Adeus, 2021: uma reflexão sobre a chegada do Ano Novo

Por causa da pandemia da Covid-19, 2020 e 2021 foram anos difíceis para todos. O que representa, então, a chegada de um novo ano?

Rayane Santos | 29 de Dezembro de 2021 às 14:00

phive2015/iStock -

Dois anos atrás, antes do Tempo do Vírus, meu marido e eu passamos uma festa de Ano Novo maravilhosa para entrar em 2020. Tomamos prosecco e brincamos de charadas com amigos em nossa casa de campo, cercados pela neve cintilante. Nossos dois filhos estavam em festas com dúzias de amigos, como seria de esperar de jovens adultos. 

Comemorar a chegada de 2021 mais pareceu uma reunião dos Neuróticos Anônimos montada às pressas. Como os tempos mudaram rápido.

Encarcerados

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Embora preferisse estar preso num elevador com abelhas, Geoffrey, nosso filho de 20 anos, veio passar o Ano Novo porque literalmente não tinha mais nada a fazer sem ir contra a lei. Nenhuma aglomeração era permitida. Clara, nossa filha de 24 anos que não morava conosco havia anos, passou a noite em nosso quarto de hóspedes se recuperando porque os dentes do siso lhe foram arrancados da cabeça. 

Enquanto um se amuava e a outra gemia, para meu marido e para mim, a presença de mais dois seres humanos em nosso lar em quarentena durante vários meses de pandemia foi alarmante, como se tivéssemos sido invadidos por ursos.

A única coisa que consegui fazer à noite foi contribuir para o esforço de guerra, por assim dizer, apoiando os restaurantes locais, desesperados por pedidos de comida pronta. Mas Clara só podia tomar comida de bebê com canudinho; meu marido Ambrose é diabético, vegetariano e tinha acabado de desistir de farinha de trigo, batata e açúcar; e Geoffrey não estava minimamente interessado em comida. Ele ansiava por algo inalcançável, como uma namorada que pudesse conhecer numa festa, ou, sem isso… não sei… um prato de ópio.

Todos estavam péssimos e irritados. Até eu, a mãe que se orgulha de ser calma, explodi com um berro não solicitado: “Tudo bem, DESISTO! Virem-se. Vou apoiar as empresas locais pedindo uma quantidade tripla de bife com fritas para mim!” Depois disso, sem saber mais o que fazer, marchei com mau humor confuso e culpado pela rua escura e vazia com a cachorra, que, sem dúvida, acabara de comer a ração para insuficiência renal do gato. Pelo menos, ela estava feliz.

Poderia ser pior

Perto da meia-noite, eu e meu filho nos resignamos a assistir ao vivo, em meu laptop, à contagem da meia-noite na Times Square, em Nova York; minha casa no Canadá fica no mesmo fuso horário. Mas a cena estava cheia de balões em vez de gente. E aí percebemos finalmente que a “comemoração” estava sendo transmitida com um minuto de atraso. Dez, nove, oito… ah, não importa.

Mas contamos nossas bênçãos. Estávamos com saúde, mais ou menos. Tinha havido um aumento da hipocondria e da fobia a micróbios, com Clara apavorada de abrir a boca no consultório do dentista e Ambrose se recusando a sair de casa por causa do alvo nas costas: diabetes e pressão alta eram as vulnerabilidades preferidas da Covid-19. Geoffrey, um rapaz robusto, se convenceu de que uma verruga na barriga era câncer – não era –, e eu realmente tenho transtorno de ansiedade generalizada. Portanto, mentalmente talvez não estivéssemos com saúde. Mas estávamos juntos e vivos.

O novo normal

É difícil imaginar como será o próximo Ano Novo, porque todos aprendemos a baixar nossas expectativas a quase nada. Mas talvez isso seja bom. Sempre é bom encontrar pequenos momentos inesperados de alegria quando, aparentemente da noite para o dia, a história da vida muda.

Uma coisa que observei é que as pessoas pararam de tentar ser glamourosas. As mulheres pararam de usar rímel, e de que adianta batom se estamos de máscara? Sem dúvida, a venda de sutiãs caiu. Fiquei tão desacostumada de usar os meus que fui à cidade para uma reunião e percebi que esquecera de vestir um. E houve o dia em que fui à lojinha da esquina e de repente percebi que as quatro pessoas na fila do caixa, inclusive eu, estavam de calça de pijama.

Muitas tentativas de parecer sofisticado e bem-sucedido no trabalho foram comicamente corroídas pela falta de entendimento de tecnologias como o Zoom. Um advogado no Texas apareceu diante do juiz com um filtro de gatinho triste sobre o rosto e não conseguia descobrir como tirá-lo. O diretor político nacional de um grupo de defesa de interesses dos EUA realizou uma videoconferência e, sem querer, se transformou no Cabeça de Batata. Pais que trabalhavam tentaram se apresentar formalmente aos colegas em reuniões, mas animais de estimação, filhos e ruídos da vizinhança demoliram a fachada.

Bem-vindo, Ano Novo

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Em outras palavras, todos ficamos muito mais humanos. E os momentos mais comemorados da pandemia não foram motivados por celebridades, mas por pessoas comuns do mundo inteiro que tentavam ver o lado engraçado da vida. Como o jovem coreógrafo vietnamita que promoveu a lavagem adequada das mãos num desafio de dança no TikTok e o entediado comentarista de esportes da BBC.

Incapaz de descrever os jogos reais, ele começou a transmitir publicamente seus cães Mabel e Olive enquanto comiam ao mesmo tempo sua ração, fazendo comentários extravagantes no estilo de uma corrida olímpica. Isso me fez lembrar algo atribuído ao antigo poeta Rumi: “Se tudo à sua volta parece escuro, olhe de novo. Você pode ser a luz.”

Tenho muita prática com a ansiedade, e uma coisa que aprendi é que a catástrofe nunca se desenrola do jeito que a gente pensa. Se, como disseram, a ansiedade é o medo em busca de uma causa, com certeza achamos causa nesses últimos dois anos. Mas também achamos humor e humanidade. 

Neste 31 de dezembro, quando saudarmos 2022, teremos permissão de gritar “Feliz Ano Novo”? Pois digo: vamos gritar. Vamos também tomar um drinque e, se ousarmos, talvez até abraçar os amigos.

por Patricia Pearson