Minha família e outros animais

Confira mais uma crônica de humor publicada na revista Seleções e dê boas risadas com a história de Patricia Pearson.

Redação | 13 de Abril de 2022 às 15:00

Sam Island -

Minha filha veio programada para ser a cuidadora de todas as criaturas do planeta. Clara mal tinha 3 anos quando encontrou um boneco de tiranossauro de plástico, com 30 centímetros de altura, em nossa pracinha de Toronto – e imediatamente pôs uma fralda nele. O Dia da Terra bem que poderia ser seu aniversário. Nem consigo contar todos os #!@*&% animais necessitados de resgate que vieram parar em minha vida desde que me tornei sua mãe.

Clara não era simplesmente uma criança boazinha que não machucaria uma mosca. Não, era muito mais dramática do que isso. Certa vez, encontramos à beira da estrada uma gambá morta, cujo filhote minúsculo, cego e pelado, deve ter saído da bolsa de incubação da mãe e ido até onde estava agora, mole a seu lado. Poderíamos olhar com tristeza, nos sentir mal e continuar andando? É claro que não.

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“NÃO PODEMOS DEIXAR QUE ELE MORRA!”, proclamou Clara com toda a fúria justiceira de Joana d’Arc. Como discutir? Não é que eu tivesse pensado sobre minha filosofia de opções de tratamento humano para o fim da vida de filhotes órfãos de gambá. No momento seguinte, eu procurava no Google onde comprar leite para gatinhos – é, pode-se comprar essa coisa – e um conta-gotas, e passava por todo o exercício inútil de tentar manter vivo por mais de 12 horas algo do tamanho de um Froot Loop.

Depois disso, foi preciso fazer um funeral elaborado.

No ano seguinte, todos nós – a família, os vizinhos, os colegas da escola – assinamos a petição de Clara ao primeiro-ministro do Canadá para “Salvar os pombos”. Isso foi depois que ela viu uma dessas aves urbanas esmagada por um carro no caminho da escola. Não adiantou explicar a Clara que os pombos não eram exatamente uma espécie em extinção, que viviam muito bem nas cidades do mundo comendo crosta de pizza e batatas fritas descartadas.

Quando Clara tinha 8 anos, já acumulávamos três gatos de rua, um cachorrinho, um peixe, um ouriço e vários ovos de galinha que, ainda bem, não chocaram em seu quarto, apesar dos cobertores e da lâmpada de aquecimento.

Em seguida, veio o incidente da quiroprática de tâmias, as primas dos esquilos.

Quem imaginaria que há no mundo alguém cuja vocação autodeclarada é massagear as costas de roedores selvagens? Só que há. E a encontramos a meros 40 quilômetros de nossa casa, depois que um de nossos gatos feriu uma tâmia no mato.

Seguiram-se as lágrimas de Clara, seu choro de tristeza e os apelos à nossa decência básica. Tínhamos de salvar o mamífero levemente abalado. E, como não encontramos um órgão de resgate de animais selvagens aberto (era feriado oficial), descobrimos essa mulher. Levamos a tâmia estonteada à casa da “quiroprática”, que era um trailer na floresta em meio a gaiolas e cercados. Ela tinha o cabelo escuro e crespo e usava óculos de gatinho e um moletom dos Smurfs.

Não quero especular se ela cuidou daquela tâmia até ficar boa ou se a esfolou para fazer um casaco de boneca quando deixamos a pobre criatura em suas mãos. A única coisa que eu sabia na época era que tínhamos acalmado nossa filha e poderíamos voltar ao que estávamos fazendo antes que o dia explodisse numa crise.

Finalmente, pouco depois das sessões de tratamento do bebê guaxinim que ocorreram quando mamãe guaxinim ficou presa num galpão, bati o pé. “Chega de animais”, eu disse a Clara. Nossa casa já era um caos de cocô de gato, rodas de hamsters e tufos de pelo perdidos. Chega!

Felizmente, nesse estágio Clara já estava na adolescência e não queria ter mais nada a ver conosco.

Então veio uma última aventura antes que ela se mudasse: o Caso das Escocesas que Colecionavam Gatos. Clara me convenceu a dar lar temporário a dois gatinhos: um grupo de voluntários que resgatava gatos, chefiado por duas senhoras idosas de Glasgow, precisava desesperadamente de ajuda. Recolhemos os gatinhos de 7 semanas e assinamos uma papelada que não li com atenção.

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Enquanto os gatinhos subiam e desciam pelas pernas de minha calça, publiquei um apelo nas mídias sociais dizendo que buscávamos um “lar permanente” para os gatinhos. Logo, um casal de amigos gays apareceu com uma caixa de transporte, se apaixonou loucamente pela fêmea, a levou para casa e pôs um anúncio de nascimento no Facebook. Decidimos adotar o macho. Foi então que percebi que as duas mulheres tinham estipulado na papelada que os gatinhos não poderiam “ser separados sob nenhuma circunstância”. Havia regras utópicas sobre os filhotes de gatos de rua, como a marca de ração que deveriam comer, aonde poderiam ir em segurança e que veterinário tinham de consultar.

Não pensamos mais sobre o assunto até as duas senhoras virem fazer uma inspeção de rotina em nossa casa. Isso provocou uma cena ridícula: tivemos de fingir que a gatinha estava escondida no porão, com meu marido sacudindo um saco de petiscos e gritando “Gracie!”. Tudo isso enquanto a gata estava no outro lado da cidade, num apartamento no décimo andar.

As senhoras desconfiaram, mas o que poderiam fazer? Estavam lotadas de gatos que elas mesmas impossibilitavam que outros adotassem. Enquanto escrevo, Finnigan está deitado a meu lado, meu favorito de todos os animais que já tivemos até agora. E Clara se mudou para a Califórnia, onde descobriu uma hoste de galinhas “devolvidas” para adoção na Sociedade de Proteção aos Animais de Los Angeles.

Que Deus a abençoe.

Por Patricia Pearson