Um passado praticamente imutável

A autora retorna à cidade onde passou parte da infância e da adolescência, onde procura encontrar seu primeiro amor, como uma ponte ao seu eu passado.

Claudia Nina | 2 de Fevereiro de 2020 às 10:00

youlia85/iStock -

Ela viu as antigas cadeiras brancas, que continuavam sendo as mesmas antigas cadeiras brancas. Se tivesse 200 anos de vida e voltasse àquele lugar, veria sempre as mesmas cadeiras brancas antigas envelhecendo eternas.

A porta do salão de festas estava fechada, mas conseguiu, pela janela lateral, ver um pouco do dentro. Estava quase igual ao que era – o passado não se mexia? Teve a impressão de que só ela avançara no futuro, tudo tinha ficado como sempre esteve. E, como em um sonho, ele surgiria em seus 17 anos a chamando para dançar a noite toda.

Ela, fingindo não ter envelhecido, aceitaria sem medo de parecer exausta.

Começou a flutuar na música imaginária. Ninguém a viu no meio do transe. Sorte dela – que mulher maluca, diriam, dançando com o vazio. Ficou naquele movimento não sabe quanto tempo até o momento em que percebeu que precisava acordar – lembrou então de ver se a piscina ainda existia cheia dos sapos de antes.

Como ventava e fazia um pouco de frio bom – saudade do tempo congelado –, a piscina estava mesmo como antes: escura e provavelmente cheia de sapos.

Lembrou-se de como era lenta a demora em ver a piscina limpa e clara para o verão sempre tardio. Que saudade de tudo.

Andou de um lado para o outro na tentativa de mais uma vez encontrar o garoto de 17 anos, mas ele não apareceu mais. Ela sabia que talvez fosse uma ilusão, mas não custava nada insistir. Quem sabe, por uma falha súbita na lógica do universo, as pessoas pudessem coexistir em seus duplos de passado, presente e futuro? Por onde ele andaria hoje? Estaria como as cadeiras, envelhecendo eternas?

Ficou ali horas e horas pensando o que faria na cidade. 

Iria tentar encontrá-lo de algum modo? Tinha medo de desmanchar o passado. Eram tão precárias as lembranças que, se ela tocasse de mau jeito, a pouca memória poderia se esfarelar de vez. Não poderia correr o risco. Ou deveria? E se ele estivesse como era e ainda melhor? Se ele realmente fosse a pessoa que ela sempre pensou que ele fosse e não só um alvoroço?

Como viver com estas interrogações?

Saiu dali sem direção. Iria continuar andando pela cidade, queria chegar até a orla do rio para assistir ao pôr do sol. Não sabia ainda o que fazer depois disso.

Precisaria encontrar uma forma de fazer com que aquele personagem habitasse novamente as suas páginas de vida, sobretudo porque tinha saudade da pessoa que ela era quando estava com ele. Quando as cadeiras ainda estalavam e não tinham envelhecido eternas.

O tempo lhe diria o que fazer.

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Este texto dá prosseguimento a “Em busca de um tempo perdido“, publicado em 26/1/2020.

POR CLAUDIA NINA – claudia.nina@selecoes.com.br

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