Cogumelo: uma delícia mágica e selvagem

Conheça a incrível história do cogumelo e surpreenda-se com a variedade de tipos e uso para esse fungo tão simpático.

Redação | 1 de Novembro de 2020 às 01:02

bhofack2/iStock -

Não sou animal, vegetal nem mineral. Reserve um tempinho para entender o que posso fazer num jogo de “O que é, o que é”?, enfurecendo irmãozinhos e irmãzinhas em todas as viagens de carro. “O que é?”, vão gritar, e o torturador finalmente responde: eu, cogumelo, sou um fungo.

Deixo os seres humanos sem entender. Ao mesmo tempo, sou comestível e venenoso, vegetariano e com sabor de carne, selvagem e domesticado, modismo alimentar atual e remédio antigo. Posso levar sua mente num voo alucinógeno muito louco. Também posso matá-lo. E venho de um organismo subterrâneo misterioso e muito maior, que você mal consegue compreender. Na verdade, sou a frutificação que surge quando ele se espalha de forma invisível embaixo da terra ou pelas fibras de um tronco. Você pode me colher como colheria uma maçã, mas deixará para trás quase todo o superorganismo.

Esses fios que lembram raízes que às vezes você vê em minha haste? Não são raízes, mas fragmentos de minha forma de vida que se espalha. O franzidinho delicado que se abriga sob meu chapéu? É uma maravilha da engenharia evolucionária, lamelas das quais libero bilhões de meus esporos. Gosto de pensar nelas como o origami da natureza: se você desdobrasse as lamelas de um único champignon, elas cobririam uma mesa.

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Aposto que, quando ouve meu nome, você imagina o chapéu em forma de guarda-chuva dos champignons e dos contos de fada, das fábulas, de Super Mario Bros e dos Smurfs. Mas essa imagem é falsamente limitada. Posso brotar como prateleiras no tronco de uma árvore, redondo como um marshmellow, translúcido e gelatinoso como águas-vivas e numa cascata de espinhos que, no caso do cogumelo juba-de-leão, parece uma longa barba branca.

Até o onipresente champignon surgiu como peculiaridade, descoberto na Pensilvânia aninhado num leito de cogumelos crimini castanhos. Embora pareça diferente do crimini, ambos são variações da mesma espécie. (Já o portobello é só um crimini extragrande.)

Uma grande alternativa à carne

Na cozinha, a variedade não importa – shimeji, shiitake, enoki, há centenas de tipos comestíveis e todos têm um sabor profundo e marcante. Sou um dos melhores substitutos da carne que há na natureza em termos de sabor, textura e substância. Sou tão satisfatório que agrado tanto aos vegetarianos quanto aos onívoros. Para ressaltar adequadamente todo esse sabor, elimine toda a minha água em fogo alto e depois me doure na frigideira. Use-me como recheio de massas e pastéis, como ravióli e pierogi. Prepare-me com creme ou tomate, e o macarrão ficará tão rico e substancial que você não sentirá falta da carne. Mas sou maravilhoso com ela, como na duxelle, a densa mistura de cogumelo e cebolas miúdas, tudo bem picado, que é um ingrediente básico do filé à Wellington.

Existe um folclore culinário enganoso que diz que os cogumelos não devem ser lavados para não perder o sabor. Quase sempre, não é verdade. Pode me lavar; só tome o cuidado de me enxugar bem, para que eu doure direito.

Os cogumelos selvagens – cantarelo, morel, trufas (uma anomalia, porque crescem sob a terra) – podem ser inebriantes de tão gostosos, mas são difíceis de achar e, portanto, mais caros do que seus primos cultivados. (Por outro lado, se um restaurante anunciar um prato especial com cogumelo ostra, shiitake ou crimini “selvagens”, atenção: essas variedades são cultivadas.) Há muitas histórias de caçadores de cogumelos que saem de fininho de manhã cedo e escondem o carro na hora de estacionar por medo de serem seguidos até sua fonte.

Talvez o mais valioso seja a trufa branca de Alba, na região do Piemonte, na Itália, cujo aroma de bolor grita quando é ralado cru sobre um ovo frito ou macarrão na manteiga. Em 2007, um magnata dos cassinos de Macau e Hong Kong pagou 330 mil dólares numa trufa de 1, 5 kg – sinal de que meu prestígio superou qualquer avaliação racional de valor. (Outro sinal: os consumidores chiques pagam caro por azeite “trufado”,quase sempre feito com aromatizantes sintéticos, sem nenhuma trufa.)

Também faço bem à saúde 

Continuam a me creditar benefícios à saúde, alguns mais legítimos do que outros. A maioria das variedades que vocês comem contém uma série de antioxidantes, vitaminas e sais minerais, como a tão importante vitamina B e o selênio. O cogumelo maitake é riquíssimo em vitamina D. Mas, atenção, consumidor dos chás “adaptogênicos” de cogumelo em voga hoje: eles não vão lhe fazer nenhum mal, mas é improvável que causem o efeito descrito no rótulo.

Em 2017, no norte da Califórnia, as chuvas intensas levaram a uma produção maior do que o normal do cogumelo cicuta-verde, uma coisinha de sabor suave responsável por 90% das mortes de seres humanos por consumo de cogumelos no mundo. Naquele ano, mais de 12 pessoas passaram desastrosamente mal, sofreram lesões neurológicas e precisaram de transplante de fígado. Outro tipo ded cogumelo que está na moda é bem mais divertido: os “cogumelos mágicos” que contêm psilocibina voltaram à crista da onda. Várias espécies minhas contêm esse alucinógeno que não é de todo legal. Seus usuários, surpreendentemente de meia-idade, em geral estão menos interessados na viagem do que na promessa de reduzir a ansiedade, a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático. Consigo tudo isso? As pesquisas indicam que sim. Você não esperaria menos de algo tão mágico quanto eu.

Cogumelo recheado com cogumelo

Corte as pontas de 900 g de cogumelos crimini; separe as hastes do chapéu; pique as hastes e metade dos chapéus. Reserve os chapéus restantes para rechear.

Numa frigideira de 25 cm, derreta 3 colheres (sopa) de manteiga em fogo médio-alto e acrescente 1 cebola grande picada e 1 colher (chá) de folhas de tomilho picadas. Refogue até amaciar, por uns 2 minutos. Acrescente os cogumelos picados e cozinhe até a água evaporar e os cogumelos escurecerem (cerca de 15 minutos). Junte 1/2 xícara de migalhas de pão tostadas (esfarele o pão e leve ao forno baixo para secar; tire antes de mudar de cor) e tempere com sal e pimenta.

Refogue os chapéus reservados em azeite e sal, recheie com a mistura de cogumelos e arrume num tabuleiro. Asse a 230°C até os cogumelos amaciarem, por uns 20 minutos. Polvilhe com cheddar ralado e leve ao forno até o queijo derreter e dourar. Sirva.

POR KATE LOWENSTEIN E DANIEL GRITZER

Kate Lowenstein é jornalista especializada em saúde e editora-chefe da revista Vice; Daniel Gritzer é diretor culinário do site especializado Serious Eats.