Papai e a escova de cabelo: uma história emocionante

Mamãe queria que papai encontrasse um novo amor. Eu é que tive dificuldade com isso. Confira essa história emocionante sobre recomeço e aceitação.

Redação | 1 de Agosto de 2020 às 01:01

ilustrado por Meredith Sadler -

Foi minha mãe, Paola, que empurrou meu pai para encontrar um novo amor. Ela acabara de fazer 56 anos e seis meses tinha recebido o diagnóstico de câncer de cólon metastático.

– Anton? – disse ela àquele que era seu amor havia 40 anos.

– Diga, querida.

– Não fique muito tempo sozinho depois que eu me for.

– Mas vai demorar para você ir.

– Mas algum dia eu vou, e aí você precisa entrar num site de namoro. Lisanne pode ajudar. Encontre uma boa mulher, tudo bem? Mas me prometa uma coisa. Não saia com qualquer uma, porque é péssimo para as crianças e para as pobres coitadas.

Procure, encontre e ame

Papai trancou nos fundos da mente o conselho que só ressurgiu mais de um ano depois que minha mãe morreu. Aquele primeiro ano foi uma escuridão cerrada para todos nós – eu nem sabia o que era aquele tipo de escuridão até aquele ano.

Num sentido prático, papai se saiu bem. Sempre fora capaz de fazer seu ovo frito. Voltou a trabalhar, levava o cachorro para passear, fez aulas de tênis e, toda semana, punha tulipas roxas novas diante da foto da mulher – batom vermelho, enorme sorriso, olhos muito azuis, taça de vinho.

Depois daquele primeiro ano, as coisas clarearam um pouco. “Sou só eu ou está fazendo sol?”, perguntou papai um dia. Não era a mudança climática, nem mesmo o tempo. Era ele e um novo estágio do luto. Eu também sentira a transição da escuridão cerrada para a penumbra.

A busca por um novo amor

Então ele quis. O novo amor. Estava menos preparado do que ansioso para descobrir se ainda conseguiria amar. E realmente ele não queria passar o resto da vida sozinho. Meu irmão e eu tínhamos saído de casa anos antes para estudar, trabalhar, amar. Papai ficava sozinho todos os dias. À noite, antes de se deitar, ligava a televisão para não ouvir o silêncio.

“Se não fizer isso agora, talvez não faça nunca”, ele nos disse. Conversara com outros viúvos que tinham permanecido solteiros para sempre. E nem era tão ruim assim. Mas eles eram tristes e solitários. Afinal, um fato doloroso da vida é que nem todos os que dizem “apareço para visitar” depois do funeral realmente aparecem.

Entendemos e incentivamos, convencidos, em silêncio, de que ele não faria nada.

Mas fez.

Papai foi claríssimo: “Se não procurar o amor agora, talvez eu fique triste para sempre.”

Assim, nós o inscrevemos num site de namoro como um remédio para a dor eterna. Papai vai me matar por escrever isso, mas ele achou necessário mentir e tirar três anos da idade. E a foto que usou no perfil foi uma da qual cortara minha mãe. Se olhar com atenção, você verá algumas madeixas louras despenteadas perto do rosto dele. Eu ri disso, porque sabia que minha mãe riria.

Um início complicado

Os primeiros encontros dele foram inúteis, às vezes até engraçados. Certa vez, papai mandou mensagem para mim e meu irmão perguntando se era “muita grosseria ir embora depois da entrada”. Foi aí que lhe ensinei a primeira regra dos encontros: nunca saia para jantar no primeiro. Drinques são mais seguros.

Então Moniek apareceu, e foi a entrada, o prato principal e até a sobremesa. Ela era doce, carinhosa, loura (como mamãe), professora (como mamãe), adorava roxo (como mamãe), se vestia bem (como mamãe) e papai parecia feliz com ela (como com mamãe).

Eu lhe disse que estava feliz por ele, porque achei que devia. Amigos e parentes comentavam: “Caramba, que coisa boa para seu pai!” Mas eu não tinha tanta certeza assim do que pensar. Não tinha certeza se aguentaria ver outra mulher ao lado dele. Ainda não estava nem acostumada com o vazio que minha mãe deixara.

A paixão de papai

Quando papai se apaixonou por Moniek, meu desconforto cresceu. Durante semanas, adiei o momento em que teria de conhecê-la. Papai insistiu para que eu fosse, mais de uma vez. Queria dividir sua felicidade conosco e queria saber o que pensávamos dela.

“O que você sente é importante para mim”, disse ele. Compreendi. Eu sempre precisara da aprovação de papai para meus namorados. Assim, meu irmão e eu cedemos. Quis pedir a papai que não ficasse grudado nela na minha frente, mas não pedi. Não queria lhe negar sua felicidade.

Eles se grudaram, como eu me grudaria num novo namorado. Mas eu era jovem, e papai tinha 62 anos (ou 59, como dizia o perfil na internet). Moniek era doce, nos trouxe presentes, era interessada, mas não era mamãe.

Foi difícil. Mas houve um lado bom. Desde que mamãe morrera, todo fim de semana eu passava um dia com papai. Agora, Moniek estava lá. E eu não, o que era bom. Tinha de volta meus fins de semana.

Mas o que mais me incomodava era tê-la em nossa casa. Em nossa casa. Na cama de meus pais – a cama onde eu nascera 30 anos antes. A cama para onde meu irmão e eu fugíamos das aranhas no quarto ou dos monstros em nossa cabeça.

Sentimentos secretos

Aquela cama agora era de papai e Moniek, e lacrei o quarto como se estivesse contaminado. O lugar que antes fora o mais seguro da casa não era mais meu.

Disse a papai o que sentia.

– Compreendo – afirmou ele. – Quer que eu peça a Moniek que não venha com tanta frequência?

Sim, por favor, pensei.

– Não, é claro que não – respondi.

Eu podia lacrar o quarto, mas outros lugares era impossível evitar. Como o banheiro. Tinha pavor de entrar lá, mas era impossível não entrar.

A primeira vez que fui ao banheiro depois que Moniek começou a passar os fins de semana com papai, encontrei o seu vidro de creme na prateleira de pedra azul acima da pia.

Fiquei furiosa. Muito furiosa.

Era ali que deveria estar o creme da minha mãe! E só o dela. O que Moniek estava pensando? Que poderia tomar conta de tudo? E onde estavam as coisas da mamãe? Será que ela jogou fora?

Minha barriga deu um nó, minha respiração parou, os lábios se colaram. Abri com força a gaveta de cima da bancada, onde minha mãe sempre guardara a escova de cabelo, os elásticos – onde ficaram, intocados, até então.

Olhei para baixo.

Lá estavam. Não uma escova, mas duas. A de Moniek e a de mamãe. Como irmãs, lado a lado.


Meu pai e Moniek ainda estão juntos e nos vemos regularmente. Às vezes, ainda é esquisito, mas conversamos sobre isso. Há espaço para nosso luto de Paola e há espaço para o amor de Moniek por meu pai.


por Lisanne van Sadelhoff do livro Je bent jong and je rouwt wat

DO LIVRO JE BENT JONG AND JE ROUWT WAT, DE LISANNE VAN SADELHOFF. © 2020 LISANNE VAN SADELHOFF, DAS MAG UITGEVERS, DASMAG.NL.