Zika: USP desenvolve teste que identifica vírus com maior precisão

Teste desenvolvido por pesquisadores da USP consegue identificar a infecção pelo vírus da zika com precisão e descartando semelhança com o vírus da dengue.

Juliana Goes | 16 de Outubro de 2019 às 13:58

Um novo teste desenvolvido por pesquisadores da USP consegue identificar a infecção pelo vírus da zika com precisão sem precedentes. Isso deve facilitar o trabalho de médicos e autoridades de saúde pública que ainda tentam entender os riscos trazidos pela doença.

“Até hoje, o maior problema para chegar a esse tipo de teste era a grande semelhança entre as proteínas do vírus da zika e as da dengue. Era muito difícil separar um do outro”, explica o virologista Edison Luiz Durigon. Ele é pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da universidade (ICB-USP) e um dos responsáveis pelo trabalho.

Para contornar o problema, a equipe conseguiu identificar um pedaço de uma das moléculas virais, a chamada NS1 (sigla de “proteína não estrutural 1”), que é suficientemente diferente de um vírus para o outro. Graças à escolha desse alvo, o teste tem tanto especificidade quanto sensibilidade de 92%. A especificidade de testes anteriores era de 75%.

Isso significa que o novo exame raramente produz falsos positivos. Ou seja, não identifica a presença de outro vírus como sendo o da zika. Além de falsos negativos – isto é, não “deixa passar” o vírus da zika como se fosse outro causador de doenças).

O trabalho levou ao depósito de uma patente, ou seja, uma invenção, com direitos de propriedade intelectual garantidos. Além disso, foi dado o licenciamento do teste para produção comercial pela empresa AdvaGen Biotech, de Itu (SP).

Testes toram aprovados pela Anvisa

A comercialização dos kits com 96 testes cada um já foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os pesquisadores calculam que o custo por pessoa fique em torno de R$30, o que viabilizaria o uso em grande escala no SUS.

Para obter a aprovação, o teste foi validado com mais de 3.000 mulheres – elas, com efeito, são o principal “público-alvo” da tecnologia. Isso porque sofrem os efeitos mais graves da zika registrados até agora, a microcefalia (tamanho da cabeça e do cérebro menor que o normal). Além de outras anomalias severas no sistema nervoso de recém-nascidos cujas mães foram infectadas pelo vírus.

Tudo indica que o patógeno destrói as células que dão origem aos neurônios durante a gestação na mãe infectada. Isso explica os problemas neurológicos nas crianças.

“Se uma gestante chega a um pronto-socorro com sintomas que lembram os da zika e faz esse teste, um resultado negativo já seria suficiente para deixá-la mais despreocupada”, afirma o virologista Durigon.

Outra aplicação relevante da abordagem é no acompanhamento de populações como a do Nordeste. Boa parte da população já foi infectada com um ou mesmo vários subtipos da dengue e que, portanto, oferece mais dificuldade na hora de determinar quem pegou zika pela primeira vez, já que os sintomas são bastante parecidos com os da dengue.

“Para um trabalho como esse, não existe nada que seja comparável em outros lugares do mundo”, diz Luís Carlos de Souza Ferreira, diretor do ICB e membro da equipe de desenvolvimento do teste.

Entenda o processo

Assim como diversos outros testes do gênero, o sistema desenvolvido pelos pesquisadores depende de uma série de reações envolvendo anticorpos, moléculas produzidas pelo organismo como arma contra invasores.

Em pequenas cavidades de uma placa fica o fragmento de molécula específico do zika. Em seguida, os pesquisadores colocam amostras sanguíneas do paciente. Caso a pessoa tenha tido contato com o vírus zika, seu organismo terá produzido anticorpos contra ele. Esses anticorpos vão se ligar ao pedaço de molécula do vírus de modo específico.

No passo seguinte, a placa recebe anticorpos contra o primeiro anticorpo –sim, é estranho, mas isso existe. O importante nesse caso é que o segundo anticorpo se liga de forma específica ao primeiro, e a ele está acoplado uma enzima – grosso modo, uma tesoura molecular.

Finalmente, acrescenta-se uma última molécula, projetada para ser cortada pela enzima. Nessa reação, o conjunto muda de cor – caso, é claro, haja anticorpos contra o vírus no sangue.

Se esses anticorpos não estiverem ali, as várias lavagens da placa vão carregar todas as moléculas embora. O processo todo dura 10 ou 15 minutos e pode ser totalmente automatizado.

A tendência é que os especialistas passem a entender melhor a dinâmica de espalhamento da zika entre a população. Há boas pistas de que a primeira onda da doença no país infectou milhões de pessoas, em tese deixando-as imunes à doença.

“Isso pode inclusive ajudar a decidir se vale a pena investir numa vacina”, diz Durigon.

A pesquisa contou com financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Por Reinaldo José Lopes – Folhapress