O namorado que não deixou de acreditar que reencontraria sua amada

Depois de um grave acidente, parecia que a mente dela não ia se recuperar. Mas seu namorado não deixou de acreditar que ainda fosse reencontrá-la.

Redação | 13 de Fevereiro de 2019 às 15:00

KCHANDE/iStock -

Ela sobreviveu ao acidente, mas sua mente continuaria a mesma? Seu namorado estava disposto a arriscar.

A neve veio antes do que esperavam, mas Jeremy Osheim não estava preocupado com isso.

Ele já percorrera essa rota mil vezes e sabia exatamente o que fazer. Vá com calma. Observe a estrada. Você vai chegar lá na hora em que chegar, e, quando chegar, será incrível.

Era janeiro de 2016, e, com a namorada Molei Wright, Jeremy saiu de Denver para passar um fim de semana divertido com amigos nas encostas de Breckenridge, no Colorado. Os dois eram nascidos no estado e tinham ideias semelhantes: ambiciosos, gregários e reflexivos, amantes de livros, peças de teatro, música e ar livre.

Jeremy, então com 29 anos, era assessor de imprensa e, à noite, lutador de artes marciais mistas; Molei, então com 28 anos, era a primeira da família a terminar a faculdade e vendia fundos mútuos a assessores financeiros. Estavam juntos havia menos de um ano, mas poucos encontros bastaram para que percebessem que existia uma química entre os dois. Eles nunca haviam professado formalmente o amor que sentiam um pelo outro, mas Jeremy estava bastante certo de que Molei era a pessoa certa. Quando o carro começou a subida sinuosa rumo à cidade na montanha, Jeremy sentiu uma onda avassaladora de gratidão.

“A vida era mesmo ótima”, diz ele. “Provavelmente foi o melhor momento de minha vida, e eu me sentia muito bem. Então, num piscar de olhos, tudo se estilhaçou.”

O caminhão apareceu do nada. Num minuto, o Mitsubishi Montero de Jeremy avançava suavemente pela neve que caía; no momento seguinte, ele estava sentado na beira da estrada, numa picape destruída, preso ao assento pelo volante, o corpo gritando de dor. À sua direita, ele viu Molei. Os olhos dela estavam abertos, mas Jeremy percebeu que nada viam. Ele só conseguiu pensar numa coisa: “Não morra. Amo você. Não morra…”

Estatisticamente, ela deveria ter morrido. Suas vértebras do pescoço tinham sido esmagadas. A cabeça estava presa aos ombros pela pele e pelos músculos. Os médicos chamam isso de luxação traumática atlanto-occipital. A descrição mais comum é decapitação interna. Probabilidade de sobrevivência: uma em cem.

De férias, Henry Rodriguez, tenente do exército com treinamento em medicina de emergência, vinha não muito longe deles na estrada e, quando viu o acidente, parou na mesma hora.

Enquanto a mulher de Rodriguez acalmava Jeremy, que estava preso e aterrorizado, o tenente trabalhou depressa.

Um passo errado deixaria Molei morta ou paralisada. Ele protegeu a cabeça e o pescoço dela e a retirou cuidadosamente das ferragens contorcidas – “sucata”, disse ele na ocasião – e a deitou na estrada, ao lado do carro, cobrindo-a com casacos para mantê-la aquecida.

Durante 45 minutos aflitivos, enquanto a neve caía do céu negro, Rodriguez golpeou o peito de Molei para trazer seu coração de volta à vida. Quando a ambulância chegou, a moça mostrou vislumbres de consciência e movimento. Esses sinais logo desapareceriam. O fato de ter chegado viva ao Hospital St. Anthony, em Lakewood, foi um milagre.

Quando sua mãe, Mo Wright, finalmente viu Molei, a moça tinha entrado em coma e estava presa a uma série de tubos e máquinas. Os médicos não puderam dizer a Mo quase nada sobre o óbvio: o caso era gravíssimo. A qualquer momento, febre, infecção, qualquer coisa, poderia levá-la embora. E, mesmo que o corpo se estabilizasse, o cérebro talvez nunca se recuperasse.

“Um médico me chamou e disse: ‘Tenho de ser franco. Há uma probabilidade de que ela não consiga’”, conta Mo. “E me lembro de ter respondido: ‘Molei é uma lutadora. É competitiva. Não é do tipo que fica aí deitada e aceita.’”

Mas os médicos sabiam que talvez não dependesse da força de vontade de Molei. Além do pescoço estraçalhado, Molei tinha sofrido fraturas nas costelas e em outras vértebras, lesões no pulmão e danos nas principais artérias que levavam sangue ao cérebro. Os exames do crânio mostraram uma lesão que o Dr. Philip Yarnell, neurologista especializado em traumas desde 1967, chamou de cisalhamento multifocal – hemorragias em toda a superfície, nos vasos sanguíneos e no tronco cerebral.

Como qualquer pessoa que sofre um traumatismo craniano, Molei entrara num reino de mistérios. A recuperação do cérebro é completamente imprevisível. Na verdade, os médicos têm um ditado: quem viu uma lesão cerebral viu só uma lesão cerebral. Às vezes, as vítimas se recuperam, totalmente capazes e saudáveis. Outras vezes, ficam para sempre no crepúsculo da consciência.

Em outras ainda, o cérebro sobrevive, mas a personalidade, não. “Ficam zangadas, têm problemas de temperamento, a família sente medo delas”, diz o Dr. Yarnell. Esses casos podem ser arrasadores, abalar relações e acabar com casamentos. “Você está com uma pessoa e, de repente, quem está ali é outra, não é aquela com quem você começou.”

O Dr. Yarnell sabia que a família Wright queria respostas. Mas também sabia que só o tempo contaria a história toda. “Não é possível dar um prognóstico de longo prazo”, afirma ele. “Você pode se enganar.”

Assim, enquanto Molei ficava calada e imóvel, o máximo que os médicos podiam fazer para salvar seu cérebro era salvar seu corpo: medicamentos para impedir febres e infecções, máquinas para dar alimento e oxigênio, cirurgias para as lesões, monitoramento de sinais de consciência e… paciência.

“Não temos remédios para curar o cérebro”, diz o Dr. Yarnell. “Tentamos deixar que ele se cure sozinho.”

Nas semanas após o acidente, um padrão se instalou. Molei jazia em seu leito, alimentada por um tubo, respirando com ventilação mecânica. O Dr. Yarnell e a equipe a visitavam todo dia para testar suas reações e ver se o cérebro respondia. Cutucavam seus braços e pés. Beliscavam os ombros. Movimentavam objetos diante do rosto para ver se os olhos os acompanhavam.

Mas, como documentava a ficha médica, Molei tinha pouca reação:

6 de fevereiro:
Não obedece aos comandos

11 de fevereiro:
Não obedece aos comandos.

15 de fevereiro:
Não obedece aos comandos.

“Aquilo estava nos matando”, relembra Mo. “Toda manhã, eu entrava no carro e ia para o hospital, e era esse o pior momento… O que vão nos dizer?”

Jeremy, que já se recuperava de suas lesões graves – fratura de quadril e escápula, além de contusões no coração e no pulmão –, seguiu as dicas das enfermeiras e falava com Molei como se ela pudesse ouvir, agarrando-se à leve esperança de recuperação que o Dr. Yarnell lhes dera.

“Eu não parava de pensar: ela vai voltar para mim. Eu sei, eu sei”, diz ele. Mas, a cada dia que passava, Jeremy também sabia que a probabilidade de recuperação de Molei diminuía. Em certo momento, seus punhos e mãos começaram a se curvar para dentro, fenômeno chamado de postura descerebrada e que pode indicar regressão grave e irreversível.

“Fiquei arrasado”, conta o namorado.

Então, cerca de três semanas depois do acidente, Molei começou a mostrar sinais de vida:

25 de fevereiro:
Mexeu a perna direita espontaneamente.

29 de fevereiro:
Olhar focalizado.

1ª de março:
Sem ventilação o dia inteiro. Olha para os dois lados.

Eram sinais minúsculos – às vezes tão pequenos que só o Dr. Yarnell conseguia vê-los.

Mas eram suficientes. Havia alguém ali. Seria Molei?

Molei ainda se lembra de ter visto a data no quadro branco ao pé da cama e percebido que três meses inteiros tinham sumido de sua vida.

“Estava escrito: ‘Olá, Molei! Hoje é quarta-feira, 18 de maio’”, diz ela. “Foi confuso… O que havia acontecido com fevereiro, março e abril?”

Molei não sabia, mas agora estava no Craig Hospital, em Englewood, um dos principais centros de reabilitação americano para lesões do cérebro e da coluna. Três meses depois do acidente, o Dr. Yarnell vira reações constantes e suficientes para que Molei fosse aceita no Craig. Lá, terapeutas trabalharam para revivê-la com fisioterapia e medicamentos para despertar.

Nas primeiras semanas em que ficou no Craig, Molei estava bastante confusa. Sabia que ainda era Molei, mas também sabia que não conseguia se relacionar com a equipe nem com a família e o namorado e não sabia se algum dia conseguiria fazê-lo.

Então, um dia, Jeremy a fez rir. Aconteceu na sala de exercícios do hospital. Ele a levara para lá sozinho.

Nessa época, Molei estava num tipo de limbo semiconsciente. Não conseguia comandar seus movimentos nem falar. Mas, se Jeremy ou os terapeutas movessem seus membros, ela conseguia se sentar e ficar em pé. Naquele dia, Jeremy fez o que vinha fazendo havia semanas: ajudá-la e torcer por ela.

Primeiro, ele a tirou do leito e a pôs num tipo de cadeira pendurada que se movia em trilhos para levá-la até a cadeira de rodas. Dali, ele foi para uma sala cheia de plataformas acolchoadas projetadas para massagens e terapias. Seu plano era alongar um pouco os braços e as pernas dela enquanto conversavam. Assim, o namorado a deitou na cama de fisioterapia, sentou-se a seus pés e começou a dobrar suas pernas, falando “bobagens”, como ele dizia, exatamente como fazia havia meses.

Ele não se surpreendeu quando o corpo de Molei teve um espasmo súbito e ela se sentou de repente. Sem nem pensar, Jeremy disse: “Ei, não estamos treinando abdominais. O que você está fazendo?”

E ela riu.

Os olhos de Jeremy se iluminaram. “Meu Deus!”, berrou ele. “Você me ouviu! Você está aí!”

Foi um divisor de águas. “Não sei se já ri tanto, se já sorri tanto”, diz ele. “Aí eu soube que ela sabia quem eu era. Ela ainda achava engraçadas minhas piadas bobas. Ela sabia quem eu era.”

Foi uma descoberta para Molei também. “O jeito como ele riu, eu soube na hora”, afirma ela. “Era como se ele dissesse: ‘Ei, ela ainda está aí!’ Eu não era só alguém em coma.”

Nas semanas que se seguiram, Molei melhorou drasticamente. Logo, observava, escutava, se concentrava e reagia. Ainda não conseguia falar e tentou se comunicar com a língua de sinais que aprendera na faculdade. Jeremy também conhecia um pouco dessa língua, e entendeu a primeira coisa que ela lhe disse.

“Amo você”, lembra Molei. “Foi a primeira coisa que eu disse a ele.”

No total, Molei passou seis meses em hospitais depois do acidente, inclusive dois meses no Craig, onde aprendeu a comer (com cuidado), a falar (devagar) e a caminhar distâncias curtas com um andador. A terapia de reabilitação cognitiva – quebra-cabeças, testes, remédios para foco e atenção – ajudou sua mente a voltar à vida. O cérebro é uma coisa extraordinária, costuma dizer o Dr. Yarnell. Se continuamos a exercitá-lo, ele dá um jeito de contornar os problemas.

Assim, quando os médicos lhe disseram que estava pronta, Molei voltou à casa da família.

Houve reveses e frustrações; a decisão mais simples, como usar o andador ou a cadeira de rodas para chegar à sala, podia ser cheia de riscos e estresse. Mas, a cada mês, Molei fazia progressos. E, finalmente, mais uma vez, o cotidiano virou norma: usar o banheiro, dobrar a roupa lavada, usar a bicicleta ergométrica. Enquanto seu corpo revivia, a mente ficou mais aguda, como o Dr. Yarnell tinha previsto.

O maior de todos os passos aconteceu quando Molei foi morar com Jeremy, dezoito meses depois do acidente. A vida que tinham imaginado dividir começava a tomar forma. E, mesmo que não seja a vida que tinham esperado, diz o namorado, o amor que sentem um pelo outro é igualmente profundo – talvez ainda mais.

“Comparo isso a ir para a guerra com alguém”, diz Jeremy. “Passamos por uma situação insondável para os outros. Dividi com ela coisas que nem consigo explicar.”

Hoje, Molei Wright ainda enfrenta alguns desafios.

Seu lado esquerdo ainda é fraco; a mão, insegura; a fusão das vértebras não lhe permite virar o pescoço. O Dr. Yarnell diz que, provavelmente, Molei sempre terá algum déficit cognitivo. Múltiplas tarefas a deixarão cansada. Um emprego estressante talvez nunca seja possível.

Ainda assim, agora ela administra a casa e a própria recuperação. Encontra amigos, troca livros e podcasts com Jeremy e é voluntária para visitar salas de aula e falar com alunos. Está treinando para uma corrida de bicicleta. Pensa numa nova carreira como terapeuta ocupacional.

Ela é a Molei por quem Jeremy se apaixonou, aquela que nunca se conformava com nada que não fosse o melhor. “Simplesmente não dá para desligar essa ambição louca”, diz ele. “Não dá para passar por algo assim e ser a mesma pessoa, mas o núcleo de quem ela é continua o mesmo.”

Em fevereiro passado, dois anos depois que ela e o namorado quase morreram indo para Breckenridge, Molei chegou à cidade.

Com bastões equipados com esquis (outriggers), ela esquiou montanha abaixo, passando pela neve enquanto as árvores voavam e o rosto se corava no ar frio e delicioso.

Ela não era mais uma vítima de acidente. Era apenas Molei Wright, ao sol com o homem que amava, conquistando a montanha onde pretendera esquiar dois anos antes.

Por BILL HANGLEY JR