Recordações de uma visita à casa de Madre Teresa

O emocionante relato de uma jornalista indiana de seu encontro com a Madre Teresa de Calcutá, em 1989.

Redação | 8 de Abril de 2019 às 09:00

annegeorg/iStock -

Canonizada em 2016, Madre Teresa de Calcutá tem devotos pelo mundo inteiro. Confira o emocionante relato de uma jornalista indiana de seu encontro com a Madre:

Aguardo num banco de madeira no pátio aberto de uma antiga casa de Kolkata.

Faz calor nesta manhã de verão, e a meu lado há uma moça loura de 20 e poucos anos. Ela tenta ler um livro, mas parece distraída. O silêncio é quase total à nossa volta. “Nem acredito que estou aqui”, diz a moça a meu lado. Estamos na casa onde mora Madre Teresa.

É 1989, e estou cursando o último ano da faculdade. Uma amiga precisa de alguns documentos da casa número 54A da Rua AJC Bose, na qual reside a famosa fundadora da ordem das Missionárias da Caridade (M.C.). Minha amiga está fazendo uma reportagem sobre ela e precisa urgentemente dos documentos para a pesquisa, mas hoje tinha outro compromisso. Como a Casa da Madre fica perto da universidade, me ofereci para ajudar.

Encontro uma freira de sári branco com bordas azuis na secretaria das M.C. Ela precisa de algum tempo para reunir os documentos e me pede que espere no pátio. É ali que conheço Sharon, estudante de Minneapolis, cidade do Meio-Oeste americano. Sharon passou a infância lendo sobre Madre Teresa e sonhando em encontrá-la um dia. Começou a economizar a mesada e o salário dos empregos de verão para a viagem à Índia. Decidiu que conheceria Madre Teresa e seria voluntária nas M.C. quando tivesse dinheiro para a passagem de volta.

E aquele era o dia.

Pouco antes, Sharon tinha começado a trabalhar como voluntária no Nirmala Shishu Bhavan, o orfanato das M.C., na mesma rua. Hoje lhe tinham concedido uma audiência com a mulher que a comovera com sua bondade.

– Esse é meu sonho – diz ela, baixando a voz, na qual sinto a empolgação da moça. – Você já a viu? – pergunta, supondo que também aguardo a vez de conhecer Madre Teresa.

– Não tive oportunidade – respondo.

Ela parece surpresa, e entendo por quê. Sempre morei nesta cidade que Madre Teresa adotou como sua, na qual construiu uma instituição que salvou milhões, lhes deu uma vida decente ou dignidade na morte. Este é o lugar de onde ela inspirou milhões de pessoas a serem voluntárias e fazerem doações à sua causa. Eis aqui uma mocinha americana que viajou milhares de quilômetros para vê-la. E eu, eu estou aqui o tempo todo.

É claro que Madre Teresa também já teve seu quinhão de críticas, geralmente de quem vê um “plano” por trás da ajuda aos pobres. Mas não foi por isso que não tentei.

Li sobre seu trabalho e a vi na televisão. Mas nunca me passou pela cabeça vir visitá-la.

– Acha que me deixarão vê-la se eu pedir? – Olho Sharon, como se pensasse em voz alta.

– Você devia tentar, já que está aqui – diz ela com um sorriso largo.

Volto à secretaria onde a freira que me recebeu antes parece ser a chefe.

– Já estamos quase terminando, querida. Você terá tudo daqui a alguns minutos – informa ela.

– Muito obrigada, irmã, mas tenho um pedido a fazer – digo, hesitante.

As freiras da Casa da Madre ouvem esse pedido com tanta frequência que ela não se surpreende nem um pouquinho quando pergunto se posso ver Madre Teresa rapidamente.

– Você está com sorte, ela só tem uma visita esta manhã – responde a freira com um sorriso. – Mas terá de me prometer uma coisa.

– Claro.

– Ela está se recuperando de uma doença e anda muito fraca. Adora conhecer pessoas e conversar, mas não a deixe falar demais. Tudo bem?

Faço que sim vigorosamente, incapaz de conter minha empolgação. É claro que li sobre a doença de Madre Teresa nos jornais. Ela teve um problema cardíaco grave e estava se recuperando em casa.

– Vamos chamá-la quando chegar sua vez – diz a freira.

Volto ao pátio e dou a notícia a Sharon. Espontaneamente, batemos as mãos abertas; dali a instantes, ela é chamada. Enquanto espero, tento pensar em algo importante para dizer a Madre Teresa nos dois minutos que terei com ela. Naquela época não havia selfies para preencher o espaço entre as pessoas. Não faço ideia de quanto tempo passei deixando a mente divagar, mas de repente percebo que Sharon voltou.

– Como foi? – pergunto, empolgada.

Mas, antes que ela responda, chega minha vez.

– Espero você aqui – diz Sharon quando me afasto.

Outra freira das M.C. me dá informações enquanto me leva pela escada até o primeiro andar. Madre Teresa está caminhando na varanda.

– Por favor, seja breve. O médico pediu que ela não se cansasse – avisa a freira, preocupada.

Vejo-a quando chego ao fim da escada e começo a andar em sua direção.

Ela parece mais encolhida e curvada do que nas fotos. Anda devagar, com um rosário nas mãos.

Agora estou diante de Madre Teresa. Seus olhos cintilam e se franzem quando ela me sorri com bondade.

– Como vai a senhora? – pergunto. Ela se aproxima, me olha e sorri.

– Deixe-me abençoá-la, minha menina – diz, com voz fraca.

Quando a palma de sua mão pousa em minha cabeça, sinto um leve arrepio me percorrer o corpo. Fico um pouco espantada. Fito seu rosto gentil e uma onda quente me inunda quando ela me olha nos olhos. Vejo que as lágrimas rolam pelo meu rosto enquanto sinto a palma de sua mão em minha cabeça. Não sei direito como descrever, mas nunca me senti daquele jeito. Quero falar, mas a língua está presa. Não consigo entender essa experiência tão forte. Madre Teresa me abençoa em silêncio e, quando termina, estendo a mão para pegar a dela. É frágil e fria, e ela me permite segurá-la um instante.

– Obrigada – consigo dizer.

Percebo que meu tempo acabou, dou meia-volta e desço os degraus.

Sharon me espera no banco. Não falamos nada. Passaremos o resto do dia relembrando nossa experiência. Nós duas ficaremos amigas, e ela me inspira a ser voluntária no orfanato da mesma rua até começar minha carreira de jornalista. Trocaremos cartas nos próximos anos até a vida se intrometer. Até eu perder seu endereço quando me mudar para Nova Délhi.

Mas, agora, prolongamos esse momento. Nosso abraço é rápido mas espontâneo, as duas emocionadas com a experiência. Ficamos algum tempo sentadas no banco sem nada dizer. Somos desconhecidas com um mundo de distância entre nós, unidas por um momento. O momento em que Madre Teresa tocou nossas vidas e nos abençoou.

Por SANGHAMITRA CHAKRABORTY