A mágica do meu pai para curar tristezas

Quando uma mágica noturna transforma o dia de alguém..

Julia Monsores | 28 de Outubro de 2019 às 19:00

vchal/iStock -

Numa noite, sem conseguir dormir, saída cama e comecei a andar pela casa. Não sei por quê, mas minhas preocupações e ansiedades parecem piorar quando a noite cai. Foi então que, olhando pela janela, lembrei-me de outra pessoa que, um dia, muito tempo antes, também sofrera de insônia: meu pai.

A ficção é a mágica da transformação

Ele teve muitas profissões na vida: mágico, ventríloquo, repórter, editor e locutor de TV. Mas se considerava, acima de tudo, escritor. Escrevia peças de teatro, roteiros de cinema, colunas para jornais, artigos de revistas e muitos livros. O mais famoso foi publicado em 1949, The greatest story ever told, contando a vida de Jesus. Foi mais ou menos nessa época, quando eu estava com 16 anos, que comecei a ajudá-lo em seu escritório, no apartamento de Nova York.

Todas as manhãs, antes de ir para a escola, eu verificava se a escrivaninha dele estava em ordem. Via se as canetas estavam cheias de tinta e se havia clipes em quantidade suficiente. Embora montanhas de papel passassem pela mesa de meu pai, ele a mantinha imaculosamente limpa.

Uma história para sempre recordar

Foi assim que, certa manhã, fiquei surpreso ao encontrar um cinzeiro de vidro repleto de cinzas. Estava ali, perguntando-me o que teria acontecido, quando ouvi passos atrás de mim.

Virei-me. Lá estava meu pai, de roupão e chinelos, com um sorriso curioso.

– Algo pegou fogo? – perguntei.

– Fo só um pequeno incêndio premeditado – respondeu ele, com o olhar cheio de malícia. – Em plena madrugada, eu fiz um espetáculo de magica!

E me contou a história. Ele havia acordado por causa de um pesadelo e não conseguia mais dormir. Então, fora até o escritório para ler um pouco. Mas, quando ia acender a luz, algo lhe chamara a atenção.

– Através daquela janela – contou, apontando –, tive uma visão.

Surge uma ideia mágica

Atrás da escrivaninha havia uma grande janela, que dava para a de outro apartamento.

– Quando estava aqui no escritório, ainda no escuro – continuou meu pai –, vi uma garotinha na janela. Devia ter uns 8 anos e era o próprio retrato da tristeza. Tinha cabelos compridos e olhos azuis que mal piscavam. Eu nunca vira um rosto tão desolado.

Meu pai fitou a menina por um tempo, tentando imaginar qual seria o motivo de tamanha tristeza. Talvez ela também tivesse acordado de um pesadelo.

– Mas uma coisa eu tinha certeza: a garotinha precisava de algo que a fizesse sorrir.

No escritório, em meio aos livros, havia uma prateleira onde meu pai guardava sua parafernália de mágica. Ele rapidamente reuniu seu material.

– Rezei para conseguir fazer algo que deixasse aquela menininha mais feliz.

Em seguida, acendera a luminária sobre a escrivaninha, que funcionara como um holofote.

– Ah! Eu queria que você visse como os olhos da menininha se arregalaram! Fiz um cumprimento e comecei o espetáculo.

Tudo por um sorriso

Primeiro, ele pegou três aros de metal e começou a fazer truques no ar, até que de repente um aro se uniu ao outro, enquanto o terceiro desaparecia. Em seguida, os três ressurgiram em sua mão, formando uma corrente, que ele largou na mesa. No instante seguinte, pegou de volta os três aros, novamente separados.

Depois, começou a movimentar uma bola vermelha entre os dedos, até que ela se transformou em duas, em três, em quatro. Num segundo, as quatro bolas voltaram a ser duas, rolando pelos dedos como se tivessem vida própria.

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– Acho que nunca tive na vida um público como aquele. No começo, pensei que a menina estivesse com medo. Mas depois, ela começou a pular, maravilhada com o que via. A menina ainda sorria quando eu me despedi e apaguei a luz do quarto.

E enquanto eu me recordava dessa história, minhas preocupações desapareceram como num passe de mágica. Minha mulher e eu íamos visitar Sophie, nossa netinha de 8 anos, que sempre queria ouvir uma história. Eu lhe contaria o caso de mágica noturna. E, já quase adormecendo, pensei em como meu pai, mais uma vez, faria uma garotinha sorrir.

Por Fulton Oursler Jr.