Queimação no peito: indigestão ou doença crônica?

Para algumas pessoas aquela sensação de queimação no peito é algo comum. Mas você sabia que a azia pode ser sinal de uma doença mais grave!?

Redação | 30 de Novembro de 2018 às 21:00

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Quando o jornalista especializado em automobilismo Markus Stier estava com 20 e poucos anos, começou a sentir uma queimação no peito umas duas vezes por mês. Durante anos ele sofreu sem buscar ajuda médica. Uma namorada que trabalhava em uma farmácia recomendou que tomasse antiácidos. Embora tenham ajudado um pouco, Stier inicialmente teve dúvidas de que ela tivesse realmente identificado o problema. “Ela suspeitava de algo no estômago, o que parecia estranho para mim, pois a dor vinha de uma região mais acima”, diz Stier, agora com 51 anos. “Às vezes a dor era tão intensa que parecia que meu peito ia implodir.”

Há cerca de 15 anos Stier finalmente consultou um médico. Ele havia aceitado a ideia de que sua dor poderia estar relacionada com o estômago. Ficou surpreso ao receber o diagnóstico da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), ou inflamação do esôfago, o tubo que faz a conexão entre a boca e o estômago. “Eu ainda guardo as palavras do médico na minha cabeça: ‘Seu estômago está perfeito por dentro, mas a parte inferior do esôfago parece ter labaredas subindo pela parede’”, conta Stier.

O médico prescreveu medicamentos que ajudaram a aplacar a inflamação. Ao mesmo tempo, Stier modificou sua alimentação, eliminando chocolate, doces, bebidas alcoólicas, sucos e café.

Um problema comum

Para muitas pessoas, a dor torturante da azia é um fato ocasional, embora desagradável, da vida. Muitas vezes é um sinal de refluxo. Ele ocorre quando o ácido do estômago transborda para o esôfago quando o músculo que deveria separar os dois não consegue se manter fechado.

A azia tende a desaparecer depois de algumas horas, então a maioria das pessoas não a considera um problema sério. “É bem aceitável ter episódios de azia de vez em quando, particularmente se relacionados a uma refeição pesada ou à ingestão de álcool”, diz Daniel Sifrim, professor de fisiologia gastrointestinal na Barts and the London School of Medicine and Dentistry, da Queen Mary University. “Mas se torna uma doença quando os sintomas ocorrem mais de uma vez por semana, quando afeta a qualidade de vida ou quando surgem complicações.”

Episódios de azia mais frequentes podem indicar a DRGE, que às vezes causa danos à delicada mucosa do esôfago, como resultado do ácido gástrico regurgitado repetidamente para o esôfago. A DRGE afeta até 25% dos europeus. Algumas pessoas têm dores tão intensas que pensam estar sofrendo um infarto. “Os pacientes relatam: ‘Acordei no meio da noite com uma dor aflitiva no peito, e corri para o hospital pensando que fosse um infarto. Lá fizeram todos os exames, e estava tudo normal”, diz Laurence Lovat, professor de gastrenterologia da University College London. “Disseram que talvez fosse refluxo gastroesofágico.”

Possíveis Complicações

Embora a DRGE não seja tão grave quanto um infarto, nem sempre é inofensiva. Se não for tratada, com o tempo pode causar complicações. Algumas pessoas desenvolvem uma tosse crônica. Outras experimentam um estreitamento do esôfago em decorrência de cicatrizes no tecido, o que dificulta engolir os alimentos confortavelmente. Anos de deterioração podem resultar no esôfago de Barrett, condição que muitas vezes precede o câncer de esôfago. “A cada dez pessoas com refluxo ácido crônico, em uma a mucosa do esôfago, antes normal, passa àquela que caracteriza o esôfago de Barrett”, diz Lovat. “O esôfago de Barrett tem 10% de chance ou menos de evoluir para um câncer. Se você não tem esôfago de Barrett, a probabilidade de ter câncer de esôfago é praticamente zero.”

Para minimizar os efeitos do refluxo gastroesofágico crônico, ou para preveni-lo, tente algumas destas ideias:

Consulte o médico

A DRGE tem tratamento, que pode evitar que a doença progrida. Portanto, é sensato consultar o médico se você tem refluxo. “As pessoas cujos sintomas estão interferindo em suas vidas, as que não conseguem dormir por causa deles ou as que simplesmente estão tendo de tomar antiácidos com muita frequência devem consultar o médico”, aconselha Amritpal Hungin, professor no Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade de Newcastle.

O médico talvez peça uma endoscopia – procedimento que visualiza o interior do esôfago com a ajuda de uma câmera presa à ponta de um tubo – para ver se o esôfago está inflamado ou danificado. Caso esteja, o médico lhe prescreverá remédios e indicará mudanças no estilo de vida para minimizar os sintomas. “Se você está mal o suficiente para procurar o médico, tome o medicamento prescrito até concluir o tratamento”, diz Lovat. “Depois use essa oportunidade para adotar um estilo de vida mais saudável. No topo da minha lista estaria: Não coma ou beba por pelo menos duas ou três horas antes de ir para cama. Não coma muito em nenhum momento. E não coma alimentos gordurosos.”

Controle o peso

Seu peso pode influenciar se você terá ou não refluxo crônico. Estar acima do peso ou obeso torna mais difícil para o músculo que separa o estômago do esôfago manter uma vedação perfeita, e isso permite que vaze ácido para o esôfago. “É o caso especialmente de pacientes homens com barrigas protuberantes”, diz Mark van Berge Henegouwen, professor de cirurgia gastrointestinal na Universidade de Amsterdã. “Ocorre um aumento de pressão dentro do abdome e, em consequência, o refluxo.”

A DRGE tornou-se mais frequente nos últimos anos, à medida que a obesidade vai se tornando um problema mais recorrente. “As principais razões para a maior incidência da DRGE é provavelmente o aumento do IMC (índice de massa corporal) da população”, afirma Asle Medhus, chefe do departamento de gastrenterologia do hospital da Universidade de Oslo. “Embora difícil, o tratamento ideal é a perda de peso.”

Jayne Feld, 49 anos, repórter especializada em educação, sofre de azia quando ganha peso, mas o problema desaparece se ela emagrece. “Toda vez que bato 75 quilos na balança, fico mais suscetível”, diz Jayne. “É meu grande incentivo para perder peso.”

Pequenas perdas de peso podem ajudar. “Mesmo em pessoas que não são obesas a redução de dois pontos no IMC está associada à diminuição do refluxo”, afirma Sifrim.

Evite alimentos que desencadeiem o problema

Algumas pessoas sentem azia quando comem chocolate, frutas cítricas ou hortelã, ou ainda quando bebem álcool ou café. Se você identificou um padrão, mantenha distância das coisas que causam o refluxo.

“Se você sabe que vai ter azia com certos alimentos, então tem uma escolha”, diz Sifrim. “Ou não come ou toma remédio. Você decide. Minha sugestão é que, de preferência, você tente evitar aquela comida o máximo possível.”

Tome remédios

Pessoas que têm azia esporadicamente podem encontrar alívio em antiácidos de venda livre ou alginatos, um medicamento derivado de algas marinhas. Porém, as pessoas que sofrem com a DRGE frequentemente precisam de medicamentos que requerem receita. Há quem se sinta melhor depois de oito semanas de tratamento. Outros necessitam de anos para manter os sintomas sob controle. Os dois tipos de medicamentos mais utilizados no tratamento da DRGE são conhecidos como bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons (IBPs). Ambos reduzem a quantidade de ácido que o estômago produz.

“As evidências demonstram de forma inquestionável que os inibidores da bomba de prótons são muito mais eficazes que os bloqueadores H2 contra o refluxo gastroesofágico”, diz Lovat. O esôfago se recupera em 50% das pessoas que tomam bloqueadores H2 por oito semanas, e em 80% naquelas que tomam IBPs pelo mesmo período. “Isso é significativamente melhor”, afirma ele.

Porque os IBPs são mais efetivos, os médicos os prescrevem mais, mesmo para uso a longo prazo. Ocasionalmente, novas pesquisas tentam ligar o uso prolongado de IBPs a risco de infarto, demência, danos aos rins ou câncer de estômago, mas especialistas observam que as evidências desse risco são fracas. Os IBPs são seguros e as pessoas não deveriam parar de tomá-los se precisam deles. “Os efeitos colaterais do uso prolongado de IBPs vêm sendo discutidos por muitos anos”, diz Medhus. “Esses medicamentos estão disponíveis há cerca de 30 anos, e milhões de pacientes já o utilizaram por períodos prolongados. Portanto, muitas das preocupações sobre os efeitos colaterais provaram-se infundadas.”

“O problema com esses estudos é que se baseiam em coleta de dados em larga escala”, observa Hungin. “Não são estudos de causa e efeito.”

Use a posologia correta

A professora de yoga Miriam Pilgrim, 45 anos, controla a DRGE com bloqueadores H2. Em 2009, seu gastroenterologista receitou IBPs, mas, quando ela engravidou, o médico retornou para os bloqueadores H2. Ela nunca mais mudou. Alterações no estilo de vida também influenciaram positivamente seus sintomas. “A yoga definitivamente ajuda”, diz Miriam. “Chocolate piora.”

Claude Barruyer, 84 anos, assistente de dentista aposentada, usa IBPs quando necessário, conforme os sintomas do refluxo se manifestam. Depois de décadas lidando bravamente com a dor, Claude foi ao médico há cinco anos. “Em geral não gosto de tomar remédios, mas meu genro me convenceu a pedir que o médico me receitasse inibidores da bomba de prótons”, conta Claude, que tomou a medicação, e então suspendeu seu uso quando os sintomas desapareceram.

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Para o advogado Ian Sirota, 52 anos, tomar IBPs indefinidamente é a única maneira de obter alívio. Ele toma IBPs desde 2007, depois de ter pausado por um breve período sem sucesso. “Em questão de dias o refluxo voltou, e tive de reiniciar imediatamente a medicação”, conta Sirota. “Nesse intervalo, pelo menos uma ou duas vezes por semana, eu acordava com um ataque intenso, onde o ácido do estômago subia até a garganta, que ficava queimando por dias. Isso não acontece mais.”

Se você toma medicamentos para refluxo há algum tempo, pergunte ao seu médico se ele recomenda um período sem IBPs, porque nem todo mundo precisa tomar medicação indefinidamente. Sempre há riscos de efeitos colaterais quando você toma medicação por um prazo prolongado, e reduzir a medicação pode atenuar esse risco.

Alguns médicos suspeitam que uma porcentagem das pessoas que tomam IBPs possa nem ter refluxo, porque o uso prolongado da medicação nem sempre melhora os sintomas. “Nem tudo que parece azia, indigestão, regurgitação é consequência de refluxo gastroesofágico”, afirma Hungin. “Embora nós, médicos, prescrevamos inibidores da bomba de prótons, nosso sucesso com pessoas que têm esses sintomas não é bem o que se diz. E suspeito que não podemos ajudar apenas com medicação cerca da metade dos pacientes.”

Embora Stier, o jornalista especializado em automobilismo, não tome medicação diariamente, ele ainda depende de IBPs quando os sintomas retornam. “Não gosto de tomar remédio com frequência. Isso faz com que me sinta velho”, diz Stier. “Mas sei que os IBPs serão meus companheiros para o resto da vida. Para ser franco, desde que passei a usá-los, uma vida nova começou para mim. Em vez de horas de tortura, ganho paz e tranquilidade meia hora depois de engolir o comprimido.”

Por Lisa Fields