A carta de amor de 60 anos atrás

Alguns anos atrás, tropecei numa carteira na rua. Não havia identificação dentro dela. Somente três dólares e uma carta amassada que parecia estar ali

Julia Monsores | 9 de Novembro de 2019 às 21:00

Elizaveta Elesina/iStock -

Alguns anos atrás, tropecei numa carteira na rua. Não havia identificação dentro dela. Somente três dólares e uma carta amassada que parecia estar ali havia anos. A única coisa legível no envelope rasgado era o endereço do remetente. Abri a carta e vi que fora escrita em 1924, quase 60 anos antes. Eu a li atentamente, na esperança de achar alguma pista da identidade do dono da carteira.

Uma carta de amor

Era uma carta que começava com “Meu querido”. Quem a escrevera com letra delicada dizia ao destinatário, cujo nome era Michael, que a mãe a proibira de vê-lo de novo. Ainda assim, ela sempre o amaria. Assinado, Hannah.

Era uma carta linda. Mas, além de estar escrito o nome Michael, não havia nada que identificasse o dono. Então, liguei para o serviço de informações para ver se a telefonista poderia me ajudar.

– Telefonista, sei que parece estranho, mas estou tentando encontrar o dono de uma carteira que achei. Há como saber o telefone por meio de um endereço que está numa carta dentro da carteira?

A telefonista me passou para a supervisora, que disse que havia um telefone registrado com aquele endereço, mas que não podia me dar o número. No entanto, ela ligaria e explicaria a situação. Se a pessoa quisesse falar comigo, me repassaria a ligação. Esperei um minuto e ela voltou à linha.

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– Há uma mulher que quer falar com o senhor.

Perguntei à mulher se ela conhecia alguma Hannah.

– Ah, é claro! Compramos esta casa da família de Hannah.

– A senhora sabe onde posso localizá-la agora? – perguntei.

– Hannah teve de internar a mãe numa casa de repouso anos atrás. Talvez a instituição possa ajudá-lo a encontrar a filha.

Ela me deu o nome do local. Liguei e soube que a mãe de Hannah havia morrido. A mulher com quem falei me deu um endereço onde ela achava que Hannah poderia estar.

Começa a jornada

Telefonei. A mulher que atendeu explicou que agora era Hannah quem morava numa casa de repouso e me deu o telefone de lá. Liguei e me disseram:

– Sim, Hannah está aqui conosco.

O diretor e um guarda me receberam à porta da instituição. Fomos até o terceiro andar falar com a enfermeira, que nos disse que Hannah estava mesmo assistindo à TV.

Entramos na sala. Hannah era uma senhora doce, de cabelos prateados, com um sorriso caloroso e olhos amistosos. Contei-lhe da carteira e lhe mostrei a carta. No instante em que a viu, ela respirou fundo.

– Meu rapaz – disse ela –, esta carta foi o último contato que tive com Michael. – Ela olhou para longe e falou, pensativa: – Eu o amava muito. Mas só tinha 16 anos, e minha mãe achou que eu era nova demais. Ele era tão bonito. Sabe, como o ator Sean Connery.

Ambos rimos. Então, o diretor nos deixou a sós.

– É, o nome dele era Michael Goldstein. Se o encontrar, diga-lhe que ainda penso muito nele. Nunca me casei – contou ela, sorrindo entre lágrimas que se acumulavam nos olhos. – Acho que ninguém jamais chegou aos pés de Michael.

Agradeci a Hannah, me despedi e peguei o elevador para o primeiro andar. Quando cheguei à porta, o guarda perguntou:

– Ela o ajudou?

Respondi que me dera uma pista.

– Pelo menos, já sei o sobrenome. 

Um reencontro surpreendente

Enquanto conversávamos, puxei a carteira de couro marrom com um cordão trançado vermelho e a mostrei ao guarda. Ele a olhou e disse:

– Ei, eu reconheceria esta carteira em qualquer lugar. É do Sr. Goldstein. Ele vive perdendo.

– Quem é o Sr. Goldstein? – perguntei.

– É um dos residentes do oitavo andar. Essa é a carteira dele, com toda a certeza. Ele costuma sair para caminhar.

Agradeci ao guarda e corri de volta à sala do diretor para lhe dizer o que o guarda me contara. Ele me acompanhou até o oitavo andar. 

– Ele ainda deve estar na sala – disse a enfermeira –, porque gosta de ler à noite.

O amor prevalece

Fomos ao único cômodo com a luz acesa e lá estava um homem lendo um livro. O diretor foi até ela.

– Hannah – disse ele, baixinho. – Conhece este homem?

Michael e eu estávamos esperando à porta. Ela ajeitou os óculos, olhou um momento e não disse palavra.

– Hannah, este é Michael. Michael Goldstein. Lembra-se?

– Michael? Michael? É você!

Ele andou devagar até ela, que se levantou, e os dois se abraçaram. Depois, sentaram-se num sofá, deram-se as mãos e começaram a conversar. O diretor e eu saímos, ambos chorando.

– Viu como o bom Deus trabalha? – perguntei, filosoficamente. – Se for para acontecer, vai acontecer.

Três semanas depois, recebi um telefonema do diretor, que perguntou:

– Pode vir aqui no domingo para assistir a um casamento? – Ele nem esperou minha resposta. – É, Michael e Hannah finalmente vão ficar juntos!

Foi uma linda cerimônia, com todos os moradores da casa de repouso participando da festa. Hannah usava um vestido bege e estava linda. Michael usava um terno azul-marinho, muito elegante. O lar lhes deu um quarto particular, e quem quiser ver uma noiva de 76 anos e um noivo de 78 agindo como adolescentes precisa conhecer este casal. 

Um final perfeito para um caso de amor de quase 60 anos…

Por Arnold Fine de The Jewish Press