Google Classroom chega às escolas estaduais do RJ, mas esbarra em desigualdade social

A tecnologia tem o grande poder de ser uma facilitadora da vida em sociedade. Há diversos exemplos disso nos últimos dias: apesar da recomendação de

Ana Marques | 3 de Abril de 2020 às 10:00

SeventyFour/iStock -

A tecnologia tem o grande poder de ser uma facilitadora da vida em sociedade. Há diversos exemplos disso nos últimos dias: apesar da recomendação de isolamento social por conta da pandemia do novo coronavírus, empresas continuam suas rotinas em esquema de home office, amigos e familiares se reúnem em videoconferências, pessoas da terceira idade estão descobrindo novos recursos e possibilidades de interação com computadores e smartphones.

Mas é importante lembrar que, no Brasil, esses recursos não estão disponíveis para todos – é o que evidencia a preocupação do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) com a decisão da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC) em continuar o ano letivo de 2020 por meio do Google Classroom, plataforma de ensino à distância que permite criar turmas online, aplicar avaliações e registrar presença de forma remota.

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Apesar da proposta considerar a entrega de material didático impresso para alunos que não têm acesso à Internet, computadores ou smartphones, o SEPE-RJ teme que a qualidade do ensino acabe sendo inferior para este grupo, já que estes indivíduos não teriam canal direto de comunicação com professores como os demais estudantes. A questão se estende ainda aos profissionais que não tiveram a capacitação necessária para dar aulas online.

(Imagem: fizkes/iStock)

Em entrevista, uma servidora da rede estadual do Rio de Janeiro que não quis se identificar afirma que muitos professores “não estão familiarizados com as ferramentas de ensino à distância, além de terem dificuldades com o uso da tecnologia e Internet”.

Para Kelvin Pereira, aluno do primeiro ano do ensino médio na rede estadual, os casos não são maioria. “Em minha opinião, sim, grande parte está preparada. Os que terão mais dificuldades serão aqueles que não estão acostumados a utilizar esses métodos modernos. Mas, nos dias de hoje, esses casos são bem raros”, afirma.

Mas a estudante Iara Rodrigues, que está no terceiro ano, ressalta a preocupação manifestada pelo SEPE-RJ: “eu tenho colegas de turma que ainda não conseguiram acessar a plataforma por terem dificuldade com o meio digital. E outros não possuem acesso à Internet, o que dificulta ainda mais”.

Democratização do acesso à Internet virou pauta do governo diante da pandemia do novo coronavírus

 

Como abordamos em uma reportagem anterior, a Internet foi considerada um “bem essencial” pelo Governo Federal em um decreto publicado recentemente. Em linhas gerais, isso quer dizer que o serviço deve continuar funcionando durante a pandemia do Covid-19, sem restrições que afetem a circulação de profissionais da área de manutenção/implementação.

Entretanto, celulares e computadores não foram incluídos na lista como materiais necessários. Ou seja, apesar da Internet ser considerada um bem essencial, o governo não está distribuindo smartphones ou outros dispositivos que garantam o acesso à rede. A capacitação para o uso de tais tecnologias também não está prevista. Desse modo, a desigualdade social surge de maneira ainda mais forte em tempos de isolamento.

(Imagem: venimo/iStock)

Um novo mundo, que precisa de ajustes

 

Para o professor de matemática Anderson Medeiros, “estamos vivendo em um mundo cada vez mais dinâmico, com tecnologias cada vez mais acessíveis”, mas ainda há o que ser feito para que isso chegue a todos.

“Acho que maior desafio é cultural, não só pelo uso das ferramentas tecnológicas, também por não percepção da importância de se apropriar de conhecimentos. Entendo que o aprender, desenvolver e a própria cultura em si não são devidamente valorizados”, conclui o servidor.

De modo geral, o uso de plataformas online para a educação é visto com bons olhos diante de alunos e professores. No entanto, a comunidade acadêmica está de acordo que as bases para que isso aconteça de forma consistente – e sem prejuízo às pessoas com menor poder econômico/social – ainda devem ser estabelecidas antes de uma rápida implementação.

Em uma audiência pública organizada pela Comissão de Educação e Comissão de Ciência e Tecnologia da ALERJ, na última terça-feira (31), o Ministério Público solicitou à SEEDUC esclarecimentos sobre a proposta para ensino à distância. Em tese, existe autorização do Conselho Nacional de Educação (CNE) para a utilização de ensino à distância (EAD), mas a SEEDUC precisaria regulamentar as condições legais, e questões como aplicação e a democratização do acesso. Cabe ressaltar que a secretaria não enviou representante para o encontro.