Papo de livro: tempo de brincadeiras

A minha infância não pertence a esse tempo, claro. Sou de uma época pré-computadores e celulares. Vendo as minhas filhas “brincando” de tecnologia e

Redação | 7 de Março de 2019 às 17:00

Goami/Istock -

A minha infância não pertence a esse tempo, claro. Sou de uma época pré-computadores e celulares. Vendo as minhas filhas “brincando” de tecnologia e desconhecendo o que é, por exemplo, um jogo da amarelinha ou um dominó, me pergunto se o mundo tem feito as escolhas certas ou se eu ando muito nostálgica. Talvez eu me procure nelas, e o que eu encontre sejam pessoas melhores do que eu, alienígenas no meu tempo de ontem. Ou talvez não. Quem sabe o aprendizado das ruas, do riscado no chão, do esconde-esconde, do bambolê faça falta algum dia?

Confesso que tinha me esquecido de boa parte deste tempo quando recebi o livro do Leo Cunha, Só de brincadeira, com belíssimas ilustrações da Anna Cunha. O livro, todo em forma de poema, fala das brincadeiras de um tempo que não existe mais – pelo menos na minha casa, onde duas meninas desde bem pequenas dedilhavam iPads. Nunca usaram um bambolê e é provável que não saibam direito como se brinca com um–a noção de brincadeira para essa geração é diferente. Será mesmo?

Para cada poema, uma brincadeira (antiga) diferente – do ioiô à vaca amarela. Lembrei de quando quebrei meu pé correndo de pega-ladrão e das amarelinhas no chão da garagem da amiga que morava no prédio vizinho. Eu tinha 10 anos quando ganhei meu bambolê laranja. A poesia de Leo da rua do lado faziam como se fosse um desafio de quem aguentava mais tempo pulando – mais saudável e divertido do que muitos desafios hoje

Cunha embalou minha viagem ao passado:

“Sim,/ainda tenho medo do escuro,/mas no futuro,/eu juro,/até minha própria sombra/vai ter medo de mim.” (“Esconde-esconde”).

As ilustrações contam histórias à parte – pequenas obras de arte.

“À medida que lia, a memória se soltou de mim e resolveu me trazer de volta cenas que eu já tinha soterrado”

Curioso foi que, à medida que lia, a memória se soltou de mim e resolveu me trazer de volta cenas que eu já tinha soterrado, como o dia em que achei um trenzinho escondido no pátio de areia do colégio e guardei para dar de presente para meu irmão que colecionava carrinhos “correrões”. Da brincadeira de corda que as meninas da rua do lado faziam como se fosse um desafio de quem aguentava mais tempo pulando – mais saudável e divertido do que muitos desafios hoje da internet… E ainda de brincar de cama de gato com barbante, quem se lembra?

Está certo que a essas alturas eu delatei a minha idade. Mas não tem problema. Como é bom sobreviver ao tempo com força e alegria para criar filhas no mundo de hoje – tão enlouquecido que não sabe mais brincar. Talvez hoje seja urgente este reaprendizado. Assim como lembrar que a poesia também pode ser uma dessas brincadeiras.

Por CLÁUDIA NINA