Cure fobias e doenças com a hipnose

A hipnoterapia tem ganhado fama nos últimos anos, e muitos profissionais da medicina têm admitido seus benefícios para diversas áreas da saúde.

Redação | 11 de Dezembro de 2018 às 18:00

KatarzynaBialasiewicz/iStock -

Nesta terça-feira, o Encontro com Fátima Bernardes abordou um tema inovador: a hipnoterapia. O hipnólogo Fabio Puentes explicou como a hipnose pode contribuir para diminuir e tratar fobias e medos.

Já há algum tempo a medicina tradicional tem se aliado a técnicas de hipnose para combater problemas de saúde. Estudos afirmam que dá, sim, para tratar dores crônicas, insônia, obesidade, fobias, doenças de pele, entre outros males, com hipnose. Mas não é aquela de estalar dedos e fazer com que o problema desapareça; são sessões com método definido, em tratamentos que podem levar meses.

Há cada vez mais cientistas e pesquisadores “hipnotizados” pelo tema. O número de estudos publicados por ano sobre o assunto cresceu 50% na última década. Os novos hipnotizadores têm diploma de médico, psicólogo ou dentista, e preferem ser chamados de hipnólogos.

Como funciona a hipnoterapia

A hipnose é um estado em que a percepção, a memória e as ações de alguém podem ser alteradas por sugestão de outra pessoa. Alguns têm facilidade em serem hipnotizados; outros, raramente conseguem.

No cérebro, já descobrimos algumas das regiões onde esse fenômeno ocorre. Estudos com neuroimagens mostram que o giro do cíngulo anterior direito, uma área responsável por levar informações emocionais para nossa mente racional, fica mais ativo durante a hipnose. “A sugestão chega a essa região intermediária, que é aquela que decide para onde vai a atenção, como se inoculasse um pensamento na cabeça da pessoa”, diz Mohamad Bazzi, neurocientista brasileiro que estuda hipnose há duas décadas. É ali que ocorre o processo de dissociação da mente, acreditam os pesquisadores.

Apenas 10% da população mundial é altamente suscetível à hipnose.

Indivíduos menos passíveis levam mais tempo para chegar a um transe profundo – e, ainda assim, não há garantia de que consigam atingir esse estado. A diarista Andreia Peres Maranhão, 34 anos, por exemplo, precisou passar por 12 sessões até estar pronta para uma cirurgia de retirada de um nódulo mamário, feita em transe. “Já tinha passado por uma experiência ruim com anestesia antes e estava amamentando [a amamentação seria interrompida com o uso do sedativo]”, conta.

Durante as sessões, a anestesiologista Cristiane Hikiji Nogueira fazia com que Andreia treinasse seu cérebro a diminuir a dor gradativamente até perder a sensibilidade. Começava induzindo Andreia à hipnose para que relaxasse. Então, fazia perfurações com agulhas finas e dizia que aquela região não teria mais dor. Nas sessões seguintes, aumentava o tamanho da ponta da agulha até que Andreia não sentisse dor na extensão que seria o corte da cirurgia. Os anestésicos tradicionais também foram preparados durante a cirurgia, para o caso de emergência, mas o uso não foi necessário.

Também é possível juntar as duas coisas: hipnose e anestésicos. Foi o que fez a professora paulistana Gabriela Talarico, 32 anos, ao retirar dois dentes do siso. Com medo de anestesia, seguiu as sugestões de relaxamento do odontologista Marcelo Martins Moreira e ficou menos suscetível às reações de dor. Apenas um terço da quantidade normal de anestésico foi utilizado. “A hipnose não foi tão profunda, mas foi o suficiente para acalmá-la e melhorar a cicatrização e o controle de sangramento”, afirma.

A ciência da hipnose

Apesar de impressionantes, exemplos desse tipo eram antes encarados com ceticismo por acadêmicos. A maior parte das dúvidas caiu em 1998, quando os cientistas Stephen Kosslyn, da Universidade de Harvard, e David Spiegel, de Stanford, usaram o PET (tomografia por emissão de pósitrons, um sofisticado exame de imagem) para “fotografar” a hipnose. Eles sugestionaram indivíduos a enxergarem cores em um painel preto e branco e constataram que os cérebros agiam como se realmente existissem cartazes coloridos na frente.

Em 2010, o pesquisador Devin Terhune, de Oxford, usou um princípio parecido para mostrar como a hipnose poderia ser usada para um feito antes tido como impossível: reverter a sinestesia. A doença rara leva a uma confusão de sentidos no cérebro, como, por exemplo, enxergar imagens inexistentes ao ouvir sons. No caso da voluntária tratada pelo experimento, cores fortes surgiam todas as vezes que ela via um rosto. Induzindo o transe, Terhune desviou o “caminho cerebral” durante o fenômeno, fazendo com que ela ignorasse as cores em sua mente. Um eletroencefalograma confirmou o efeito. “Ela relatou que não tinha mais espasmos de cor ao ver faces e, ao mesmo tempo, a área ligada à confusão mental no cérebro reduziu sua atividade elétrica”, afirma Terhune.

Psicologia a mais

Atacar a dor é o efeito mais conhecido dessa reorganização mental, mas está longe de ser o único. Males como insônia, fobias, hipertensão e obesidade muitas vezes estão bastante relacionados a fatores psicológicos. Em alguns casos, a hipnose pode ajudar. Foi o que um dos maiores especialistas em hipnose clínica do mundo, Irving Kirsch, mostrou em 1995. Ele constatou que a prática melhorava, em 70% dos casos, os efeitos das terapias baseadas em psicologia cognitivo-comportamental, forma mais popular de tratamento para esses problemas.

A relações-públicas Simone Araújo, 37 anos, comprovou esse benefício. Ela sofre de dermatite atópica, uma doença crônica incurável que provoca descamação, coceira e manchas avermelhadas pelo corpo, e que piora em momentos de estresse. “Depois de tantos tratamentos, era mais uma tentativa, surgia uma esperança. Antes, estava difícil até mesmo abraçar meus filhos porque eu sentia muita dor com a pele machucada. Hoje abraço, beijo e levo até beliscão”, diz Simone. Ela trabalhou sua ansiedade nas sessões de hipnose com uma série de exercícios de respiração que estimulavam o seu relaxamento até o transe. Esse estado era realçado por instruções para imaginar situações de tranquilidade. “Era como uma boa noite de sono. Sentia uma melhora grande até a próxima sessão. ” O humor de Simone melhorava e, após o segundo mês, as manchas também.

Se ajuda na parte psicológica, a hipnose também tem efeito contra vícios como o tabaco. Para o auxiliar de enfermagem Anderson Soares da Silva, 34 anos, foi o componente que faltava em seus tratamentos. Ele tentou parar com adesivos e até antidepressivos, mas ficava no máximo dois dias sem fumar. “Só deu certo quando juntei hipnose a outros remédios”, diz Anderson Soares, que não fuma há mais de um ano.

Perder peso

Imagine se alguém lhe dissesse que, para emagrecer rapidamente, não seria necessário fazer cirurgia, mas apenas fingir ter feito uma? Pois esse é o tratamento oferecido pela clínica de hipnose Elite, na Espanha. A terapia busca a utilização desse efeito psicológico da hipnose. “O paciente é sugestionado a pensar que passou por uma cirurgia de redução de estômago”, diz o hipnólogo espanhol Martin Shirran, sócio da clínica. Para aumentar o poder de persuasão, é armada uma espécie de teatrinho, simulando cheiro, tato e sons típicos de uma sala de cirurgia. No final, diz Shirran, o paciente fica com uma imagem no inconsciente de que o estômago está menor. Dessa forma ele sente que não suporta muita comida. O tratamento é febre no Reino Unido depois de ter sido usado pela cantora Lily Allen e pela ex-Spice Girl Geri Halliwell.

Futuro das pesquisas

Um dos próximos passos da ciência da hipnose se aproxima um pouco do teatrinho da clínica espanhola. Um grupo de cientistas ingleses da Universidade de Greenwich estuda modos de potencializar a prática com o auxílio de um ambiente de realidade virtual. Outros pesquisadores tentam entender o que leva algumas pessoas a serem mais hipnotizáveis que outras. Pelo menos quatro estudos já relacionaram um gene chamado COMT à suscetibilidade, mas sua ação ainda não é totalmente compreendida.

Há também vários grupos que desejam sumular doenças por meio de hipnose para entendê-las melhor. Um dos líderes dessa corrente é o britânico David Oakley, PhD em psicologia clínica e professor da University College London. Ele publicou uma revisão de iniciativas na área em 2009, reunindo experimentos nos quais pessoas são hipnotizadas para sentir alucinações auditivas, calor e tipos diferentes de dor. Esses estados cerebrais imaginários poderiam ser usados para entender melhor como algumas doenças afetam as pessoas.

Leia também: Como meditar com consciência: 5 passos para iniciantes

O neurocientista israelense Avi Mendelsohn mostrou como o cérebro de pessoas suscetíveis ao esquecimento após a hipnose pode bloquear a ativação da memória. Seus estudos também apontam a possibilidade de criar lembranças falsas. “No futuro, acredito que muitos poderão usar a hipnose para bloquear memórias, ou ao menos suprimir emoções ruins ligadas a essas recordações”, afirma.

Há muito de hi-tech nas novas pesquisas, mas o que a maioria dos cientistas da área ainda quer é confirmar a eficácia do tratamento para outras doenças. “Alguns estudos são bons, mas boa parte deles precisa se adequar a padrões de qualidade mais altos para não serem contestados”, afirma Donald Robertson, diretor do UK College of Hypnosis & Terapy, que revisou dezenas de estudos sobre o tema.

Com tantos livros a respeito, há a tentação de se validar cientificamente a eficácia contra vários males. “Mas a hipnose não tem nada de milagroso, muitas vezes complementando outras técnicas. Ninguém vai dizer ‘pronto, a partir de agora você não fuma mais’. Isso não existe”, diz Mohamad Bazzi.