Tentando me achar: uma luta contra a depressão

“Não se perca”, disse o velho acamado. Na época eu tinha 4 ou 5 anos e minha família estava lá de visita. Para ser franca, não consigo me lembrar do seu

Redação | 28 de Maio de 2019 às 19:00

damedeeso/ Istock -

“Não se perca”, disse o velho acamado. Na época eu tinha 4 ou 5 anos e minha família estava lá de visita. Para ser franca, não consigo me lembrar do seu nome nem de como o conhecemos. Mas duas décadas depois, enquanto eu jazia paralisada na cama e lutava para fazer as pazes com a vida, as palavras dele voltaram.

Durante anos, sofri de depressão. O primeiro incidente de que me recordo aconteceu quando eu tinha 14 anos. Eu voltava para casa da escola, em Cingapura, e fui tomada pela necessidade de me sentar num canto e chorar. Mal consegui chegar ao apartamento antes de cair em lágrimas. Esse sentimento inexplicado e avassalador me assustou. 

Tudo era distorcido pela minha mente até virar algo horrível.”

Quando estava com 16 anos, as explosões aconteciam mais ou menos uma vez por mês. Na maior parte do tempo, levava uma vida normal, mas aí a minha cabeça parecia ganhar vida própria. A princípio, ocorria
sem qualquer motivo, mas depois tudo virou motivo: o cenho franzido do professor, o primeiro prêmio de um ensaio, a fila comprida na cantina. Não importava se os incidentes eram alegres, tristes ou indiferentes, tudo era distorcido pela minha mente até virar algo horrível.

Eu me lembro muito bem de certo telefonema de uma amiga. Depois de conversarmos um pouco, ela disse que tinha de desligar porque a mãe estava chamando. Passei os dois dias seguintes me angustiando, achando que ela desligara porque me odiava. Era como se um demônio se apossasse da minha mente. E o tempo todo uma voz lá no fundo não parava de dizer que eu não valia nada, não servia para nada, que era burra.

Mantive quase tudo em segredo porque estava assustada e confusa. Certa vez, me recordo de tentar explicar o que ocorria à uma amiga, mas não consegui encontrar as palavras certas e acabei desistindo.

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Meus amigos tinham certa consciência do meu problema. Mais de uma vez tentaram me falar da minha vida difícil em casa. Meu pai nos submetia – a mim e às minhas duas irmãs menores – a terríveis agressões verbais, e minha mãe pouco fazia para nos defender ou mesmo para cuidar de nós. Agora percebo que os problemas familiares eram um fator importante da minha depressão, mas na época negava que houvesse algo errado.

Aos 17 anos, concluí que a única maneira de acabar com o sofrimento era simplesmente não sentir nada. Isso não foi difícil, pois estava sobrecarregada com os estudos, dois empregos em meio expediente e ainda cuidava das minhas irmãs. Não tinha tempo para pensar e muito menos para sentir.

A princípio, o entorpecimento foi um grande alívio, muito melhor que as mudanças de humor, mas não demorei a perceber que havia um vazio imenso no meu coração. Não sentia alegria, esperança nem dor. Cheguei ao cúmulo de me cortar só para sentir alguma coisa.

Tinha medo de ficar sozinha. Era como se eu fosse perseguida por um buraco negro que me engoliria inteira. Por fim, aos 25 anos, decidi que aquele inferno em vida tinha de ter um fim: ia me suicidar.

Felizmente, não tive oportunidade. Naquela noite, abri a porta do meu quarto bem na hora em que Banu, minha irmã de 16 anos, abriu a sua. Rosto inchado, olhos vermelhos, ela soluçava: “Não consigo parar, não sei por quê. Não consigo fazer o choro ir embora.”

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Fiquei horrorizada: alguém que eu amava passava pelo mesmo inferno que eu. Sabia que a depressão podia ser hereditária e que não era raro ocorrer em mais de um membro da família. Mas estava tão absorta nos meus problemas que deixara de ver que Banu também sofria.

Esse incidente me fez voltar à razão. O desejo de auxiliar minha irmã me obrigou a me ajudar.

Liguei para Raj, meu melhor amigo, e ele veio com outro amigo. Contei tudo e, por insistência deles, visitei um Centro de Serviço Familiar, onde marquei o início da orientação. Depois de algumas sessões, o orientador me explicou que a depressão vinha da situação familiar extremamente negativa e agressiva. O importante era eu admitir meus problemas e continuar a terapia.

“A depressão não é uma escolha nem um mau humor do qual basta a gente se livrar.”

Também entrei para um grupo de apoio e passei a ler livros de autoajuda. O mais importante foi que decidi sair da depressão. Obriguei-me a passear e a fazer novos amigos. Também convenci Banu a fazer terapia, levei-a a se envolver com o trabalho comunitário e fiz com que me acompanhasse para sair com os meus amigos em vez de ficar trancada em casa. Hoje, dois anos depois, ela está muito melhor. Faz o curso pré-vestibular e tem um círculo de amigos que lhe dão apoio.

A depressão não é uma escolha nem um mau humor do qual basta a gente se livrar. É uma doença que tem as suas causas. Mas, por mais que os outros tentem auxiliar, só as vítimas conseguem se ajudar a melhorar. Não estou dizendo que conseguiria sobreviver à depressão sem ajuda, mas sim que, se não decidisse sair dela, não sairia.

Meus surtos de depressão não desapareceram, mas agora são menos frequentes e de menor intensidade. Hoje reconheço os primeiros sintomas e tomo providências para evitá-los, conversando com amigos ou escrevendo sobre os meus sentimentos num diário.

Também me tornei mais positiva. Estou gozando a vida e o trabalho como professora de inglês e ciências numa escola particular. Não tem sido fácil me abrir e dividir os meus sentimentos, mas com o tempo vem se tornando menos difícil. E o melhor é que consegui ajudar Banu. Eu me perdi, mas consegui me reencontrar.

Por Reena Deen