O poder da idade: como envelhecer brilhando

O ato de envelhecer não costuma ser encarado com bons pensamentos. Mas as histórias de Ephraim, Betty Jean e Vanier provam que ela pode ser brilhante.

Redação | 12 de Janeiro de 2019 às 14:20

Capuski/iStock -

É comum ao Dr. Ephraim P. Engleman conselhos para ter uma velhice saudável. O reumatologista americano, que atende pacientes no prestigiado centro de pesquisas que dirige na Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), completou 104 anos em março. “Escolha bem seus pais”, responde ele com um sorriso.

Com tantas outras, essa piada contém um fundo de verdade. Mas, apesar de importante, os genes não são a maior parte da história. Os cientistas afirmam que 30% da longevidade depende do DNA e 70% de outros fatores, como estilo de vida e estratégias psicológicas.

Hoje temos montanhas de dados de estudos transversais e estudos com gêmeos e idosos. Resumir numa só palavra toda a sabedoria encontrada parece loucura, mas aí vai:

Adaptação.

O ser humano precisa de desafios, o tempo todo. Quando somos desafiados, tudo em nós dura um pouco mais.

O princípio se aplica a todas as dimensões da vida, até às difíceis de medir com exames do coração ou tomografias do cérebro. Sabedoria, personalidade, espírito: seja o que for, cada uma dessas qualidades se reforça no fogo da “dificuldade quase insuperável”, do mesmo modo que o sistema cardiovascular de um maratonista ou o córtex frontal de um grão-mestre do xadrez. Quem consegue viver no que Hildegarda de Bingen, a mística do século 12, chamou de “limite verde e crescente” é jovem – não importa a data que conste em sua certidão de nascimento.

Mexa-se

Betty Jean McHugh, ou “B.J.”, fará 88 anos neste mês de novembro e é, de longe, a maratonista mais veloz do planeta em sua faixa etária: na Maratona de Honolulu de 2012, ela atravessou a linha de chegada de 5 horas e 14 minutos, batendo em quase meia hora o recorde anterior. Desde a sua primeira corrida de rua, aos 51 anos, essa mãe de quatro filhos, residente em North Vancouver, já bateu mais de trinta recordes mundiais.

Corredores mais velhos não são raros nas maratonas das grandes cidades, mas na faixa dos 80 anos seu número cai. Por motivos que os cientistas ainda não identificaram, em torno dessa idade o corpo começa a se desgastar duas vezes mais depressa: a massa muscular diminui abruptamente. Os pulmões perdem a elasticidade. As mitocôndrias – minúsculas usinas de energia das células – se degradam; os ossos se afinam e o equilíbrio falha. Mas algumas pessoas, como B.J., dão um jeito de continuar jovens mesmo diante do vento contrário. Qual o segredo de B.J.?

Para começar, é preciso determinação. As maratonas de que B.J. participa hoje são muito mais difíceis do que a primeira, há 33 anos, embora ela tenha reduzido bastante o ritmo. Por volta do 24º quilômetro, “há uma guerra em andamento na minha cabeça”, diz ela, rindo. É preciso muita força de vontade para não desistir e começar a caminhar.

Para começar, é preciso determinação.

Ela tem um certo grau de inquietude produtiva, a mesma que a fez começar a correr. Sua necessidade vital de estar em constante movimento pode ser tão importante quanto os próprios treinos. B.J. não imobiliza o corpo por longos períodos. Não fica sentada muito tempo sem mudar de posição. O televisor nunca é ligado antes do noticiário das seis. Ela prefere andar a dirigir, até mesmo para ir ao jogo de bridge, a 5 km de casa.

Cada vez mais evidências mostram que precisamos tanto de movimento quanto de exercício. Joan Vernijos, ex-diretora de ciências da vida na Nasa, sugere que o melhor exercício que se pode fazer é levantar-se com frequência. Mais uma vez, a questão é desafiar o corpo – nesse caso, com a gravidade. E levantar-se várias vezes preserva a circulação, deixando afinados os sensores da pressão arterial. Com o movimento vem a energia, e com ela, no caso de B.J., o feitiço que a torna um modelo para os outros.

“Certo dia, correndo na rua, vi um caminhão encostar”, recorda ela. “O sujeito desceu e perguntou: ‘A senhora é BJ.J. McHugh, não é?” Ela o reconheceu. Vinte anos antes, ele a parara depois de uma longa corrida e lhe perguntara a idade. Na época pareceu uma atitude grosseira, mas agora o homem sorria. E explicou: “Mudei minha vida completamente e me qualifiquei para a Maratona de Boston.”

Afie a mente

O Dr. Ephrain P. Engleman não aceita novos pacientes e começou a sugerir aos antigos que “talvez esteja na hora de pensar em outro médico”. Não, obrigado, dizem: preferem continuar com ele. Experiência e sabedoria não se encontram no Google.

Engleman, provavelmente o médico mais velho em atividade nos Estados Unidos, renovou recentemente a carteira de motorista (“estou legalizado até os 109”), mas, para atender à vontade da família, às vezes ele deixa um motorista levá-lo no percurso de 30 km até o trabalho, no Centro de Pesquisa de Reumatologia Rosalind Russeli/Ephraim P. Engleman., na UCSF, de onde é diretor e fundador. Lá, responde à correspondência, troca ideias com colegas e atende pacientes.

Engleman é um dos 15% a 25% de centenários sortudos que mantêm a lucidez. A probabilidade de apresentar demência dobra a cada cinco anos depois dos 65. O cérebro da média dos indivíduos de 90 anos tem o tamanho aproximado do de uma criança de 3. Em geral, o encolhimento acontece no córtex frontal e no hipocampo, sedes, respectivamente, do planejamento e do arquivamento de lembranças.

Pode-se desafiar o cérebro constantemente lendo, escrevendo, montando quebra-cabeças, jogando cartas, viajando, aprendendo línguas, contando histórias.

Alguns desses idosos cujos miolos ainda funcionam devem muito à “reserva cognitiva”, como dizem os cientistas cerebrais: um sistema de backup que mantém o cérebro funcionando mesmo quando a senilidade se instala. Ela é fundamental para envelhecer bem do pescoço para cima. E há algumas maneiras de aumentá-la.

Faça exercícios, de preferência vigorosos – algo que Engleman não faz. (Por causa do aumento das dores nas costas, diz: “Nem ando mais como costumava andar.”) Pode-se desafiar o cérebro constantemente lendo, escrevendo, montando quebra-cabeças, jogando cartas, viajando, aprendendo línguas, contando histórias. O “enriquecimento intelectual vitalício” parece retardar em três a oito anos o começo da deficiência cognitiva, observa Prashanthi Vemuri, principal pesquisador de um estudo da Clínica Mayo, em Rochester, Minnesota, publicado em agosto de 2014 na revista JAMA Neurology.

Diante de novidades, o cérebro é forçado a se adaptar. A incubação de novas células da massa cinzenta não tem limite etário conhecido. Portanto, além de possível, “ensinar novos truques a cachorro velho” é essencial para manter a mente afiada. Engleman, entre outras diversões não ligadas ao trabalho, é mestre de cerimônias de um clube local e escreve os próprios textos.

Estudos sugerem que tocar um instrumento desafia o cérebro e dá proteção significativa contra a deficiência cognitiva e a demência.

Ele tem outra arma secreta a seu favor: a música. Ex-prodígio do violino, toca num quarteto de câmara uma vez por semana em sua casa em San mateo, Califórnia, onde mora com a mulher, Jean, que fará 100 anos neste dezembro. “Tocar é um grande estímulo”, diz ele, “e faz muito bem à alma.”

A ciência sustenta pelo menos a primeira parte dessa declaração. Estudos sugerem que tocar um instrumento desafia o cérebro e dá proteção significativa contra a deficiência cognitiva e a demência. O Dr. Richard S. Isaacson, diretor e fundador da Clínica de Prevenção do Alzheimer, no Centro Médico Presbiteriano/Weill Cornell de Nova York, cita rapidamente seis estudos que ajudam a defender essa tese. Num deles, quatro semanas de musicoterapia aumentaram o nível de neurotransmissores na corrente sanguínea de pacientes com Alzheimer. Para ele, os dados foram tão convincentes que voltou a estudar violão e hoje toca baixo elétrico num grupo de neurocientistas chamado Os Regenerados.

Relacione-se

Na cidadezinha francesa de Trosly-Breuil, ao norte de Paris, Jean Vanier, 87 anos, leva uma vida simples. Todo dia ele percorre a pé a pequena distância entre sua casa e o lar coletivo que fundou há 51 anos. Lá, come, ri, lava louça e reza com sua “família” adotada. Essa é a primeira comunidade L’Arche. Criada com base na visão de Vanier, a entidade se baseia na ideia de que, se adultos com deficiência mental se instalassem em lares junto com não deficientes, o resultado seria uma bênção para os dois lados, que se veriam refletidos um no outro.

No passado, Vanier parecia destinado a outro tipo de vida. Depois de concluir seu doutorado sobre Aristóteles, esse canadense deu aulas de filosofia na Universidade de Toronto. Mas, com uma curiosidade espiritual não satisfeita pela academia, Vanier seguiu seu mentor, o padre dominicano Thomas Philippe, até a França e adotou uma vida de pobreza voluntária e desafios diários. “Todos nascemos com imensa vulnerabilidade. E entre uma e outra, temos de conseguir harmonia entre força e fraqueza”, ensina Vanier. Os deficientes nos dão um grande presente: eles nos ensinam a sermos humanos. Em termos mais gerais, ter de levar em conta os desejos, exigências e esquisitices dos outros põe nossa paciência à prova e, em troca, a fortalece.

“Todos nascemos com imensa vulnerabilidade. E entre uma e outra, temos de conseguir harmonia entre força e fraqueza”, ensina Vanier.

Tendemos a pensar na espiritualidade em termos de meditação ou, talvez, oração, uma jornada íntima particular. para Vanier, essa é apenas metade da história. Na verdade, numa fase da vida em que muitos começam a se fechar a experiências, ideias e pessoas novas, Vanier aconselha a se abrir. Em vez de passar os anos da velhice cimentando o próprio conforto com tribos minúsculas, devemos ampliar nossos círculos. Numa reação que poderia ser chamada de resposta adaptativa da alma, empatia gera empatia. Vanier explica: “Cresci. E ainda tenho de crescer mais para ter menos barreiras, para me abrir mais aos outros. A história não acabou. Tenho 87 anos, e a história continua.”

Em seu famoso Estudo Grante, que começou em 1938 e acompanho um grupo de alunos de Harvard pelo resto da vida, o psiquiatra George Vailant descobriu que os que sobreviveram e prosperaram até a velhice foram aqueles que, entre outras coisas, aprenderam a amar e ser amados.

Se existe receita para envelhecer bem de forma cordial, ou seja, vinda do coração, é esta: fique junto de quem tem valor para você e que lhe dá valor.

É tentador ver B.J. McHugh, o Dr. Ephraim P. Engleman e Jean Vanier como modelos de envelhecimento brilhante do corpo, do cérebro e da alma. Mas os modos de envelhecer com brilho não são mutuamente excludentes. Na verdade, esses três – assim como todos os tipos de idosos fortes e espetaculares – têm muito em comum.

Se existe receita para envelhecer bem de forma cordial, ou seja, vinda do coração, é esta: fique junto de quem tem valor para você e que lhe dá valor.

Todos têm um propósito definido que os força a se levantar da cama toda manhã. E o impulso é voltado para fora: os três se sentiram atraídos por profissões que envolvem ajudar (B.J. é enfermeira aposentada). Quando compilava dados para o Projeto Longevidade (que acompanhou mais de 1.500 americanos da infância até a senilidade ou o túmulo), o psicólogo Howard S. Friedman, professor de psicologia da Universidade da Califórnia em Riverside, descobriu um padrão: quem trabalhava mais teve vida mais longa.

E assim voltamos à velha fórmula: esforce-se, adapte-se, continue a viver. As pipas que ficam mais tempo no céu se mantêm lá pela resistência.

Por Bruce Grierson
Matéria publicada na Revista Seleções em novembro de 2015