Qual a relação entre sorte e um trevo-de-quatro-folhas?

Trevo-de-quatro-folhas traz sorte? Encontrar ou receber de presente? De qualquer modo, a magia e a surpresa de encontrá-los continuam.

Redação | 25 de Novembro de 2018 às 17:00

gamelli/iStock -

Conheça a história de Teva Harrison, que se delicia quando encontra um trevo-de-quatro-folhas, sem fazer qualquer esforço.

Quando eu cursava o 3º ano, fizemos uma caça ao tesouro na escola. Encontramos giz, lápis, pedras e quinquilharias, completando rapidamente nossas listas. Foi uma corrida difícil. Eu estava sem fôlego quando cheguei ao canteiro de trevos em busca do último item, o mais difícil: um trevo-de-quatro-folhas.

Tinha certeza de que venceria. Sempre consegui achar trevos-de-quatro-folhas, desde que me lembro. Simplesmente consigo vê-los.

Passei a infância colhendo trevos-de-quatro-folhas e guardando-os dentro dos livros da minha mãe. Comecei com livros grandes, encadernados em couro: o Ulisses de Joyce, as obras completas de Shakespeare, o exemplar de Os miseráveis de minha bisavó. Costumava esconder apenas um ou dois trevos em cada livro – queria que fossem uma surpresa alegre. Quando os volumes encadernados acabaram, comecei a depositar meus tesouros em tudo o que encontrava: brochuras muito lidas de ficção, livros de culinária. O mesmo acontece hoje em minha casa. Abra um livro, e um tesouro fino como papel pode cair em sua mão.

Alguns anos atrás, enquanto viajávamos pela Nova Escócia, no Canadá, meu marido e eu paramos à beira da estrada para um piquenique. O chão estava coberto de trevos. A cada olhada, eu achava um. Alguns tinham quatro, cinco ou até seis folhas. Alinhei-os na mesa de piquenique para admirá-los enquanto meu marido, que nunca encontrara nenhum, olhava com assombro.

Para mim, é muito simples. A diferença de formato se destaca, rompendo o lindo padrão dos trevos convencionais, com suas três folhas perfeitas.

No verão

No último verão, enquanto esperava a van do aeroporto de Munique, encontrei um trevo-de-quatro-folhas minúsculo e o enfiei no passaporte. Na volta para casa, meu marido e eu fomos promovidos para a classe executiva. Os amigos atribuíram a boa sorte ao trevo.

Acho que fazemos nossa própria sorte. Adoro encontrar trevos, mas acho mais provável termos sido promovidos porque tivemos um voo cancelado, o que nos deixou presos em duas cidades por duas noites seguidas, e alguém no atendimento ao consumidor teve pena de nós.

Mas a sorte está em achar o trevo ou em sua posse? Alguns acreditam que a sorte se perde se o trevo-de-quatro-folhas for mostrado a alguém, enquanto outros acreditam que a sorte duplica se o trevo for dado de presente.


É o ato de achar que adoro, não a colheita. Fico mais feliz dando-os de presente.


Acredito que a positividade aumenta quando compartilhada. Acho que tenho sorte de achar os trevos, mas não creio que eles influenciem a minha vida de um modo tangível tanto quanto o ato de dividir algo especial com alguém – aquela intimidade momentânea entre a gente e um amigo ou um desconhecido, quando ambos se inclinam para se maravilhar com o achado raro.

Afinal, o que é sorte? É não poder assumir o crédito do que nos acontece? Eu deveria ter guardado todos os trevos que achei em vez de dá-los? Acho que é sorte simplesmente saber o que procurar e amar um trevo geneticamente deformado – saber valorizar a diferença.

O que há nos trevos que nos causa tanto assombro?

Não é só porque são raros. Eu os encontro o tempo inteiro, mas sinto uma compulsão por procurá-los que só é satisfeita quando estou com um trevo-de-quatro-folhas nas mãos. É um tipo de mania.

Afinal, até que ponto eles são raros? Sempre pensei que, por serem uma anomalia genética simples, os trevos-de-quatro-folhas deveriam ser comuns. Imagine quantas mutações existem na natureza! Depois, descobri que 1 em cada 10 mil trevos tem quatro folhas. Isso pode resultar de um gene recessivo, de uma mutação somática ou da influência do ambiente. Ou de uma combinação desses fatores – mas não é aí que a ciência encontra a magia?

E, embora eu os encontre o tempo todo, na verdade não sou excepcional nessa habilidade. O detentor do recorde Guinness, Edward Martin, de Cooper Landing, no Alasca, achou 111.060 trevos-de-quatro-folhas até 2007, quando fez as contas.

Seja como for, é o ato de encontrar que adoro, não a colheita. Fico mais feliz achando trevos “da sorte” e dando-os de presente. Ofereço-os a mães em parques, que os mostram aos filhos de olhos arregalados. Dei um ao homem da loja da esquina, onde ainda está pendurado acima da caixa registradora. Distribuo-os para os amigos, que os enfiam entre os cartões de visita da carteira para guardá-los em segurança.

“Afinal, como você faz?”

Sempre me perguntam como faço. A resposta é que amo trevos, e passo mais tempo olhando-os do que a maioria das pessoas. Desenvolvi o hábito de passar os dedos da mão ou dos pés de leve pela touceira, momentaneamente separando-os, o que traz à luz as irregularidades. Permito que os olhos relaxem, e as formas diferentes se destacam.

O outro motivo é artístico. Lembra-se daqueles pôsteres da década de 1980 que eram feitos de pontos grandes? Quando a gente olhava com muita atenção, só via o padrão de pontos. Mas, se você pendurasse o pôster na parede e relaxasse os olhos, as cenas apareceriam: dinossauros, paisagens, borboletas, fractais… uma ilusão de óptica. Se não se esforçasse demais para ver, a solução ficava clara, mas, no instante em que focalizava os olhos, a imagem sumia. Era enfurecedor para os que não conseguiam ver e triunfante para os que conseguiam.

O mesmo acontece com os trevos-de-quatro-folhas. Caso se esforce demais, só verá a touceira. Em vez disso, entre num preguiçoso estado de espírito de verão. Passe a mão de leve por uma touceira espessa, deixando os trevos se revelarem um a um. Aprecie os que só têm três folhas. Admire sua simetria. As coisas comuns também são belas. E, com essa apreciação paciente, um trevo-de-quatro-folhas pode se mostrar a você. Simples assim.

Naquele dia do 3º ano,

mergulhei no canteiro de trevos, passando a mão de leve na superfície para separar as folhas emaranhadas, suavizando os olhos a fim de procurar irregularidades. Só levou alguns momentos para um trevo-de-quatro-folhas cair em meus dedos. Não me lembro do prêmio, mas me lembro de levantar aquele trevo com alegria e sensação de triunfo. Lembro-me da cara de espanto que provocou em meus colegas. Seja qual for o brinquedinho que ganhei naquele dia, meu verdadeiro prêmio foi a porta que o ato simples de procurar trevos me abriu para uma vida inteira de alegria por conta de olhar o mundo com atenção, com a magia da natureza surgindo quando lhe dá vontade.

Por TEVA HARRISON de THE WALRUS
© 2017, TEVA HARRISON. DE “HOW TO FIND A FOUR-LEAF CLOVER”,
THE WALRUS (20 DE AGOSTO DE 2017). THEWALRUS.CA

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