A aventureira que deixou seu cartão de visitas no topo do monte Camarões

Ousada e à frente do seu tempo, Mary Kingsley foi uma exploradora inglesa que se aventurou pela África Ocidental.

Douglas Ferreira | 26 de Outubro de 2021 às 15:00

Reprodução/internet -

África Ocidental, 1893: o Túmulo do Homem Branco – uma vasta região, na sua maior parte inexplorada, de pântanos e florestas. Doenças mortais como a malária, a doença do sono e a febre amarela eram ali endêmicas. Os europeus raramente se aventuravam para o interior e os que o faziam tinham de enfrentar canibais e feras. Multidões de carregadores e enormes quantidades de equipamento acompanhavam os poucos exploradores que se aventuravam naquele território assustador.

Pois Mary Henrietta Kingsley, uma inglesa de 30 anos, abriu caminho através da selva hostil e insalubre, a pé e de canoa, apenas com alguns carregadores.

Mary empreendeu duas expedições à África. Na primeira, em 1893, explorou Angola, a Nigéria e a ilha de Fernando Pó. Atravessou com suas longas saias vitorianas pântanos de águas malcheirosas e infestadas de águas malcheirosas e infestadas de crocodilos, muitas vezes imersa até ao pescoço e sofrendo o ataque de sanguessugas e mosquitos.

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Todos os dias deparava com perigosos animais selvagens. Quando a sua canoa esteve em risco de ser virada por crocodilos, ela conseguiu afastá-los, batendo neles com o remo. Noutra ocasião, assustou um leopardo que tinha entrado em sua tenda atirando-lhe um jarro d’água.

Na segunda expedição, em 1894, explorou o Congo francês e foi a primeira pessoa europeia a entrar em certas zonas do Gabão. Aprendeu a manejar sozinha uma canoa e foi a primeira a navegar o rio Ogooué, numa viagem ameaçada por numerosos sorvedouros e corredeiras. Mary era obcecada pela África desde criança, mas as suas viagens tinham um fim científico. Muitas das espécies de plantas e de animais que recolheu eram desconhecidas. Três espécies de peixes que descobriu receberam seu nome.

A fuga arriscada de Mary Kingsley

O objetivo inicial de Kingsley era estudar os fangs, uma tribo de canibais que quase não havia tido contato com os brancos. Um dia, quando rodeava uma aldeia fang, escorregou num penhasco e atravessou o teto de uma palhoça. Temendo acabar dentro de um caldeirão, ofereceu aos espantados locatários tabaco, lenços e até sua faca, conseguindo fugir apenas com um cotovelo esfolado.

Mas logo travou contatos mais efetivos com os os fangs, trocando produtos ocidentais por informações, comida e abrigo. Entre os “petiscos” que eles lhe ofereceram estavam caracóis esmagados numa folha de bananeira, que ela descreve como “uma abominação cinzenta e viscosa”.

Certa noite, como o cheiro da palhoça que ocupava era insuportável, ela investigou uns sacos que pendiam do teto. Ao despejar o conteúdo de um deles, descobriu, horrorizada, “uma mão humana, três dedos do pé, quatro olhos, duas orelhas e outras partes do corpo humano”.

Apesar de tudo isso, Mary passou muito tempo com os fangs e produziu o primeiro estudo detalhado de sua maneira de viver. No fim da viagem, tornou-se a primeira mulher branca (talvez mesmo a primeira mulher) a chegar ao cumo do monte Camarão.

Como não podia deixar de ser, fez a maior parte da subida sozinha – e deixou seu cartão de visitas no pico da montanha.

Regressando à Inglaterra, escreveu dois livros sobre as suas experiências: Viagens na África Ociental (1897) e Estudos Sobre a África Ocidental (1899), que se tornaram instantaneamente best-sellers. As conferências que deu por todo o país foram muito concorridas. Numa época em que se achava que lugar de mulher era em casa, Mary Kingsley aventurou-se mais do que muitos homens. Morreu de febre tifóide no dia 3 de junho de 1900, quando cuidava de prisioneiros de guerra bôeres na África do Sul.