Por que a vacinação é importante?

Entenda por que as vacinas são importantes e como o Movimento antivacina pode colocar a nossa vida em risco.

Douglas Ferreira | 11 de Setembro de 2020 às 18:00

Jovanmandic/iStock -

Algumas doenças como a cólera, peste bubônica, tifo, gripe, varíola e tuberculose podem parecer “inofensivas” hoje. No entanto, essas doenças causaram terror ao longo da história, atacando silenciosamente e deixando milhões de corpos para trás.

As primeiras vacinas ocidentais surgiram no século 18, quando o médico e cientista britânico Edward Jenner foi pioneiro em desenvolver uma contra a varíola.

Foi somente em meados do século 20 que as enfermidades tomaram outro rumo. Isso foi graças ao advento dos antibióticos e a um aumento no programa de vacinação contra doenças como tuberculose, poliomielite, sarampo, caxumba e rubéola, entre outras. As pessoas não precisavam mais se preocupar com o pior desde o início. Naquela época, elas confiavam na sabedoria absoluta dos médicos.

Quem são os antivacinas

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Nas últimas duas décadas, como as doenças desapareceram graças à vacinação disponível, indivíduos e vários grupos têm participado de um retrocesso. São os os antivacinas, como são conhecidos, que tentam convencer o público de que as vacinas têm consequências terríveis.

Alguns antivacinas são contra as vacinas em geral ou porque acreditam que o natural é sempre melhor. Já outros são contra porque fazem parte de grupos religiosos que proíbem injetar uma substância estranha no corpo. Outros acreditam que a ciência está errada, chamando a atenção para casos individuais assustadores. Esses casos são apresentados de uma forma inteligente na internet, invocando estudos falhos, refutados diversas vezes.

Talvez o mais notório desses estudos tenha sido o liderado por Andrew Wakefield, gastroenterologista britânico agora desacreditado. Ele causou furor ao ser publicado em 1998 na respeitada revista médica The Lancet. O estudo relacionou a vacina MMR (tríplice viral) com o surgimento de doenças gastrointestinais e autismo.

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Ao recolher o documento 12 anos depois, a The Lancet observou que as 12 crianças do estudo de Wakefield foram cuidadosamente selecionadas para apoiar suas teorias. Além disso, algumas de suas pesquisas foram financiadas por advogados que representavam pais que estavam processando fabricantes de vacinas. O Conselho Geral Britânico descobriu que Wakefield foi antiético e mostrou “desrespeito às crianças do estudo realizando testes invasivos”.

Mesmo assim, o mito “vacina tríplice viral causa autismo” persiste até hoje, com taxas de vacinação ainda inferiores ao que eram antes. Wakefield perdeu seu registro médico por causa do dano que causou.

Além do medo da tríplice viral, os questionamentos das pessoas vão de mitos diversos a alegações fraudulentas. Inclusive a de que as vacinas são feitas com tecidos de fetos abortados. E de que a Gardasil, vacina que combate o papilomavírus humano, causador de câncer, realmente é um coquetel assassino tóxico.

Doenças já erradicadas voltam a assombrar

Todos esses fatores levaram muitos países ocidentais, inclusive quase toda a Europa, a surtos perigosos de doenças que há muito se acreditava erradicadas. Principalmente o sarampo, que pode ser fatal.

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Em um povoado com mil habitantes, por exemplo, são necessárias apenas duas crianças sem vacinação para causar um surto. As duas podem contaminar centenas e, em seguida, milhares de pessoas se o surto ultrapassar os limites do povoado. É por isso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) determina que 95% de uma população deve ser vacinada para ganhar o que é conhecido como “imunidade de grupo”. O propósito é proteger os mais vulneráveis: bebês, idosos e pessoas com o sistema imunológico comprometido. No Brasil, em 2017, a cobertura vacinal ficou em apenas 77%.

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A Dra. Heidi Larson, antropóloga da Escola de Higiene & Medicina Tropical de Londres, diz que há uma preocupação genuína com a segurança das vacinas. No entanto, os efeitos colaterais geralmente se resumem a dor no local da injeção ou dor de estômago, que dura uma noite. Não justificam o risco de não ser vacinado.

A questão da confiança

A Dra. Heidi lidera o Projeto de Confiança nas Vacinas, uma ação gigantesca de monitoramento. Em 2016, a pesquisa do projeto com 65.819 pessoas em 67 países descobriu que a maioria acredita que as vacinas são importantes. Mas a confiança delas nas vacinas é pouca, principalmente na Europa. Surpreendentes 41% dos entrevistados na França e 36% na Bósnia e Herzegovina contestaram sua segurança, comparados com uma média global de 12%.

“Toda vez que você toma um remédio, existe um risco”, continua a Dra. Heidi. “Mas a questão é mais complexa quando se trata de ser espetado por uma agulha em um momento em que não há provas concretas de ameaças de doença.”

Os antivacinas suspeitam que a ciência por trás das vacinas seja ruim. E acreditam que as indústrias farmacêuticas estão nisso apenas pelos lucros. Uma rápida vasculhada na internet traz notícias e estudos novos, como “Novas Investigações no Controle de Qualidade das Vacinas: Micro e Nanocontaminação”. Escrito por dois cientistas italianos, Antonietta Gatti e Stefano Montanari, ele foi publicado no Journal of International Vaccines and Vaccination. Esta parece uma publicação oficial. No entanto, dê alguns cliques a mais no site e você verá que a revista é publicada por um grupo chamado MedCrave. O grupo se autodescreve como “deslumbrado com a ciência e suas maravilhosas formas e que agora traz esta beleza para você”.

Ida Milne é historiadora da Universidade Maynooth em County Kildare, na Irlanda, e autora de Empilhando os caixões. O livro trata da guerra, da revolução e da epidemia de gripe espanhola de 1918-1919. Ida afirma, assim como outros especialistas, que esses sites são perigosas armadilhas nas quais as pessoas podem cair.

A reação dos governos

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Mas como mudar a opinião das pessoas? Confrontados com essas mortes desnecessárias, alguns governos decidiram que a situação é uma epidemia em potencial, se não uma pandemia. E é tão terrível que nem vale a pena tentar persuadir as pessoas a vacinar seus filhos voluntariamente. Em vez disso, alguns países da Europa tornaram 10 vacinas infantis obrigatórias. Ponto final.

Em novembro de 2017, a Itália foi a primeira a seguir esse caminho, tornando as vacinas pré-requisito para as crianças entrarem na escola. No entanto, o novo governo populista eleito em março rapidamente enfraqueceu essa regulamentação. Eles eliminaram a exigência de que os pais forneçam um atestado médico como prova de que seus filhos foram protegidos. É um retrocesso perigoso, dizem especialistas.

“O que me surpreende como médico é que para uma criança ser matriculada em uma aula de natação, um médico precise assinar um atestado de boa saúde. No entanto, uma criança não vacinada pode ir para a pré-escola com uma simples declaração dos pais”, diz o Dr. Roberto Burlioni, professor de microbiologia e virologia da Università Vita-Salute San Raffaele em Milão. Ele é autor do livro Vacinas não são uma opção. “Uma criança não vacinada pode infectar outras, como estamos vendo na atual epidemia de sarampo. A maior incidência é em crianças com menos de um ano. Elas são pequenas demais para serem vacinadas e só podem ser protegidas por meio da imunidade coletiva.”

A Romênia está considerando medidas obrigatórias semelhantes às do antigo governo italiano.

A França assumiu a linha mais dura de todos. Ao anunciar a decisão na Assembleia Nacional Francesa, o primeiro-ministro Édouard Philippe disse: “Crianças estão morrendo de sarampo hoje na França, na terra natal de Louis Pasteur (pioneiro da vacina). Isso é inaceitável.”

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A reação ao movimento tem sido dividida. Alguns grupos de pais o aprovam com base no fato de que a saúde e a segurança dos filhos superam a liberdade de escolha. Outros afirmam que as pessoas não gostam de receber ordens, principalmente de autoridades nas quais elas tendem a não confiar mais.

“Não sou fã de medidas mandatórias”, diz a Dra. Heidi Larson, do Projeto de Confiança nas Vacinas. “Acho que as pessoas devem agir por vontade própria, porque acreditam que é bom para elas.” Para a Dra. Heidi, a questão está em encontrar maneiras mais positivas de envolver o público. Isso inclui profissionais da saúde dedicando mais tempo em ouvir os medos dos pacientes e responder em uma linguagem compreensível, e campanhas de imunização que atinjam as próprias crianças.

Acima de tudo, isso requer contar histórias que lembrem as pessoas de como era antigamente e como pode ser no futuro, de epidemias e pandemias que dizimaram milhões de pessoas de uma vez, até civilizações inteiras. “As pessoas esquecem”, diz a historiadora Ida Milne. “É por isso que escolhi esse trabalho. Não podemos esquecer.”

Por Lisa Fitterman