“Reencontro com minha mãe”: a história de Joel e Linda

Trinta anos depois, Joel de Carteret retorna às Filipinas para tentar o impossível: encontrar sua mãe biológica.

Douglas Ferreira | 9 de Maio de 2020 às 11:00

JOEL DE CARTERET/Cortesia -

“Não acredito! Não pode ser!”, diz Joel de Carteret quando um feirante do movimentado Mercado Munoz, na Grande Manila, lhe dá a incrível notícia. Joel, de 35 anos, sente o coração bater como um tambor, e gotas de suor correm pela testa quando o feirante lhe dá a informação que ele procura há tanto tempo: “Acho que sei quem é sua mãe e onde ela está.”

A partir desse momento, Joel percebe que sua vida nunca mais será a mesma.

Trinta anos depois de ter sido adotado por uma família australiana e criado em Melbourne, Joel de Carteret voltou ao país onde nasceu. Está numa busca aparentemente impossível: encontrar sua mãe biológica.

Embora não saiba o nome dela nem se lembre de seu rosto, está decidido a achá-la. Ele passou boa parte do último mês nas Filipinas, procurando incansavelmente, mas sem sucesso, pistas da identidade da mãe.

Amigos e parentes na Austrália lhe disseram que havia pouca probabilidade de localizar sua mãe depois de tantos anos. Muitos, principalmente a mãe adotiva, Julie de Carteret, se preocuparam com ele, explicando: “Isso só vai partir seu coração.”

No entanto, a ideia de encontrar a mãe filipina consumiu Joel por décadas.

“Tenho de fazer isso”, dizia ele com frequência. “Devo isso à minha mãe biológica. Ela deve ter sofrido muito quando me perdi.” Internamente, ele também sentia que precisava encontrá-la para descobrir aquela parte dele que “ficou sumida todos esses anos”. Mas Julie tentou dissuadi-lo.

Recentemente, num restaurante de Sydney, quando Joel lhe contou que planejava visitar as Filipinas para tentar encontrar sua mãe biológica, Julie argumentou:
– Mas você não sabe o nome de sua mãe, a data de seu nascimento nem onde morava.

Enquanto o garçom enchia os copos com água, ela continuou:
– Você também não sabe onde sua mãe pode estar. Estará viva? Como a encontrará?

Julie piscou para esconder uma lágrima e sentiu o coração se apertar quando Joel respondeu:

– Eu sei, mãe. Mas tenho de tentar.

Julie insistiu, na esperança de evitar que o filho sofresse uma decepção. Inclinou-se sobre a mesa e perguntou:
– Como vai se sentir se não a encontrar? Conseguirá seguir com a vida se não achar nada?

Joel fez uma pausa, levou à boca uma garfada de salada e olhou Julie nos olhos antes de explicar:
– Entendo o que está dizendo, mãe. Mas tenho de fazer isso. Tenho de descobrir quem sou e de onde vim.

Algumas semanas depois, Joel ligou para Julie enquanto esperava o voo que o levaria Manila e ao início da busca.
– Estou indo, mãe – disse ele. – Pode me desejar boa sorte?

Julie engoliu as lágrimas e disse:
– Amo você, Joel. Boa sorte. – Mas eram poucas suas esperança de que ele encontrasse a mãe biológica. Agora, depois de anos de dúvidas – e semanas de busca desesperada por uma mulher de quem mal se lembrava, num país cuja língua ele não falava, Joel tem certeza de que conseguiu encontrar a agulha no palheiro. Graças a um desconhecido bem-intencionado, Joel está prestes a se reunir com sua mãe biológica há tanto tempo perdida.

Foto de Joel aos 5 anos tirada quando chegou ao orfanato. Ele foi adotado 18 meses depois.

Três décadas antes, na manhã de 25 de julho de 1985, Linda Rio olhou o filho de 5 anos, que dormia profundamente na casa modesta de cidade Quezon, no limite da grande Manila.

“Vou deixar que durma”, pensou ela enquanto observava o peitinho do filho subir e descer. A mãe solteira pegou a bolsa e saiu para o trabalho como costureira de uma fábrica de roupas próxima, deixando o filho na companhia de uma colega de quarto.

Cerca de uma hora depois, ele acordou, pulou da cama e começou a procurar “Ma”. Vasculhou a casa e, como não a encontrou, entrou em pânico. Aquilo não era coisa dela; todo dia, os dois iam juntos para o trabalho, pegando os coloridos jeepneys que faziam o transporte público.

Quando percebeu que a mãe saíra, o menino correu para a rua atrás dela. Desviando-se de desconhecidos, cães de rua, jeepneys e caminhões de entrega que enchiam a rua movimentada, ele a procurou por toda parte. Mas a mãe não estava em lugar nenhum. Os olhos do menino estavam cheios de lágrimas enquanto ele perambulava pelas agitadas ruas secundárias de Cidade Quezon. “Ma!”, dizia consigo. “Cadê você?”

Finalmente, chegou ao imenso e apinhado Mercado Munoz, onde caminhou por corredores lotados, com centenas de vendedores anunciando de tudo, de frango recém-abatido e peixe recém-pescado a leitões que guinchavam amarrados. O caos de sons e imagens – as imensas facas brilhantes que picavam comida e os fregueses gritando pedidos aos vendedores, além do aroma pungente, geralmente doce demais, da comida à venda – atacou seus sentidos.

Jo-Jo, aos 5 anos, começou a busca frenética pela mãe nas ruas movimentadas junto ao Mercado Munoz.

Ele começou a chorar enquanto andava sem rumo pelos corredores cheios, de sandálias de dedo, bermuda e regata, com esperança de avistar a mãe. Depois de horas de procura, penetrando cada vez mais no labirinto do mercado sem sinal de Linda, o menino miúdo e tímido de 5 anos percebeu que ela sumira e, assustadoramente, que agora ele estava perdido.

Um motorista local de jeepney chamado José Manselo avistou a criança, que chorava, encolhida como uma bola, nos fundos do mercado cavernoso. Na mesma hora, soube que havia algo errado, mas o menino, assustado demais, só dizia que estava perdido. Manselo o levou para casa e, depois, à delegacia de polícia. Porém, o máximo que o pequeno apavorado conseguiu dizer à polícia foi que “Ma” era costureira e “Papa”, motorista de jeepney.

Enquanto isso, Linda foi almoçar em casa e ficou chocada ao descobrir que o filho não estava lá. Olhou o bairro todo e voltou correndo à fábrica, pensando que talvez ele tivesse ido lá procurá-la. Mas ninguém o vira. Ela e várias amigas procuraram o menino por toda parte, e ela acabou tirando licença do trabalho para procurar o filho em tempo integral. Foi às estações de rádio locais, implorando aos ouvintes que ajudassem a encontrá-lo. Mas ninguém vira o menino de 5 anos.

Semanas e meses se passaram sem notícias. Era como se ele tivesse simplesmente evaporado.

São altos como árvores. Parecem fantasmas brancos, pensou Joel ao erguer os olhos para as figuras grandes e branquíssimas de George e Julie de Carteret, no orfanato RSCC, em Manila, para onde fora levado um ano e meio antes.

O casal australiano fora ao orfanato filipino conhecer Joel porque tinha interesse em adotar. Julie não conseguia engravidar, e ela e George estavam desesperados para ter uma família.

Joel não sabia dizer o nome da mãe, e, como ninguém aparecera para buscá-lo, o menino foi tido como “encontrado” – “filho de pais desconhecidos” com grave desnutrição. Então, depois que os assistentes sociais esgotaram todos os métodos conhecidos para encontrar seus pais, ele foi declarado “abandonado”. Agora estava disponível para adoção.

A princípio, ele se encolheu atrás da assistente social do orfanato, mas logo se sentiu à vontade com George e Julie. Eles tinham olhos muito bondosos, e sua voz calma e calorosa o relaxou. Quando a assistente social perguntou se queria ir para a Austrália, Joel imediatamente fez que sim com a cabeça. Depois de um ano e meio de solidão, voltaria a ter um lar e novos pais amorosos – e muito altos.

Depois de instalado em seu novo lar em Melbourne, Joel desabrochou. Embora não soubesse falar uma palavra de inglês, logo fez amizade com as crianças da rua, adorava jogar críquete e aprendeu inglês assistindo à televisão australiana. Julie costumava maravilhar-se observando o filho ver um popular programa noturno de perguntas e respostas e repetir muitas palavras aleatórias que ouvia o apresentador dizer.

No primeiro ano de escola, ele se apresentava com dificuldade mas com determinação toda vez que tinha de falar diante da turma, vasculhando corajosamente a memória atrás da palavra certa diante dos colegas.

Certa vez, a professora disse a Julie: “Joel é um menino muito determinado!”

Julie e George se emocionaram com a adaptação de Joel ao novo lar e ao modo de vida australiano, tão diferente da vida nas Filipinas. Ainda assim, havia pistas de que algo fervia por trás do exterior sorridente. Certo dia, uns seis meses depois de ir para a Austrália, Joel perguntou a Julie: “Quando vou ficar branco?” Ela descobriu que ele esperava que sua pele branqueasse “magicamente” depois de morar algum tempo na Austrália.

Outra vez, quando tinha 10 anos, Joel entrou na cozinha enquanto Julie preparava o jantar e perguntou: “Então, quando vamos procurar minha mãe?” Julie se espantou, mas se sentou com Joel e disse, delicadamente, que, por mais que quisesse desejasse uma situação diferente, nem ela nem a agência de adoção em Manila sabiam o sobrenome de Joel, o nome de sua mãe nem onde ela morava.

“Desculpe, querido”, disse ela enquanto segurava suas mãozinhas morenas. “Mas não há como encontrarmos sua mãe. Gostaria que pudéssemos, mas simplesmente não é possível. No entanto, uma coisa posso lhe dizer: ela o amava muito.”

Linda nunca desistiu de procurar o filho. Mas as visitas ao barangay (agência local do governo) e à polícia, os anúncios nas estações de rádio de Manila, sua busca constante, nada deu frutos. Ela chegou a distribuir folhetos com a foto de Joel, a legenda “Menino Desaparecido”, seu endereço e os contatos do barangay. Nada.

Aonde quer que fosse, ela examinava o rosto das crianças, perguntando-se se alguma delas seria seu filho há tanto tempo perdido. Os aniversários eram muito difíceis. Todo ano, Linda convidava parentes e amigos para comemorar o aniversário de Joel e rezar por ele enquanto comiam seu prato preferido: porco assado com macarrão chinês. Todo aniversário incluía risos e lágrimas. “Onde quer que ele esteja”, disse ela à irmã num dos aniversários de Joel, “sei que está num bom lugar.”

Joel na Austrália com Julie, a mãe adotiva, e Grace, a irmã nascida depois de sua adoção.

Ela pendurou a foto do filho na porta do armário para que fosse a primeira coisa que visse toda manhã ao acordar. Linda também guardou sua bicicleta na fábrica de roupas, e pensava nele toda vez que a via encostada na parede. Ele adorava pedalar enquanto ela trabalhava, e certa vez ela disse a uma colega: “Vou esperar pelo dia em que ele vai voltar para andar de bicicleta outra vez.”

Durante os anos passados na Austrália, Joel pensava com frequência na mãe biológica e se perguntava o que havia acontecido tantos anos atrás. Ele se lembrava de seu sorriso amoroso e do modo como ela limpava suas lágrimas com um lenço quando ele chorava. Então, pensamentos mais sombrios surgiam. Às vezes ele se perguntava se fora abandonado, e certa vez indagou a um amigo: “E se minha mãe não queria nada comigo e me deixou no orfanato?”

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Em 2000, Julie levou Joel, então com 18 anos, e a irmã Grace, filha de Julie e George nascida depois que adotaram o menino, às Filipinas, onde viajaram pelo país e visitaram o orfanato em que ele havia morado cerca de 16 anos antes.

Embora estivesse empolgado e chegasse às lágrimas ao visitar seu antigo lar, ele desanimou ao descobrir que os assistentes sociais de lá nada sabiam sobre seus pais nem onde ele poderia ter morado. Joel quis voltar ao Mercado Munoz, onde fora encontrado por Manselo, o motorista de jeepney, mas Julie achou que era uma área muito violenta, perigosa demais para visitar. Joel discutiu, mas Julie bateu pé e lhe disse outra vez: “Não é seguro, filho!”

No entanto, os três examinaram a lista telefônica, procurando um “Manselo”. Nada. Depois, Julie disse a Joel: “Sinto muito. Não sei mais onde poderíamos procurá-lo.” Ela viu como Joel estava desapontado, mas pensou: Talvez agora ele perceba como seria difícil e infrutífero continuar procurando sua mãe biológica.

Mas essa primeira visita ao país natal também foi muito emocionante. Cercado por pessoas de pele acastanhada que se pareciam com ele, Joel disse a Julie durante a viagem: “Pela primeira vez na vida, realmente sinto que me encaixo em algum lugar. Todo mundo é igual a mim.” Seus olhos se encheram de lágrimas, e, mesmo com um nó na garganta, ele continuou:

“Mãe, aqui não sou estrangeiro.”

Uma visita a um orfanato da Tailândia em 2015 ajudou a convencer Joel, então documentarista experiente de 34 anos, a procurar a mãe biológica. Enquanto filmava o orfanato para uma instituição de caridade sediada na Austrália, um menininho se aproximou dele e segurou sua mão. Devia ter 5 ou 6 anos, a mesma idade de Joel quando chegara ao orfanato de Manila. O menino tailandês puxou Joel pela mão e o levou ao dormitório para mostrar com orgulho a cama onde dormia.

Enquanto o órfão de cabelo desgrenhado lhe mostrava os poucos brinquedos que possuía, Joel foi inundado por lembranças. Eu dormia numa cama assim, pensou enquanto escutava o menino falar em tailandês. Ambos perdemos nossos pais. Será que…

No voo de volta à Austrália, ele não conseguia tirar da cabeça o pequeno órfão tailandês. Mais tarde, admitiria:

“De repente, eu percebi que precisava responder a muitas perguntas. Quem eu sou? De onde vim? Eu sabia o que tinha de fazer.”

A temperatura na manhã de dezembro de 2016 é amena, e Joel chega ao mercado Munoz de Cidade Quezon, o mesmo onde se perdeu – e foi resgatado – trinta anos antes. Ele está de volta às Filipinas com uma equipe de filmagem, um intérprete e um sonho: encontrar a mãe biológica.

Enquanto anda pela caótica coleção de barracas de comida e mercadorias, ele e seu intérprete mostram uma foto de Joel aos 5 anos ao máximo possível de pessoas, perguntando: “Menino perdido? Conhece alguém que perdeu um menino de 5 anos em 1985? Menino desaparecido?”

Todos fazem que não e se afastam.

Joel mantém contato com Julie, afirmando-lhe que o Mercado Munoz é seguro e que, “igualmente importante”, ele sente que “se encaixa”. E diz:
– Eu posso não falar a língua, mãe, mas pelo menos me pareço com todo mundo aqui. E todos tentam me ajudar. Portanto, não se preocupe comigo.

Julie fica aliviada ao saber que Joel está em segurança e feliz porque ele está formando um vínculo com o país onde nasceu.
– Cuide-se – diz ela.

Joel cola por toda parte os folhetos com sua foto e o título “Você o conhece?”, em inglês e filipino, e um telefone local para contato. Na esperança de obter ajuda das estações de rádio e televisão de Manila, Joel bate às portas para contar sua história, mas é recusado. “Há muitas crianças perdidas e muitas histórias”, ouve várias vezes dos meios de comunicação.

“Sentimos muito. Boa sorte.”

Sem desanimar, Joel e sua equipe continuam voltando ao mercado, interrogando incontáveis vendedores, procurando alguém que trabalhasse no Mercado Munoz décadas atrás. Depois de dias de respostas negativas e pistas falsas, de repente Joel e sua equipe ouvem falar de um vendedor que está há anos no mercado. Ele liga para Julie: “Mãe, essa pode ser a pista que estávamos esperando!”

Eles procuram o homem, Badan Pisngot, que confirma que vende utensílios domésticos no mercado em
sua modesta barraca desde a década de 1980. Joel lhe entrega o folheto que mostrou a tanta gente, e seu intérprete pergunta se ele sabe alguma coisa sobre o menino da foto.

“Não”, responde o homem, balançando a cabeça. “Não reconheço o menino.” Mas Joel insiste com o intérprete para continuar interrogando o homem.

Finalmente, depois de mais alguma insistência, Pisngot se lembra. “Sim… havia uma mulher que morava aqui perto e perdeu o filho na década de 1980. Ele tinha uns 5 ou 6 anos, acho.” Joel começa a tremer quando ouve isso. Mas o grisalho Pisngot reluta em revelar detalhes e volta a arrumar as panelas, vasilhas e baldes plásticos de sua barraca. O intérprete aconselha Joel a ir embora, temendo ofender Pisngot.

Depois de algumas visitas de Joel nos 15 dias seguintes, Pisngot solta a bomba: “Acho que sei quem é sua mãe… Ela se chama Vicky.” Naquela noite, Joel liga para Julie em Melbourne e lhe diz: “Acho que a encontrei!”

No dia seguinte, quando Joel encontra Vicky, ela se mostra cautelosa até ele apresentar uma foto sua e de mais 12 meninos, tirada no orfanato, em 1985. Vicky aponta Joel na foto e começa a chorar e soluçar. “É Dante! É meu Dante!”, exclama, em prantos. Joel a abraça, e mãe e filho seguram um ao outro com força enquanto as lágrimas correm. “Dante”, murmura ela entre lágrimas. “Meu Dante.”

Ela está convencida de que Joel é seu filho Dante, desaparecido perto do Mercado Munoz muito tempo atrás.

Ela enxuga as lágrimas e aponta seu nariz, depois o nariz de Joel, ri e diz: “Igual. Igual!”

Joel se encontra numa montanha-russa emocional. Contra todas as probabilidades, ele localizou a mãe biológica e, pela primeira vez na vida, está no caminho de responder à pergunta que tanto o incomoda: “De onde vim?”

Ele liga para Julie e lhe dá a boa notícia:
– Acho que a encontrei!
A princípio sem fala, Julie ri e diz a Joel:
– Se eu soubesse que seria tão fácil, teria voltado com você anos atrás!
– Mãe, eu precisava fazer isso sozinho – diz Joel.
Julie, lembrando que Joel sempre foi determinado, responde:
– Eu sei, Joel. Estou muito orgulhosa de você.

Então, surge uma questão. Durante o primeiro encontro, Vicky menciona que Dante nasceu em 1983 e desapareceu cerca de seis anos depois. Joel fica aturdido. Ele nasceu em 1980 e, de acordo com os registros do orfanato, se perdera em 1985. Será que Vicky se enganou com as datas? Ele diz a si mesmo que determinar datas nas Filipinas pode ser complicado e que ela poderia ter se enganado. Além disso, Vicky se parece muito com ele. No entanto, embora tenha muita confiança de que finalmente encontrou a mãe biológica, Joel precisa estar 100% certo. Ele lhe pede um exame de DNA.

Semanas depois, o resultado do exame chega do laboratório no Japão. Nervoso, Joel abre o laudo do laboratório e examina rapidamente o pé da primeira página. Diz: “Probabilidade de parentesco: 0%.” Vicky não é sua mãe biológica.

A dura realidade atinge Joel e Vicky com força. Como ele dirá mais tarde: “Eu queria tanto acreditar… Fiquei arrasado.”

Vicky também. Ela desmaia nos braços dele quando ouve o resultado. Ele acaricia amorosamente o cabelo dela e também decide, no mesmo momento, prosseguir em sua busca. Na verdade, depois de chegar tão perto, agora ele está mais decidido do que nunca a continuar procurando a mãe. “Preciso fazer isso”, confessa a um amigo.

Ele telefona a Julie para dar a notícia e diz simplesmente: “É negativo.” Ela fica arrasada por Joel. Sempre teve medo de que ele sofresse tentando encontrar a mãe biológica e quer convencê-lo a voltar para casa. Mas sabe que não deve. Joel sempre foi persistente, desde que era aquele menininho de pele morena que, aos 5 anos, se esforçava para aprender inglês. Ela sabe que o filho não desistirá tão facilmente da busca.

Ao telefone com Joel, embora saiba o que ele vai dizer, ela pergunta:
– E o que acontece agora, Joel? Sem hesitar, ele responde:

– Sabe, tenho de sair por aí e começar a procurar outra vez.
– Eu sabia que você diria isso – conclui Julie.

Embora fosse rejeitado muitas vezes pelos meios de comunicação das Filipinas, depois que os produtores da GMA, uma das maiores redes de rádio e televisão do país, souberam que ele podia estar perto de localizar a mãe biológica, a emissora passou a acompanhar sua história. Joel foi convidado a contar sua busca no rádio. Ao saber que Joel localizara Vicky, uma equipe de filmagem do programa Kapuso Mo, Jessica Soho [“Um só coração, Jessica Soho”], estrelado pela equivalente filipina da americana Oprah Winfrey, começou a trabalhar num documentário televisivo em três capítulos. Intitulava-se “A Busca de Jo-Jo”, um apelido local comum.

A cobertura da mídia chegou bem na hora. Joel e sua equipe reviraram tudo no Mercado Munoz e no bairro vizinho, mas, agora que o exame de DNA de Vicky deu negativo, eles estavam ansiosos por uma plataforma nacional mais ampla para divulgar sua história.

Joel aproveitou a oportunidade de contar e recontar sua história. Cooperou com a equipe de Jessica Soho e lhes ofereceu algumas gravações feitas por sua própria equipe desde que estavam nas Filipinas. Ele participou de um popular programa de rádio matutino apresentado por Mike Enriquez, vice-presidente da GMA, e contou como tentava encontrar a mãe biológica. A esperança de Joel era que alguém que escutasse suas entrevistas no rádio ou assistisse ao documentário no programa de Jessica Soho pudesse ajudar.

E alguém viu.

Espantosamente, Linda, que ainda comemorava o aniversário do filho todo ano e nunca parou de rezar para que estivesse em segurança, assistiu ao primeiro episódio do documentário sobre a busca de Joel em sua casa na Cidade Quezon. Ficou fascinada com a história do menino perdido, mas também a achou dolorosa, pois trouxe muitas lembranças de sua própria perda.

Quando viu que o rapaz que falava inglês no documentário, mais ou menos com a mesma idade de seu filho há tanto sumido, encontrara a mãe biológica, ela desligou a tevê. Mais tarde, confessaria: “Fiquei com tanta inveja e tristeza ao mesmo tempo que não consegui mais assistir ao programa. Aquela mãe achara o filho, mas o meu continua sumido.” Ela não soube que o exame de DNA de Vicky deu negativo e que Joel ainda procurava a mãe.

A Rede GMA foi inundada de e-mails depois da transmissão do primeiro episódio do documentário sobre Joel. A maioria era de pessoas desejando boa sorte ou solicitando ajuda para localizar outras crianças há muito desaparecidas. No entanto, um e-mail chamou atenção de um dos produtores do programa. Dolly Arcaido, emigrante filipina que se mudara para o Japão, assistiu ao primeiro episódio do documentário na TV a cabo, e ele lhe trouxe lembranças. Ela explicou que sua mãe tinha uma amiga que morava em Cidade Quezon, não muito longe do Mercado Munoz. O filho de 5 anos dessa mulher desaparecera mais ou menos na mesma época que Joel. Segundo Dolly, o nome da mulher era Linda.

Por e-mail, ela mandou à rede de TV fotos de Linda e do filho no início da década de 1980 e acrescentou detalhes espantosos. Disse que Linda era costureira e que o homem que namorava depois que o marido a abandonara era motorista de jeepney. Não fazia ideia de onde Linda morava agora, mas também disse que o nome do menino era “Joel”, um nome comum nas Filipinas.

Quais eram as probabilidades de que Linda pudesse ser a mãe biológica de Joel? Será que, como tantas outras, essa pista também levaria a um beco sem saída?

Quando viu as fotos e soube o que Dolly dissera, Joel ficou todo arrepiado. “Qual é a probabilidade?”, perguntou ele à equipe. “Ela se parece comigo, era costureira e o nome do filho era Joel!” Mas ele logo se acalmou, lembrando-se de como ficara desapontado com o exame de DNA negativo de Vicky. Dessa vez, prometeu ir mais devagar e manter as emoções sob controle. Como disse, “não quero aumentar a minha esperança para vê-la em pedaços outra vez”.

No entanto, depois que recebeu a foto da mulher com o filho pequeno, Julie não teve nenhuma dúvida. Ela mandou um e-mail a Joel: “É você, Joel! Eu o reconheceria em qualquer lugar! Não pode ser mais ninguém.” A busca recomeçara.

Portando a fotografia de Linda com ele no colo três décadas antes, Joel voltou às ruas da Cidade Quezon que já tinha percorrido. “Conhece esta mulher?”, perguntava a todos que encontrava. “Seu nome é Linda.”

Ele voltou ao Mercado Munoz e mostrou as fotos aos feirantes. Ninguém reconheceu a mulher de vinte e poucos anos ali retratada. Joel percebeu que tanto tempo se passara que a probabilidade de alguém reconhecer Linda era pequena. Mas continuou mostrando a fotografia.

Linda, cercada de amigas, segura Joel, com 3 anos, no colo, na casa onde moravam.

Sem desanimar, voltou ao rádio e contou sua história várias e várias vezes, perguntando se alguém sabia ou se lembrava de algo sobre Linda. No programa de rádio de Mike Enriquez, falou diretamente com Linda: “Aqui é Joel, seu filho que desapareceu em 1985. Só quero encontrar você, saber quem você é e lhe dizer que, no fim das contas, tudo deu certo comigo.”

Ele falou de forma comovente no programa nacional de TV de Jessica Soho, novamente se dirigindo à mãe perdida havia tanto tempo: “Não importa o que aconteceu no passado. Espero que possamos pôr tudo isso de lado e só refazer o contato. Quero que saiba que fui abençoado.” Ele piscou para afastar uma lágrima e acrescentou: “Não posso continuar vivendo sem saber se você existe.”

Ele seguiu as poucas pistas que apareceram. Uma dizia que Linda fora avistada morando numa ocupação no Cemitério Norte de Manila, em La Loma, um local sabidamente perigoso. Joel, sua equipe e um grupo de seguranças passaram dias percorrendo o cemitério e perguntando em vão se alguém tinha visto Linda.

Numa de suas entrevistas, ele terminou a mensagem a Linda dizendo: “Eu adoraria encontrá-la, e estou rezando para que você também queira me encontrar.”

Depois que pistas e mais pistas não deram em nada, a dúvida começou a se infiltrar na mente de Joel. E se Linda me abandonou? E se ela não tem nenhum interesse em me encontrar?, perguntava-se. Ou será que está por aí, vivendo na miséria? Estará morta? Ele lutou contra esses pensamentos sombrios, tentando se manter positivo, alimentando a esperança impossível de que acabaria localizando a mãe.

Enquanto dirigia pelas ruas movimentadas num subúrbio de Manila, desviando-se de jeepneys e pedestres, ao volante do pequeno caminhão para fazer uma entrega, Amado Rio escutava no rádio o programa matutino de Mike Enriquez. Ao ouvir Joel contar sua história sobre a busca de Linda e as guinadas e becos sem saída que tinha encontrado em Manila, ele se lembrou de repente que a esposa Herminia, com quem se casara fazia 25 anos, poderia ser a mulher que Joel procurava. Ele sabia que ela perdera um filho décadas atrás, antes de se conhecerem. Mas quem seria “Linda”?

Amado hesitou em mencionar à esposa a história de Joel. Ele recordava que, recentemente, ela havia ficado muito nervosa assistindo ao documentário da GMA sobre um menino perdido que encontrara a mãe natural. Ele se lembrou até que ela desligou o aparelho antes do fim do programa. Ainda assim, na manhã seguinte, ele lhe perguntou:}
– Você já se chamou Linda?
– Sim, muito tempo atrás – respondeu ela.

Amado fez uma pausa, foi até Herminia, segurou sua mão e disse:
– Acho que o seu filho está à sua procura.

É um pouco mais de onze da manhã de 9 de fevereiro de 2017, e Herminia Rio passa pelas ruas engarrafadas de Cidade Quezon numa van enviada pela Rede GMA. Ela não conseguiu dormir nas últimas 24 horas, desde que entrou em contato com a rede e lhes disse que era “Linda”, a mulher misteriosa da fotografia.

Quando os produtores da tevê foram à sua casa e lhe mostraram uma foto de Joel com 5 anos, ela caíra em prantos.“Meu Joel”, foi tudo o que conseguira dizer a princípio. Então, depois de lhes mostrar outras fotos dela e de Joel no início da década de 1980, ela os convencera de que era a mãe biológica de Joel. Entre soluços, perguntara:

“Onde ele está? Quero abraçá-lo!” Agora ela vai falar com o homem que tem certeza que é seu filho perdido. Quando a van dobra a esquina onde ela deverá encontrar Joel, ela se desfaz em lágrimas novamente. “Por favor, me dê um minuto”, pede a um dos produtores. “Preciso parar de chorar.”

Alguns minutos depois de enxugar os olhos e respirar fundo para se acalmar, ela avista Joel em pé na esquina. Ele a aguarda, cercado por uma equipe da tevê e transeuntes interessados.

Joel com Julie e Herminia. Julie contou a Herminia a vida de Joel na Austrália.

Mesmo de longe, ela o reconhece instantaneamente.“É Jo-Jo”, diz para si. O filho que ela não vê há trinta anos está agora a poucos metros de distância. Seu coração se acelera enquanto ela caminha na direção dele. Com fotos de Joel aos 5 anos na mão esquerda, ela se aproxima e, tímida e nervosa, pergunta:
– Você é Jo-Jo? Ele responde:
– Sou – e lhe dá um sorriso nervoso antes de perguntar:
– E você é Herminia?
Ela faz que sim. Por um breve instante, ninguém diz nada. Então Herminia, emocionada demais para falar, começa a chorar e cai nos braços de Joel. As palavras são desnecessárias quando mãe e filho se abraçam com força e choram.

As câmeras da televisão registram o abraço emocionado e também o momento que tocará o coração de milhões de espectadores. Nos braços um do outro, Herminia nota que Joel chora e, com delicadeza, enxuga suas lágrimas com o lenço, como fez tantas vezes mais de trinta anos antes. Finalmente, contra todas as probabilidades, seu filho voltou para casa.

O exame de DNA confirmou o que Herminia e Joel já sabiam: ela é sua mãe biológica.

Julie não precisou dessa confirmação. Assim que assistiu ao vídeo de Herminia enxugando as lágrimas de Joel, que afirma ter visto “mais de mil vezes”, ela soube que o filho finalmente encontrara a mãe biológica, porque “só uma mãe faria aquilo”.

Depois de encontrar Joel, Herminia conheceu Julie, a mãe adotiva, que lhe falou da vida de Joel na Austrália, e os visitou em sua casa. Durante a busca, Joel também localizou seu pai biológico, que hoje mora nos Estados Unidos. Nem Dante, o filho perdido de Vicky, nem José Manselo, o motorista de táxi que salvou Joel no Mercado Munoz, foram localizados, mas Joel prometeu continuar a procurá-los. Ele trabalha num documentário baseado em sua história para, segundo espera, aumentar a conscientização a respeito da adoção e ajudar os adotados a “escrever nas páginas vazias da própria narrativa”.

Por Robert Kiener