Uma lição de maturidade de onde menos se espera

Quando as coisas ficam difíceis com sua mãe, a lição de maturidade necessária pode vir de onde menos se espera... Confira essa bela história.

Julia Monsores | 11 de Outubro de 2019 às 14:00

Giselle Potttter -

Quando as coisas ficam difíceis com sua mãe, a lição de maturidade necessária pode vir de onde menos se espera… Confira essa bela história de uma mãe, uma filha e uma neta.  

São oito horas de uma noite fria de primavera. Nosso apartamento foi atingido por um ciclone, obra de uma criança pequena e cheia de energia. Cada peça da mobília está coberta de correntes de papel, tesouras, fita adesiva, massinha, montes de bolotas de carvalho e brindes para festas.

Estou muito cansada. Fiquei sete semanas andando de muletas, me recuperando de uma cirurgia no quadril e, de forma infrutífera, tento arrumar as coisas.

O telefone toca… pela sexta vez em menos de uma hora. Sabemos quem é. Quando minha mãe tinha 68 anos, um AVC hemorrágico lhe tirou o cérebro, mas não a vida. Ela acordou do coma gravemente prejudicada; a hemorragia arrasou instantaneamente a paisagem de sua mente.

“Ela estava trancada dentro de si havia uma década, com pouco a fazer além de sofrer de angústia psíquica.”

A demência logo construiu um parque de diversões distorcido e apavorante onde antes havia arquitetura coerente. Ela estava trancada dentro de si havia uma década, com pouco a fazer além de sofrer de angústia psíquica.

Ela é constantemente perseguida pela paranoia; acha que foi expulsa da casa de repouso (não é verdade), acha que as filhas não a visitam há meses (faz alguns dias), acha que seu amigo Jimmy não quer vê-la nunca mais (ele telefona e a visita toda semana).

Sempre que ela liga, faço um jogo comigo chamado “Até que Ponto Alguém Pode Ser Bom?”. Ganhei cinco rodadas do jogo esta noite; agora estou pronta para perder.

Ela não faz ideia de que repetiu um milhão de vezes hoje e um milhão de vezes ontem as coisas que vai dizer. Não faz ideia de que passei por uma cirurgia nem se recorda do nome da neta. Não tem consciência de quase todo o passado e fica à deriva no presente. É solitária.

Lanço minha raiva no alvo mais fácil: minha mãe, a própria vítima desse horror aleatório.

Amor de mãe: o ingrediente mais importante

– MÃE! – grito. – VOCÊ NÃO ESTÁ SENDO REMOVIDA DE SUA CASA! E A VISITAMOS DOIS DIAS ATRÁS! – Talvez tenham sido quatro, mas ela não vai se lembrar mesmo. – Mãe, você tem de acreditar em mim, e, se não acreditar, não posso mais conversar! Está tudo bem!

Silêncio. Em seguida:

– Só liguei para dizer oi.

Sinto a adaga da agressão passiva, que é a única arma que funciona em seu arsenal mental. Minha mãe continua, já tendo esquecido que gritei. (Às vezes ela se lembra; hoje, tive sorte.)

– Mas também estou nervosa com uma coisa. Você tem um minutinho?

– Não, mãe, não tenho. Não aguento isso de novo!

– Por que você está gritando?

Estou gritando porque você não é minha mãe. Você é uma substituta mal-ajambrada que não pode me ajudar a cuidar de minha filha, ser avó e nem se lembrar de perguntar como foi meu dia. Estou gritando porque acalmei você cinco vezes hoje, e estou gritando porque você me lembra tudo o que temo: velhice, doença, fragilidade, azar, perda, impermanência… Pode escolher; se for apavorante, você me lembra!

Caio no sofá, consciente de tudo a que minha filha está assistindo. Ela me ouve repreender minha mãe, perder a paciência, anunciar que alguém que amo é uma imposição. Não só falhei em ser uma Boa Pessoa; falhei em ser um Bom Exemplo para Minha Filha.

Fico fumegando no sofá, derrotada.

A boa notícia sobre o cérebro na maturidade

– Posso falar com a vovó Ellie?

Minha filha de 5 anos estende a mão para o telefone. Sem palavras, entrego o aparelho.

– Oi, vovó!

Ouço minha mãe exclamar pelo fone:

– Querida! Como você está? Foi à escola hoje?

Que bruxaria é essa? Ela só disse “Oi, vovó”, e minha mãe soa como uma pessoa totalmente alerta, no ritmo de um dia normal.

– Fui, vovó, e hoje era dia de compartilhar, e levei minhas pulseiras da Mulher Maravilha.

– Pode pôr no viva-voz? – cochicho à minha filha.

Ela obedece, e do telefone vem uma cachoeira de alegria. Minha mãe lhe diz que a ama muito e que a voz dela é linda. Em seguida:

– Espero ver você em breve.

Frases inspiradoras sobre maturidade

Minha mãe faz seu apelo de uma promessa de companhia. Ouço a voz dela de forma diferente agora. Não estou cansada nem zangada; estou mole por dentro, observando minha filha, que ainda está no jardim de infância, lidar com tamanha maturidade com sua frágil avó.

– Vovó, vamos levar você no carrossel este fim de semana. Vou no sapo e você pode ir no cavalo ao meu lado.

– Ah, que maravilha, querida!

Estou hipnotizada pela conversa.

– Diga, você foi à escola hoje? – Ela já perguntou isso.

– Fui, vovó, fui à escola, e hoje era dia de compartilhar. Levei minhas pulseiras da Mulher Maravilha.

– É mesmo? Que beleza!

– Quer que eu cante uma música? Sei três músicas do filme Annie.

Então, minha filha canta.

A brisa forte da noite sopra pela janela, e a confusão do apartamento se instala à minha volta como um edredom velho e macio. Escuto minha filha cantar para a avó, cuidando dela com delicada paciência.

Passo tanto tempo desejando que ela tivesse uma avó “real”, que ela conhecesse minha mãe “real”. Nesse momento, vejo que ela tem uma avó real e tem uma relação real com ela. Não é aquela que eu esperava, mas para ela é normal: cuidar de uma pessoa querida faz parte da vida.

Quando elas desligam, depois de trocar muitos beijos, digo à minha filha que está na hora do banho. Ela protesta loucamente, mas dou o banho assim mesmo. Ainda sou a mamãe, afinal de contas, e ela ainda tem 5 anos.

Mesmo assim, hoje ela me ensinou uma lição de maturidade importante: falar ao telefone como uma adulta.

por Leslie Kendall Dye do The New York Times