Mistério médico: “Eles não tinham esperança”

Alguns casos intrigam até mesmo os médicos mais experientes. Confira um dos mistérios médicos que intrigam os especialistas.

Redação | 1 de Agosto de 2020 às 01:01

yavdat/iStock -

Alguns casos intrigam até mesmo os médicos mais experientes. O caso médico abaixo certamente está nessa lista de mistérios médicos que intrigam os especialistas.

PACIENTE:Davi (nome alterado para proteger a privacidade), um bebê de 5 meses
SINTOMAS: Chiado ao respirar, edema e urticária generalizada
MÉDICA: Dra. Edna Lúcia Souza, pediatra do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, em Salvador, no Brasil

Davi era o retrato da saúde quando veio ao mundo no verão de 2010, perto da cidade de Salvador, na Bahia. Era um bebê gorducho, nascido a termo, que mamava facilmente, o que deixava contentes os pais jovens de primeira viagem, Carla e André. Mas, quando Davi tinha apenas 4 meses, manchas  vermelhas de urticária começaram a se espalhar pelo seu peito.

André ganhava salário mínimo numa fazenda frutícola e Carla estava desempregada. Como muitos brasileiros de baixa renda, a família não tinha médico nem pediatra. Nos meses seguintes, eles visitaram uma série de clínicas. Cada vez o diagnóstico e o tratamento eram diferentes. Disseram aos pais de Davi que o filho podia estar com eczema, reação alérgica a algo no ambiente, ou sarna. Carla e André seguiram piamente as instruções dos médicos, aplicando creme antimicótico, pomada antibiótica e depois um corticosteroide no peito de Davi. Mas nada resolveu.

Na verdade, a urticária começou a se espalhar, com áreas vermelhas cada vez maiores e calombos que descascavam e ficavam em carne viva. Davi sentia dor e estava cada vez mais inquieto.

Quando a urticária havia tomado quase todo o corpo, Davi apresentou mais sintomas. Começou a tossir, com a respiração chiada. Desesperados, os pais consultaram outro médico; este sugeriu que Davi tinha uma infecção bacteriana e lhe receitou um antibiótico oral. Ansiosos, Carla e André esperaram que o bebê melhorasse. Mas suas pernas passaram a inchar.

Uma preocupação que parecia não ter fim

Com a situação piorando sem parar, os pais angustiados temiam nunca descobrir o que tinha o filho, agora com cinco meses. Mas Carla conversou com uma prima de segundo grau que lhe sugeriu que tentassem o hospital universitário de Salvador, onde seu filho, que tinha uma doença crônica, era tratado.

No Hospital Universitário Professor Edgard Santos, a família conheceu a Dra. Edna Lúcia Souza, que imediatamente deu início aos exames. “Os pais estavam tristes e preocupadíssimos”, recorda ela. “Não tinham esperança de que pudéssemos ajudar.”

Agora a urticária era tão grave que cobria o rosto, os membros, a barriga, as costas e até as nádegas de Davi. Novas lesões se abriam, enquanto outras formavam crostas. As coxas inchadas pareciam tão largas quanto a cintura do menino. Desconfortável, o bebê não parava de chorar.

A princípio, a Dra. Edna achou que fosse uma reação grave ao antibiótico oral que ele parara recentemente de tomar. Os exames de sangue chegaram a mostrar nível baixo de albumina, que pode ser causado pela reação a medicamentos.

No entanto, Davi tinha gotículas de gordura nas fezes. Esse era um possível sinal de má absorção, em que os nutrientes não são corretamente aproveitados pelo corpo. O edema ou inchaço pode ser indicativo de má nutrição. Como também a baixa albumina. Davi estaria desnutrido? Ele não era pequeno nem magro demais, mas o edema poderia mascarar o emagrecimento.

Leia também: Fibrose cística: causas, sintomas e tratamento

Há algumas doenças, diz a Dra. Edna, em que sua equipe pensa quando os bebês parecem desnutridos. Uma é a fibrose cística (FC), doença genética do pulmão. Ela restringe os movimentos normais da água e dos sais minerais no organismo e pode causar acúmulo de muco espesso no pulmão, provocando infecções. É comum o pâncreas não produzir enzimas suficientes para a digestão. Os sintomas respiratórios podem queimar calorias. Mas a urticária generalizada não é um sintoma típico da FC.

Ainda assim, Davi estava no hospital havia sete dias sem diagnóstico, e a tosse e a respiração chiada chamaram a atenção da Dra. Edna. A fibrose cística é genética e, por acaso, era a doença do primo distante de Davi. “Não era um parente próximo”, diz a Dra. Edna, “mas nos ajudou a achar que poderia ser FC.”

Em muitos países, os bebês fazem o exame de FC ao nascer. Mas Davi, nascido três anos antes que a Bahia exigisse o teste do pezinho, não o fizera. A fibrose cística provoca níveis mais altos de sais minerais no suor, e a Dra. Edna fez um exame em que as glândulas sudoríparas são estimuladas com uma corrente elétrica leve; o suor é coletado num tubo e analisado.

O resultado positivo

Como o primo e mais 70 mil pessoas no mundo, Davi era portador de fibrose cística. Na verdade, as culturas bacterianas do pulmão revelaram três infecções ativas.

O diagnóstico explicava os sintomas respiratórios e a situação nutricional, mas o que causara a urticária grave? Só 30 e poucos casos como esse foram relatados no mundo inteiro em pacientes com fibrose cística. A Dra. Edna desconfia que as alterações na pele podem estar ligadas às deficiências nutricionais.

Davi ficou mais cinco semanas no hospital. Recebeu vitaminas, enzimas e um medicamento para limpar as vias respiratórias. “Quando teve alta, estava muito bem e, desde então, não precisou mais ser internado”, informa a Dra. Edna. Dois anos depois, a irmã mais nova de Davi nasceu com fibrose cística e pôde começar o tratamento mais cedo, graças ao teste do pezinho.

Hoje, a Dra. Edna ainda trata Davi e a irmã. “Temos uma relação de confiança com seus pais”, diz ela. “Eles sabem que tentamos fazer o melhor por seus filhos.”

POR LISA BENDALL