Abóbora: um fruto muito versátil

Nesta edição da seção "Eu sou a comida em seu prato", da edição de novembro da Revista Seleções, chegou a vez da abóbora dar o seu depoimento!

Julia Monsores | 24 de Novembro de 2019 às 19:00

Smitt/iStock -

Estamos em minha época do ano favorita. É agora que os amarelos, marrons e alaranjados da estação ocupam seu lugar no repertório outonal de cabeças de abóbora nas festas do Dia das Bruxas, nas mesas, no leite com abóbora e nos temperos para esquentar a barriga. Eu me sinto muito amada: sou o fruto que tem todos os papéis principais.

Mas vamos esclarecer algumas coisas, porque sei que você está um pouco confuso. Vejo isso em seu rosto todo ano quando você descobre que a “abóbora” da torta de abóbora não é a que você imaginou, mas a das variedades honeynut, gigante ou outra bem doce. Ouço isso em sua voz quando você pede um prato de abóbora e o garçom lhe traz abobrinha. Realmente, é confusa a quantidade de tipos espremidos numa única categoria de fruto que os norte-americanos nativos chamavam de askútasquash.

Em julho, sou a abobrinha primaveril; no outono, cabotiá, cheirosa e espaguete, além das morangas, ótimas para esculpir e não tão boas para comer em tortas. Deixe minhas variedades de inverno secarem no caule e me transformo em cabaças.

Abóbora: a primeira planta domesticada

Essa última variedade minha é que me trouxe até onde estou hoje. A maioria das variedades domesticadas chamou a atenção dos seres humanos por ser comestível, mas vocês começaram a gostar de mim porque eu era muito útil quando incomestível. É provável que eu seja a única planta a ser usada no mundo inteiro por povos pré-históricos e a primeira planta domesticada.

Por quê? Porque, quando seca e oca, sou multidão: sirvo de balde, de caixa de ressonância de instrumentos musicais (como a marimba e todos os chocalhos desde o início dos tempos) e de boia em docas flutuantes e redes de pesca; sirvo de decoração e posso ser esculpida, pintada, usada como adorno; sou utensílio para comer, cachimbo e panela (jogue pedras quentes dentro de mim e pronto: a água ferve!).

Os norte-americanos nativos me usavam como casas de passarinho; até hoje, me transformar em casa para andorinhas-azuis é um projeto favorito dos observadores de aves com pendor para o artesanato. Sou tão versátil que, aonde quer que as pessoas vão, ainda vou com elas. (Os motociclistas nigerianos descobriram para que não sirvo quando o país baixou uma lei tornando o uso do capacete obrigatório e muitos evitaram comprá-lo usando cabaças.)

Confira algumas receitas com abóbora

Finalmente, fui cultivada como alimento no México, há cerca de 9 mil anos, quando então dei outra volta ao mundo, dessa vez como comida. Tornar-me palatável exigiu cruzamentos para eliminar o excesso de cucurbitacina, que me dá um sabor muito amargo. Ainda tenho vestígios da toxina e, embora algumas fontes listem seus benefícios à saúde, em quantidade maior ela já deixou vocês, humanos, muito doentes, sem cabelo e até mortos. Você não precisa se preocupar com isso caso me compre no supermercado; o nível de toxina só aumenta se houver polinização cruzada acidental com abóboras selvagens. Mas atenção, hortelões: se sua abóbora recém-colhida estiver amarga, não a coma.

Muuuuitas variedades!

Como você deveria me comer? Ora, de todos as formas, é claro: colha abobrinhas verdes e amarelas que estejam tenras e não sejam muito grandes, e não esqueça a cambuquira, minha linda flor laranja-amarelada, que fica ótima em omeletes, refogados e recheada com queijo. E sirva-se das variedades maiores: mogango, cheirosa, espaguete ou cabotiá; todas podem ser comidas com ou sem casca.

O mogango, a abóbora-cheirosa e a cabotiá podem ser cortados ao meio para remover as sementes e levados ao forno até ficarem macios. Polvilhe açúcar para obter uma crosta caramelizada. Como os franceses, você pode me rechear com uma mistura bem temperada de pão ou de arroz e carne, e terá um belo prato principal para sua refeição.

Quanto mais eu ficar castanha e caramelizada, mais doce me torno; portanto, não tema me assar em temperatura alta (220°C e até 230°C) e não me tire do forno cedo demais. É difícil cozinhar demais uma abóbora; depois de amaciar, fico assim, me derretendo e absolutamente deliciosa. Para fazer uma sopa, asse e doure profundamente os meus pedaços; depois, bata ou amasse para obter uma doçura maior e mais intensa. Ah, se vir uma cabotiá verde ou laranja na feira, compre. Parece uma moranga, mas é muito mais gostosa (só que mais difícil de esculpir, por causa da polpa substancial e adocicada).

Posso ser versátil e muito tolerante na culinária, mas sejamos francos: não sou macarrão. Aqueles “espaguetes” de abóbora e abobrinha da moda são chatos e insossos. Portanto, eis um conselho humano de despedida: esqueça-os. 

por Kate Lowenstein e Daniel Gritzer