O poder curativo da música

Cantar sempre alegrou Stephen Dunn, 64 anos, de Melbourne, Austrália. Tanto que ele teve algumas bandas no passado. Dois anos atrás, diagnosticado com

Redação | 1 de Abril de 2020 às 01:01

Deagreez/iStock -

Cantar sempre alegrou Stephen Dunn, 64 anos, de Melbourne, Austrália. Tanto que ele teve algumas bandas no passado. Dois anos atrás, diagnosticado com doença de Parkinson, lembrou-se de que o pai, que também tinha a doença, perdeu a capacidade de cantar com o avanço do distúrbio.

Na esperança de prevenir o mesmo destino, no ano passado Stephen entrou no ParkinSong, um grupo local de pacientes com a doença que se reúne mensalmente com um musicoterapeuta. Eles cantam juntos em coro e aprendem habilidades que ajudam a preservar a voz ao falar e cantar. “A sessão envolve exercícios vocais e de respiração, postura correta, esse tipo de coisa”, explica Stephen. “Nossas cordas vocais são como qualquer outro músculo do corpo. Quem não usa perde.”

Stephen pratica os exercícios diariamente e grava a si mesmo cantando para observar diferenças na voz. Está contente com o progresso obtido. “Antes de participar do coro, só pensava em tristeza. Amo cantar, e talvez não consiga mais”, diz ele. “Portanto, enquanto puder cantar, vou lá e canto.”

Ajudar pacientes com Parkinson a manter a voz é só um dos benefícios da musicoterapia. Vários programas musicais melhoram a saúde física ou mental de pessoas com diversas doenças. Não há possíveis efeitos colaterais, a não ser, talvez, ficar com uma música martelando na cabeça.

“Veremos cada vez mais estudos que mostram que a musicoterapia é terapêutica e não tem lado negativo”, diz a Dra. Corrine Fischer, professora associada do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Toronto.

Quando alguma terapia é necessária para aliviar dores ou manter ou restaurar o funcionamento do corpo, há várias opções disponíveis. A fisioterapia é eficaz, mas exercícios repetitivos são chatos. A música pode acrescentar à terapia um elemento divertido. “As pessoas se exercitam mais tempo porque gostam do que estão fazendo”, informa a musicoterapeuta Melissa Mercadal-Brotons, de Barcelona, Ph.D. e presidente da Federação Mundial de Musicoterapia.

A música é o motivador ideal, porque causa nas pessoas reações emocionais profundas em muitos níveis; pesquisadores e musicoterapeutas aproveitam isso para criar tratamentos que podem ser tão ou mais eficazes que as terapias tradicionais. “A música é multidimensional”, complementa Jeanette Tamplin, Ph.D., musicoterapeuta e pesquisadora da Universidade de Melbourne que está envolvida com o ParkinSong. “Pode ser muito funcional, ao fazer as pessoas andarem no ritmo da música. Ou muito psicodinâmica, como ajudá-las a acessar emoções, processar o luto e se ajustar por meio de canções.”

Os médicos recomendam musicoterapia para tratar algumas doenças, e os pesquisadores trabalham para expandir o alcance dos tratamentos. Eis como muitos se beneficiam.

Doença de Parkinson

Os exercícios que Stephen Dunn e os outros participantes do Parkin-Song aprendem são técnicas comprovadas por pesquisas que os ajudam a aumentar o volume da voz e melhorar a capacidade de serem compreendidos. “A doença de Parkinson afeta a comunicação ainda nos primeiros estágios”, revela Jeanette Tamplin.

Num período de três meses, ela e colegas fizeram 75 pessoas com doença de Parkinson participarem de sessões semanais ou mensais. Os participantes conseguiram falar mais alto e melhorar a função respiratória em comparação com os não participantes, e os que tiveram sessões semanais melhoraram mais do que os das sessões mensais. O estudo foi publicado este ano, em 2020. “O fato de vermos que as pessoas realmente falam mais alto e têm mais confiança na fala foi muito empolgante para nós”, diz ela.

Os pacientes com Parkinson também sofrem redução da mobilidade, e a musicoterapia pode ajudá-los a melhorar a capacidade de andar. Um estudo italiano de 2019 mostrou que dez pessoas com doença de Parkinson que participaram regularmente de aulas de tango melhoraram o andar, a mobilidade, o equilíbrio e a qualidade de vida. “A música serve de dica para reforçar a atenção do paciente em movimento”, alerta o Dr. Giovanni Albani, neurologista autor do estudo do Istituto Auxologico Italiano, em Milão. “E o tango harmoniza os movimentos entre o tronco e os membros, levando à recuperação de determinadas funções do cérebro.”

Demência

Às vezes, os médicos recomendam musicoterapia para pessoas com demência. De acordo com pesquisas publicadas no ano passado que analisaram seis outros estudos publicados anteriormente, a música ajuda a melhorar o comportamento e a cognição de pessoas com doença de Alzheimer, a demência mais comum. “Em nossa clínica da memória, costumamos recomendar: se tocava piano, toque piano. Se gostava de música, ouça música que tenha ressonância emocional. Isso vai ajudar o cérebro”, diz a Dra. Corinne Fischer, autora do estudo.

Ela examinou o efeito da música sobre a atividade cerebral de pessoas com deficiência cognitiva leve, precursora da demência. As pessoas ouviram
música durante uma ressonância magnética funcional, que mostra quais áreas do cérebro são ativadas. Quando escutaram música com significado emocional, como a tocada em seu casamento, mais áreas do cérebro foram ativadas do que quando ouviram músicas inéditas. “Além disso, foram ativadas as áreas subcorticais do cérebro, envolvidas na expressão emocional.”

Outra pesquisa constatou que ouvir música conhecida ajuda as pessoas com Alzheimer a fazer reminiscências. Um estudo de 2013 com 24 pessoas mostrou que, quando ouviam antigas músicas populares, pacientes com Alzheimer foram capazes de recordar informações autobiográficas ligadas
àquelas músicas. “Sempre que as pessoas escutam melodias conhecidas, a área ativada é onde ocorrem as memórias autobiográficas”, conta Melissa Mercadal-Brotons.

Acidente vascular cerebral (AVC)

Depois de um AVC, algumas pessoas precisam de fisioterapia ou terapia ocupacional para recuperar a função de um membro. A musicoterapia também ajuda.

Dez meses depois de ter um AVC em 2018, Yaismery Leon-Hechavarria,
de 34 anos, de Barcelona, entrou num programa de musicoterapia a fim de ajudá-la a recuperar a função do braço direito tocando instrumentos musicais.

Três vezes por semana, durante dez semanas, ela tocou piano e instrumentos de percussão – djembê, maraca, pau de chuva, pandeiro e castanhola. As sessões de terapia fortaleceram seu braço. “Agora ando pela rua e ninguém percebe que tive um AVC”, diz Yaismery. “Atualmente, estou melhorando a precisão com coisas pequenas, como o bordado.”

Pacientes como ela treinam os movimentos motores grossos batendo tambor e os finos pressionando as teclas do piano. Muitos se entusiasmam com as sessões de musicoterapia por causa do prazer que dão. “Acreditamos que isso aumenta a motivação”, informa o professor e pesquisador Antoni Rodriguez-Fornells, Ph.D. da Universidade de Barcelona envolvido com essa pesquisa de musicoterapia. “Não é preciso que ninguém force o paciente a ir à terapia. A pessoa tenta fazer sozinha.”

Essa intervenção de musicoterapia tem sido tão eficaz quanto as terapias mais tradicionais para ajudar os pacientes a recuperar a função do braço, mas os pacientes se divertem ao mesmo tempo que fortalecem a parte superior do corpo.

Alívio da dor

Já se comprovou que a musicoterapia reduz a dor causada por várias doenças. Um estudo de 2018 revisou 13 estudos anteriores sobre a ação da musicoterapia no controle da dor e constatou que o efeito da música é significativo. “A música reduz a intensidade da dor, mas não a faz desaparecer”, alerta o Dr. Juan Martin-Saavedra, autor do estudo e pesquisador de música da Universidade de Rosario, em Bogotá, na Colômbia. A musicoterapia é considerada complementar à medicação, não substituta. “A teoria mais comum é que intervenções como a música distraem o paciente da dor e induzem um estado emocional positivo que ajuda a lidar melhor com ela.”

Mais pesquisas são necessárias para descobrir que tipos de música são mais eficazes para aliviar a dor e que doenças podem tratar. “Músicas diferentes têm efeito diferente sobre o cérebro. Portanto, nem toda música é útil para aliviar a dor, e nem toda dor pode ser aliviada pela música”, diz ele.

Esperança no futuro

Os pacientes que recebem musicoterapia costumam se sentir transformados pela experiência. Stephen Dunn gostou tanto do ParkinSong que resolveu aprender escrita e leitura musical para participar mais intensamente. Cantar se tornou uma parte cotidiana de sua vida pela qual se apaixonou e que lhe faz bem. “Considero que continuar cantando é uma estratégia de longo prazo”, diz ele. “Esse ParkinSong pode me ajudar a manter a voz o máximo possível.”

POR LISA FIELDS