Tem crase ou não tem?

Na volta às aulas, comece com estas dicas sobre a crase, fusão de duas letras A, e use o acento grave com toda a confiança.

Elen Ribera | 18 de Fevereiro de 2020 às 09:00

AntonioGuillem/iStock -

Primeiro, vamos deixar claro: crase não é o sinal gráfico sobre a letra A. Esse é o acento grave. Crase é “a fusão ou contração de duas vogais, uma final e outra inicial, em palavras unidas pelo sentido”, segundo o Dicionário Houaiss, e é indicada pelo acento grave (`).

A máxima é:

Crase é um fato linguístico que acontece espontaneamente, e ele não depende de nós.

Quantas vezes você já se perguntou: “Hum… aqui tem crase?” Talvez este seja o mais misterioso dos assuntos misteriosos da língua portuguesa. Mas, na verdade, não é tão difícil assim. Leia também explicações para dificuldades da língua portuguesa.

Vamos fazer um exercício de imaginação: forme uma frase com ir – praia – sextas.

Talvez você tenha pensado em “ir à praia às sextas”, ou talvez você não goste tanto assim de praia e tenha pensado imediatamente em “ir ao museu aos domingos”.

Note que a crase apareceu apenas no primeiro caso, porque ela ocorre SOMENTE antes de palavras FEMININAS determinadas pelo artigo a(s).

Isso porque a crase é a fusão de duas letras A: a primeira vem com o verbo: quem vai vai a algum lugar; a segunda vem com o substantivo praia, afinal são “a praia” e “o museu”.

Lembrando: para haver crase precisamos de duas letras A (mais à frente veremos com pronomes demonstrativos):


A – preposição + A(S) – artigo definido


Mas o que é mesmo preposição?

No Dicionário Aurélio temos: “palavra gramatical, invariável, que liga dois elementos de uma frase, estabelecendo uma relação entre eles.” Simples!

No total, são 18 preposições, mas não se assuste, só vamos precisar da primeira: “A”.

E artigo?

Na mesma fonte, encontramos: “subcategoria de determinantes do nome (em português, é sempre anteposto ao substantivo) – definidos e indefinidos.”

Como precisamos da letra A, vamos ficar apenas com os pronomes definidos femininos, que são a e as.

Agora, depois dessas explicações, vamos à prática com mais exemplos.

1. Onde não se usa o acento grave porque não há crase:

– “Ela não assiste a filmes de terror.”

Não há crase porque filmes é uma palavra masculina e está no plural. Este A é uma preposição do conjunto assistir a.

– “Começaram a discutir.”

– “Saio do trabalho a partir das 17h.”

Não há crase porque discutir e partir são verbos, o A é uma preposição e não há artigo antes de verbo.

– “Educação a distância”

Ainda que nos pareça estranho na locução a distância, não é usado o acento grave quando a distância de que se fala não é especificada (viram algo movendo-se a distância); usa-se obrigatoriamente se é especificada (o portão ficava à distância de 4 metros).

2. Vamos abrir aqui parênteses para explicar um fato que é confundido com facilidade. Até agora!

DE 17 horas A 19 horas – DE… A é uma expressão que determina o tempo de duração, o tempo que o acontecimento vai demorar para acabar. Tanto que podemos pensar: “Nossa, tudo isso?”

DAS 17h ÀS 19h – DAS… ÀS é o período de uma sessão de cinema, ou qualquer outro compromisso que vai durar duas horas. Viu como é simples? A mistura dos dois não existe.

Lembrando que há crase em à uma da tarde, pois neste caso “uma” representa o numeral 1 e não o artigo indefinido.

3. “Se quando venho, venho DA
Quando vou, craseio o A.
Se quando venho, venho DE
Quando vou, crase pra quê?”

Alguém conhece esta trova? A única coisa difícil é o craseio, que ficaria mais claro “coloco o acento grave”, mas ficaria impossível rimar.

Exemplos:

Venho da Bahia / Vou à Bahia.
Venho de Manaus / Vou a Manaus.

Com “Venho do Rio de Janeiro /Vou ao Rio de Janeiro” não há crase de jeito nenhum porque o nome Rio tem seu artigo masculino O.

Apenas por curiosidade: quem vai no rio é para se molhar ou para pescar.

“Iremos a Salvador nas férias” – A cidade não tem artigo junto a seu nome, mas, se formos à Salvador do tempo da colônia, o artigo se refere à cidade em um período específico.

Exemplos:

Gostaria de ir à Salvador do século 19.
Quero voltar à Paris dos anos 1920 para gravar o filme.

Mas atenção, pois há variações regionais. Isto é, um carioca, de férias, pode ir a Recife, mas um pernambucano que o receba pode saudá-lo: “Bem-vindo ao Recife”. Eles tratam como o Recife.

4. Artigo não precede nome próprio de pessoa, a não ser que na formação da frase haja um adjetivo, como por exemplo:

“Maria, José e Jesus tiveram suas histórias contadas.”
“Agora, a infeliz Inês de Castro já é morta.”

5. Vamos aos casos em que o acento grave é OBRIGATÓRIO:

Na gramática de Evanildo Bechara, encontramos a explicação: “quando representa a pura preposição A que rege um substantivo feminino no singular, formando uma locução adverbial que, por motivo de clareza, vem assinalada com acento diferencial”: levado à força, morto à bala, ferido à faca, voltou à noite, saiu à tarde etc. E à direita, à esquerda, (marcha) à ré, à toa, à mesa, à janela, às pressas… e à tinta, à caneta, à mão etc.

Sem o acento grave pareceria que alguém teria ferido a faca, ou virar a direita, poderia ser a mão direita, e poderia ser pintar a mão, a própria mão.

E quando NÃO EXISTE crase:

Não há acento grave antes de pronomes pessoais: a ele, a ela, a nós… Nestes casos há apenas a preposição A. E nem em expressões como cara a cara, frente a frente, face a face, por se tratar de pura preposição também.

6. Fique atento! Com os pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s) e aquilo, quando há a fusão da preposição A com a letra A do início desses pronomes. Por exemplo:

“Prefiro este sapato àquele.”
“Fomos juntos àquela cidade.”
“Não dei muita importância àquilo.”
“Àquela ordem estranha, eu estremeci.”

Na dúvida, troque por este (es,a,as), esse (es,a,as), isto e isso. Se o A continuar na frase, como a esta(s), a esse(s), a isto, é porque a preposição é indispensável. Logo, os exemplos acima terão o acento grave.

7. E, para finalizar, ÀS VEZES tem quase SEMPRE.

Essa é fácil. Só não tem quando fazemos as vezes de outra pessoa, quando desempenhamos as funções que competem a outro (pouco usado, mas existe), como no exemplo: “Sofia faz as vezes de diretora da escola. Mas somente às vezes.”
“Às vezes vou a duas exposições na mesma semana.”
“No verão, às vezes, chove no fim da tarde.”

Lembrando que precisamos da preposição A e do artigo A(S). Por isso, “As vezes em que você levou o guarda-chuva e não choveu” não poderá ter acento grave também. Temos, nesse caso, apenas o artigo.

É assim mesmo, às vezes, ficamos em dúvida.

Por Elen Ribera

Acabe com suas dúvidas sobre o uso dos porquês depois de ler nosso artigo sobre o assunto.