Perdoar é mesmo sempre a melhor opção?

Quando nos magoamos com alguém, ainda mais se for uma pessoa querida, ter perdão pode ser uma tarefa difícil. Confira essa crônica!

Julia Monsores | 2 de Dezembro de 2019 às 19:00

fizkes/iStock -

Quando nos magoamos com alguém, ainda mais se for uma pessoa querida, ter perdão pode ser uma tarefa difícil. Porém, esse é o ensinamento que recebemos, um valor cultuado em nossa sociedade. Mas será mesmo que é sempre a melhor opção? Confira a crônica de Bob Brody abaixo e reflita!

Há alguns anos, rotineiramente, vinham do apartamento de cima pancadas e barulhos galopantes, como se bebês elefantes treinassem para a prova de 50 metros rasos. Certo dia, subi até para conferir, com toda a educação. 

– Não, ninguém aqui está fazendo barulho – disseram o marido e a mulher. – Deve ser em outro lugar do prédio. 

Duas crianças de uns 5 anos, com bolas de futebol, estavam junto aos pais. 

– Será que os seus filhos não estavam correndo por aí, talvez jogando bola? – perguntei.

– Ah, não, nunca deixamos as crianças jogarem bola dentro de casa. 

Durante meses, o padrão se manteve: as pancadas e o galope lá em cima, a visita bem-educada, a negação. Chegou o ponto de, toda vez que eu encontrava o casal, só olhava os dois fixamente, sem dizer sequer bom-dia. Quando se mudaram do prédio, o barulho sumiu.

Acho que eu poderia ter perdoado a falta de educação dos meus vizinhos e tê-los poupado do olhar fixo. Afinal, o perdão está na moda e viceja nos livros mais vendidos.

É uma ideia que já foi bem além dos líderes espirituais que afirmam que o perdão faz bem para a alma e que o rancor nos deixa amargos e hostis. Agora, a comunidade médica cita estudos demonstrando que o perdão pode impedir infartos, baixar a pressão e até reduzir a depressão. 

Veja mais: perdoar é um bom remédio – descubra o poder do perdão

Posso ser minoria, mas ainda acredito no poder curativo do rancor. Já distribuí rancores com a sensação de justiça das oportunidades iguais: contra professores e alunos, contra chefes e colegas, contra parentes e amigos.

Já decidi parar de falar com certas pessoas para sempre e, às vezes, até falei mal delas, mais por incredulidade que pela sensação de vingança. Não me orgulho nem me envergonho. Mas descobri que isso faz parte de um processo de autoconhecimento e até de autoperdão. 

Tive uma chefe que não gostou de mim desde meu primeiro dia de trabalho, embora ela mesma tivesse me contratado. Não havia queixas sobre o meu desempenho, porém mais tarde soube que ela mentia aos colegas ao meu respeito. Sem dar explicações, ela me demitiu depois de apenas dez semanas de trabalho, às vésperas do dia de Ação de Graças. Eu tinha família para sustentar. Deveria perdoá-la agora? É só me dar uma boa razão. O meu rancor contra ela equilibrou aquela injustiça, endireitou o universo. Sei que é um sinal talvez de infantilidade, mas o que fazer?

Só eu sou assim? Sob a nova ordem da absolvição absoluta, devo perdoar o primo que nos convidou para jantar só para nos empurrar produtos Jequiti? Ou o amigo que me encaminhou um cliente e depois me perseguiu durante meses querendo 10% de comissão?

“O que lamento é a propaganda do perdão. O perdão não é mais escolha, agora virou obrigação.”

Não sou contra o perdão; já perdoei muita gente por grosserias ou mal-entendidos terríveis, e sem guardar rancor algum. O que lamento é a propaganda do perdão. O perdão não é mais escolha, agora virou obrigação. Acho que perdoar de maneira tão democrática desvaloriza o ato. 

Os rancores antigos mostram que temos os nossos princípios, que temos respeito próprio suficiente para rejeitar maus comportamentos. O fato de não perdoar pode ser tão justo e honroso quanto o próprio perdão. 

No entanto, quando alguém pede desculpas com sinceridade, sem artifícios, isso faz diferença. Tive um amigo íntimo no curso secundário que se afastou de mim após a faculdade e, depois, me evitou durante décadas. Na reunião de 15 anos de formados, consegui lhe perguntar por quê. Ele disse que sempre fiz com que se sentisse inferior, como se ele me insultasse. E tinha razão: eu zombava dele – para mim, com bom humor –, até que ele se afastou. 

Cara a cara, na nossa reunião, pedi desculpas. Ele se recusou a aceitá-la. Sei como é não ser perdoado. E quer saber? Eu bem que mereci…