Mistério médico: uma estranha mancha

Após um exame médico, Nick descobriu uma suspeita mancha em seu peito. Poderia ser isso o que fazia o seu coração disparar repentinamente?

Redação | 1 de Maio de 2022 às 11:00

Ilustração de Victor Wong -

O mês de agosto de 2019 foi muito chuvoso em Aylsham, cidade perto do litoral leste da Inglaterra. Mas Nick Farrow, de 65 anos, que trabalha com design e marcas, pensava no sol. Com a filha adulta, a companheira e o filho dela, Farrow estava prestes a embarcar para uma semana de férias em Bali. 

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Antes da viagem, a família recebeu uma série de vacinas obrigatórias para viajar, como a de febre tifoide e a de hepatite A e B. Pouco depois, Nick começou a sentir sintomas gripais fadiga, dificuldade para respirar, dores pelo corpo. Aleatoriamente, o coração batia mais depressa e com mais força do que nunca e o impedia de adormecer. “Eu ficava sentado à noite, como se tivesse um passarinho voando no peito”, diz ele. O resto da família, que recebera as mesmas vacinas, não teve reações. 

Uma mancha suspeita

Nick tinha histórico de fibrilação atrial – batimentos cardíacos irregulares –, mas esses sintomas eram novos e alarmantes, e ele marcou hora no médico. No dia da consulta, os sintomas gripais tinham passado; a enfermeira achou que, por coincidência, ele podia ter pego o vírus na mesma época em que tomou as vacinas. Mas o problema cardíaco continuava, e ele foi aconselhado a não viajar e a consultar um cardiologista.

Quando foi ao especialista, os exames não revelaram nada incomum. Mas, quando auscultou o pulmão de Farrow com o estetoscópio, o cardiologista notou um leve ruído. Não soube dizer o que seria e encaminhou Nick ao pneumologista.

Em outubro, quando chegou o resultado, o exame do pulmão revelou algo que ninguém esperava. Aninhado atrás do esterno de Nick, no meio do peito, havia uma estranha mancha preto. Não ficava no pulmão nem no coração, mas no timo. Essa glândula pouco conhecida, mas fundamental, ajuda a criar as células T que combatem vírus e infecções. O timo só fica ativo até a puberdade, quando normalmente começa a encolher e é substituído por gordura. Mas, no caso de Farrow, ele não estava encolhendo. Estava aumentando.

Em busca de um diagnóstico

O pneumologista tinha duas hipóteses para explicar esse aumento. Podia ser, simplesmente, o timo aumentado, doença benigna com várias causas possíveis mas nenhuma consequência grave. Ou, se Nick não tivesse sorte, poderia ser um timoma, um tumor canceroso raro que afeta menos de uma em cada 1,5 milhão de pessoas. 

A única maneira de saber a hipótese correta seria fazer uma biópsia. Mas, em razão da localização da glândula, era preciso, como explica Nick, “abrir minhas costelas e separá-las, como na tortura viking”. 

Qualquer que fosse a causa, o crescimento explicava os problemas cardíacos. O timo pressiona vasos sanguíneos vitais e o pericárdio (a membrana que envolve o coração), de modo que, quando fica maior do que o normal, a glândula pode provocar problemas cardíacos e de fluxo sanguíneo como os que incomodavam Nick. 

O especialista recomendou monitorar o progresso da mancha preta para determinar se era canceroso. “Não vai matar você em seis meses”, assegurou. E a nova consulta foi marcada para abril de 2020. 

Uma longa espera

É claro que essa consulta nunca aconteceu. Em função da pandemia, Nick não pôde voltar ao médico, e nesse período continuou sofrendo horas de palpitações cerca de duas vezes por mês. “Eu estava preocupado com essa coisa que crescia dentro de mim e achava que não poderia ir ao hospital”, diz ele. 

Finalmente, em outubro de 2020, Nick fez outra tomografia, que confirmou os piores temores: era câncer. O ponto preto tinha crescido dois milímetros. Felizmente, o tumor estava confinado ao timo, e os médicos tinham certeza de que conseguiriam removê-lo com uma cirurgia laparoscópica, que envolve inserir faquinhas minúsculas por incisões bem pequenas. 

Enquanto Nick esperava a cirurgia, uma colega lhe apresentou o marido Peter Harper, oncologista que lhe recomendou desistir da cirurgia laparoscópica e ir ao London Bridge Hospital para fazer uma cirurgia robótica. Harper jurou que seria mais eficaz e menos agressiva para o corpo.

Sistema Cirúrgico Da Vinci XI

A máquina é produzida pela empresa americana Intuitive e se chama Sistema Cirúrgico Da Vinci XI, em homenagem ao homem do Renascimento que fez avançar o estudo da anatomia e é considerado o inspirador do primeiro projeto de robô do mundo. 

Há quase 6 mil aparelhos Da Vinci em hospitais do mundo inteiro, usados em várias cirurgias, como de coração, pulmão, vesícula e rim. “É um bicho que parece bem feroz”, diz o Dr. Thomas Routledge, cirurgião que removeria o timo de Nick.

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A máquina tem dois elementos: um dispositivo com vários braços e um arsenal de instrumentos delicados (bisturis, câmeras, grampos), que ficaria pendente sobre o leito de Nick, e um console que mostraria a Routledge a imagem tridimensional da área cirúrgica enquanto ele manipulasse os braços do aparelho com pedais e um controle. “Parece uma versão sofisticada do controle do PlayStation”, diz Routledge, que usa a máquina na maior parte das cirurgias que faz. 

Adeus à mancha

No decorrer de 90 minutos, Routledge removeu o tumor de Nick e parte do timo circundante; preferiu não retirar a glândula inteira por causa do risco de lesionar nervos próximos e provocar problemas respiratórios de longo prazo. Embora Nick passasse a noite se recuperando na unidade de terapia intensiva e mais alguns dias internado no hospital, logo estava em casa, trabalhando. “Doía um pouco”, diz ele, “mas eu me sentia muito bem.” 

Duas semanas depois, um exame mostrou que Nick estava livre do câncer. Para seu alívio, as palpitações cardíacas também pararam. Hoje, a vida de Nick voltou ao normal. Em outubro de 2021, ele tirou as vencidíssimas férias com a família nas Ilhas Canárias. Nessa época, as cicatrizes cirúrgicas no tronco já estavam sumindo. “Eu me sinto muito grato”, diz ele.

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