dialética, tratamento que ensina a controlar as emoções. Ela explica que dá certo porque baixa a temperatura do corpo e a frequência cardíaca, impedindo que as emoções se intensifiquem.
Se parecer perturbador demais, ponha um cubo de gelo na boca e se concentre nas sensações.
Essas atividades não pretendem ser uma solução permanente. A meta é regular suas emoções por alguns minutos para, depois, abordar a situação com um pouco mais de clareza.
No mesmo estudo que verificou que o arrependimento atrapalha a capacidade de resolver problemas, pediu-se aos participantes que lessem as seguintes declarações e recordassem pelo menos um benefício de um evento lamentável:
Depois, os participantes demonstraram “melhora do desempenho” nas mesmas tarefas que realizaram antes de achar o lado bom.
Concentrar-se no que você conquistou pode ajudá-lo a dar as costas aos impactos negativos do arrependimento. E não se esqueça de que boa parte dessa história de arrependimento não passa disto: uma história. Os pesquisadores chamam de pensamento contrafactual as histórias arrependidas de “e se…”, porque é impossível saber como a situação se desenrolaria se você tivesse escolhido outro desfecho.
Pesquisadores do campus de Berkeley da Universidade da Califórnia pediram a 400 estudantes que escrevessem sobre seus maiores arrependimentos e constataram que a autocompaixão, e não o autocastigo, “provoca ajustes positivos diante do arrependimento”.
Essa “autocompaixão levou a maior aprimoramento pessoal, em parte, por meio da maior aceitação”, escreveram os pesquisadores, acrescentando que “o perdão vem de situar falhas ou fracassos, como uma experiência de arrependimento, como parte da experiência humana comum”.
Imagine sua terapeuta tentando acalmá-lo num surto de arrependimento. Ela se concentraria em tudo o que você fez de errado? Ou incentivaria você a encontrar as lições práticas e tangíveis que podem ser tiradas da experiência?
Quando tudo o mais falhar, converse com você mesmo como se falasse com um amigo.
Quando sentir um arrependimento profundo, use a emoção como trampolim para examinar o que é verdadeiramente importante para você.
Uma de minhas clientes veio me ver quando se sentiu culpada pelo modo agressivo como fala com os outros. Juntas, utilizamos o arrependimento para identificar as virtudes que ela mais valoriza – “eu me preocupo mais em ser legal do que em estar certa” era uma delas –, porque se concentrar no dano já causado não faria nenhum bem a ela nem a seus relacionamentos.
Pergunte-se por que se sente tão profundamente arrependido e trabalhe de trás para a frente a fim de identificar os valores ligados a seus sentimentos. Depois, use isso como motivação para o crescimento pessoal.
Kintsugi é uma técnica japonesa de consertar louça quebrada que deriva da filosofia budista (traduzido literalmente, o nome significa “união dourada”). O processo de conserto destaca as imperfeições do item, consideradas parte de sua história. Consertar a louça desse modo pode aumentar sua beleza; o kintsugi tradicional usa ouro ou prata para colar as rachaduras.
Liste seus arrependimentos, grandes e pequenos, e depois faça um brainstorming sobre os passos exatos para remediar o que o incomoda. O melhor tratamento para prevenir o arrependimento não é se sentir péssimo nem pensar demais. É buscar soluções ponderadas e, na hora de agir, usar a sabedoria conquistada com a autorreflexão.