Especialista explica como violência doméstica afeta saúde mental

A violência doméstica cresceu muito no período da quarentena, entenda como ela afeta o psicológico das vítimas e como ajudar.

Rebecca Henze | 25 de Julho de 2021 às 18:00

AntonioGuillem/iStock -

Nas últimas semanas, as cenas nas quais o produtor musical Iverson de Souza Araújo, conhecido como DJ Ivis, aparece agredindo a ex-mulher Pamella Holanda na frente da filha de nove meses e de outras pessoas, revoltou o Brasil. Após a grande repercussão do caso, o DJ teve a prisão preventiva decretada e o pedido de habeas corpus negado, e foi transferido para um presídio em Fortaleza. Mas, infelizmente, esse não é o destino da maioria dos abusadores.

Segundo pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma a cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência no último ano. Esse número equivale a cerca de 13,4 milhões de brasileiras. Isso quer dizer que a cada minuto 25 mulheres sofrem tortura psicológica, física, sexual e/ou mental dentro de suas casas. 

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Infelizmente, os órgãos de pesquisa estimam que durante a pandemia e o isolamento social houve um aumento no número de casos de mulheres vítimas de violência doméstica. Eles apontam que o convívio diário com o agressor aliado ao fato das vítimas não poderem ter contato com outras pessoas contribuíram para o aumento da tortura psicológica e demais casos de agressão.

A denúncia da violência

Apesar dos números alarmantes de violência contra a mulher, a estimativa é que haja ainda mais casos do que os informados oficialmente. E muito disso deve-se ao medo que as vítimas têm em denunciar o seu agressor. Em entrevista, Alexander Bez, psicólogo e especialista na área, esclarece que denunciar o agressor é uma tarefa muito mais complexa do que podemos imaginar.

“Nenhuma mulher gosta ou tem prazer por humilhação doméstica, nem tão pouco por ficar sentindo repetitivamente as sensações amargas do medo, perpetrado por um monstro urbano. É justamente aí, através dessas manifestações de ordem psicológicas relativas ao espectro do transtorno de estresse pós-traumático que a mulher fica na dúvida em fazer a denúncia, ações passivas pelo medo, medo de uma represália doméstica ainda mais severa, que a denúncia poderia causar.”

Denunciar a violência doméstica pode ser especialmente difícil para as mulheres agredidas. Elas precisam de empatia e apoio. (Imagem: jacoblund/iStock)

Percebe-se que o psicológico é um dos pontos cruciais da violência doméstica. Ao instaurar o medo na vítima, o agressor mantém o controle da situação. “O aparelho psicoemocional fica arrasado e destruído. Principalmente a autoestima, que vai gradativamente se deteriorando(…) a possibilidade da mulher dizer não a essa ação violenta, dizer não a essa situação e dizer adeus a tudo isso, fica cada vez mais difícil”, conta o psicólogo.

“A agressividade sempre será um eterno traço efetivo de condução comportamental, podendo às vezes ficar num espaço de latência psicológica, mas que se converte rapidamente, nas ações escabrosas constituídas pela dor e pela humilhação da qual uma mulher é submetida. Essa repetição padronizada imutável de ações violentas é que modela a configuração de terror, experimentado por milhares de mulheres, assim como Pamella.”

No caso da esposa do DJ, ela contou, em entrevista ao Fantástico, que “ainda sente muito medo, mas que encontrou na filha, ainda bebê, a coragem para dizer chega.”

Tipos de violência doméstica e familiar

Um fator da tortura psicológica que torna mais difícil para as mulheres fazerem a denúncia é acreditar que o agressor vai mudar o comportamento; a manipulação é um traço muito presente nesses casos. Mas é preciso ficar atenta também aos outros tipos de violência. Na Lei Maria da Penha estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.

Violência física: é qualquer ato de violência que ameace a integridade física ou a saúde corporal da mulher.

Violência psicológica: é qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima, prejudicando e perturbando o desenvolvimento da mulher; ou que vise controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.

Violência moral: é qualquer ação que configure calúnia, difamação ou injúria.

Violência sexual: é qualquer ação que obrigue a mulher a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.

Violência patrimonial: é qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Como a violência psicológica afeta a mulher

A violência psicológica apresenta características mais difíceis de serem comprovadas – e muitas vezes percebidos – quando comparada aos outros tipos. Algumas das características comuns a esse tipo de violência são:

Bez explica que a crença na mudança de conduta do agressor faz com que muitas mulheres permaneçam presas em relacionamentos com parceiros abusivos.

“O terror é muito comum nesses casos, e atrelado ao sofrimento dela! Principalmente pelas intercalações a qual muitas vezes a violência é encoberta, remetendo a mulher a imaginar uma possível trégua. No entanto, essa não existe, fazendo parte apenas de uma ideia delirante, posto que a agressão, enquanto molde de caráter, é definitiva, inalterada e jamais retrocedida”.

Superação após o trauma

Após viver a tortura dentro de sua própria casa, o trauma instaurado pode ser superado. A mulher vítima da violência ou qualquer um que suspeite do que está acontecendo, deve ligar para o número 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou chamar a polícia pelo 190, fazendo um boletim de ocorrência contra o agressor. A Lei Maria da Penha está pronta para dar o suporte jurídico e burocrático que a mulher precisa, porém a determinação de enfrentar o medo deve ser interna, com acompanhamento psicológico e ajuda de amigos e familiares. Além disso, o trabalho de ONGs como a Tamo Juntas ajuda muito ao oferecer apoio de mulheres que passaram pela mesma situação.

Ao comentar sobre a superação, o psicólogo dá dicas sobre as relações interpessoais pós-trauma:

“O primeiro passo é a separação total, não só no papel, mas na vida como um todo. Fazer psicoterapia de apoio e com ênfase em elevar a autoestima, só se relacionar novamente quando a autoestima estiver estabilizada. (…)Além disso, manter os contatos sociais e familiares ativos é muito importante. E acima de tudo, permitir se amar, sabendo que você sempre vem em primeiro lugar.”


Atenção: Todas as formas de agressão citadas no texto são complexas, perversas, não ocorrem de forma isoladas umas das outras e têm graves consequências para a mulher. Qualquer uma delas constitui ato de violação dos direitos humanos e deve ser denunciada. Se estiver passando por algum tipo de violência doméstica, ou conhecer alguém que esteja, ligue para o 180 e denuncie!